A recente agitação na Comunidade Ufológica Mundial em torno das declarações do padre jesuíta José Gabriel Funes, diretor do Observatório do Vaticano, não é o primeiro sinal de que a Santa Sé reconhece a seriedade da questão ufológica, a ponto de ter alguns de seus integrantes, direta ou indiretamente, fazendo afirmações que sinalizam claramente um profundo entendimento da questão. Isto já vem acontecendo há alguns anos. Religiosos de vários segmentos da Igreja Católica, às vezes falando oficialmente, em outras apenas emitindo opiniões pessoais, têm se manifestado com certa freqüência sobre a vida extraterrestre e, mais especificamente, os discos voadores.
Um deles – e o mais notório de todos – é o monsenhor Corrado Balducci, considerado por seus pares “um religioso diferente”. Ele era amigo íntimo do papa João Paulo II, respeitado e admirado em todo o mundo católico e em outras searas, e nos anos 90 causou muita surpresa no meio ufológico quando começou a freqüentar congressos sobre o tema na Itália e outros países, fazendo afirmações que geraram espanto na ala conservadora da Igreja. No Simpósio Mundial de Ufologia de San Marino, em 1999, por exemplo, Balducci admitiu que é “real a possibilidade de que outras criaturas inteligentes vivam na imensidão do espaço”. Para ele, a existência de ETs seria um sinal inequívoco da glória de Deus. Até aqui, tudo bem para nós, ufólogos. Mas, um monsenhor fazer tal afirmação é algo significativo. E ele foi mais longe. No Simpósio Internacional de Exobiologia e Ufologia da Calábria, em 2005, Balducci declarou à Revista UFO que “a igreja reconhece plenamente que não estamos sozinhos no universo e defende um procedimento de investigação dos objetos voadores não identificados”. Mais claro, impossível.
Mesmo quem conhece o religioso e está habituado a vê-lo em eventos ufológicos, se assustou com a contundência de suas declarações na Calábria. “Que o universo é cheio de vida, não há nada mais óbvio do que isso. Que estejamos sendo observados por seres pertencentes a civilizações mais avançadas, idem. A questão está em entender o que querem aqui nossos misteriosos – e curiosos – visitantes”. Balducci, mesmo após o falecimento de João Paulo II e sob a administração de Bento XVI, de quem não é próximo, tem se manifestado livremente em conclaves em que se discutem os discos voadores. E o simples fato de que não é desautorizado ou censurado pela Santa Sé é um sinal de que, de alguma forma, o que ele fala é pensamento corrente ou aceito pela Igreja Católica.
Com suas colocações, o teólogo coloca ainda mais em evidência um assunto que há anos é debatido por alguns grupos de pessoas e ignorado por outros tantos. “A Bíblia não se refere diretamente aos extraterrestres, mas também não os exclui. A realidade dos UFOs é muito provável no infinito mistério da criação”, explica o religioso. “O monsenhor Balducci é um homem sincero e culto, que não poderia ficar alheio à questão dos discos voadores”, disse Roberto Pinotti, correspondente internacional da Revista UFO na Itália e organizador de ambos os citados eventos. Ao apresentar o teólogo à platéia do último deles, na Calábria, Pinotti disse que vê em Balducci uma voz que não se deve ignorar. “O monsenhor tem informações oficiais da igreja e as oferece em conta-gotas em suas palestras. Temos que beber desta fonte de saber”.
A PRODIGALIDADE DE DEUS
Em suas concorridas palestras, o monsenhor fez questão de dizer que não é o único no Vaticano a pensar dessa forma, como agora se viu pelas declarações do padre Funes. “Os religiosos também são abertos a este tema e muitos deles tiveram experiências com objetos não identificados”, disse, mostrando uma posição que afirmou ser pessoal e não oficial da Igreja. “A vida fora da Terra é evidente e sua existência não pode ser ignorada”, arremata. Mas o teólogo vai mais longe do que foi Funes, ao criticar as pessoas que não acreditam no fenômeno, fazendo referência ao grande número de testemunhos que há em todo o mundo. Mas ambos têm em comum o respeito pelo empenho de pesquisadores em desvendar o enigma dos UFOs, enquanto Balducci deixa claro que o Vaticano ainda não está preparado para se envolver oficialmente com a questão. “A estrutura da Igreja tem recebido muitas informações sobre observações de extraterrestres e suas relações com humanos”. Na verdade, a Santa Sé conhece a realidade dos UFOs há vários séculos. A Enciclopédia Católica, editada pelo Vaticano e porta-voz do pensamento oficial da Igreja de Roma, trata deste assunto no capítulo intitulado Habitacional dos Mundos. O texto diz que a doutrina apostólica não afirma nada explicitamente sobre a existência dos UFOs, mas esclarece que, se um dia a ciência conseguir provar que em outros planetas ou estrelas existem seres racionais como os humanos, serão todos obras divinas. E ainda afirma que “a filosofia explicará a origem destes homens do mesmo modo que elucidou a nossa, recorrendo à causalidade que postula o criador. E a teologia nos convidará a glorificar a grandeza, a bondade e a prodigalidade infinita de Deus”.
Há mais de 80 anos, no entanto, os UFOs já são assunto de discussão de influentes sacerdotes da Igreja Católica. Os padres Secchi e Montsabré, respectivamente o astrônomo da chamada Companhia de Jesus e um pregador dominicano de grande influência em Roma, admitiram a possibilidade da existência de criaturas racionais em outros mundos, mas de forma bem mais comedida que Balducci e Funes o fizeram agora. Eles afirmavam a existência de seres extraterrestres acrescentando a suposição de que eles também seriam pecadores. Assim, mostravam que seria possível que Deus tivesse estendido a eles, como para nós, os méritos da salvação por Jesus Cristo. Desse modo, não confirmavam totalmente o Fenômeno UFO e nem o negavam.
Ao longo do século passado, importantes vozes do mundo católico se manifestaram a respeito do tema. Um deles foi o padre Francis Connel, importante decano da Faculdade de Teologia da Universidade Católica da América, em Washington, que pronunciou-se a respeito do assunto em 1952. Connel acreditava na vida extraterrestre e dizia que “não há nada de contrário à fé admitir que existam criaturas racionais em
outros corpos celestes. Os estudiosos não podem estabelecer um limite para a onipotência de Deus”. Ele citou o documento Dieu Créator [Deus criador], erigido pelo teólogo George van Noort. Mas suas declarações não foram levadas a sério. Pelo menos, não tanto quanto as de Balducci e, agora, de Funes, que gozam de prestígio incomum junto à cúpula católica. “É hora de se derrubarem certos dogmas e de se falar abertamente”, declarou um Balducci pragmático e vanguardista.
Somente em sua versão de 1998, entretanto, é que o Dicionário do Vaticano fez referência aos objetos voadores não identificados, traduzindo-os com a expressão “res inexplicata volans”. Já a Bíblia menciona intrigantes passagens sobre a vida de certos profetas e importantes mensagens em que, entre outras coisas, há descrições de observações de UFOs. O arrebatamento de Enoque, a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra e até a ressurreição de Jesus Cristo têm interpretação ufológica clara. Entre as passagens bíblicas que melhor expressam a existência do Fenômeno UFO, de fato, estão aquelas que mostram que Deus é senhor de outras civilizações espalhadas pela imensidão cósmica. “A casa de meu Pai tem muitas moradas”, teria dito Jesus em João 14:1. “Vós sois cá de baixo. Eu sou lá de cima. Vós sois deste mundo. Eu deste mundo não sou”, disse o filho de Deus em Evangelho segundo São João 8,21-30.
Discos voadores na BÍBLIA
Como não considerar polêmicos e curiosos trechos desta importância escritos na Bíblia? Isso sem se falar nas constantes aparições da Virgem Maria ainda nos dias de hoje, que muitos ufólogos bem informados – e alguns teólogos também – crêem ser uma manifestação ufológica. E não são apenas as escrituras que deixam os pesquisadores intrigados: o período renascentista também gerou inúmeras perguntas através de pinturas que simbolizam passagens bíblicas. O quadro Anunciação, de Carlo Crivelli, pintado em 1498, é um exemplo. Ele retrata a concepção de Jesus Cristo de maneira bastante intrigante, pois mostra um raio de luz direcionado para a Virgem Maria [Veja em UFO 065]. Há outros escritos históricos, tão ou mais antigos do que a Bíblia, que também contêm intrigantes descrições de acontecimentos ufológicos. O texto hindu Mahabarata, por exemplo, descreve discos voadores observados na Índia há 4.000 anos. Porém, como uma das mais antigas e tradicionais religiões do planeta, a Igreja Católica é a que mais tem a esconder sobre o tema. Talvez, a partir de agora, esse quadro comece a mudar. Que o digam Balducci e Funes.
Mas, além de Balducci e Funes, há ainda outro importante teólogo do Vaticano que já defendeu a realidade alienígena abertamente, o padre Piero Coda. Ele declarou que, se existirem seres inteligentes e livres no universo, eles também foram criados por Deus. “Dessa maneira, tendo falhas, estas criaturas necessitam da redenção através das palavras salvadoras de Jesus Cristo”, teoriza. Para Coda, a solidariedade religiosa fará com que os extraterrestres conheçam o caminho da salvação, podendo até haver algum enriquecimento cultural para nossa civilização, como aconteceu no passado, quando a cultura européia descobriu outros continentes. Já Balducci acha que os ETs estão num estágio intermediário entre humanos e anjos. “Estes são espíritos e nós muito mais corpo que espírito”, explicou, garantindo ainda que o homem é algo frágil, feito de alma e matéria, levado freqüentemente a fazer o mal em vez do bem. Em sua opinião, os UFOs poderiam ser um elo com criaturas angelicais e, conseqüentemente, com Deus. “Os alienígenas não são entidades demoníacas, porque a misericórdia de Cristo não permitiria”.
Filhos do mesmo Pai
Funes vai mais além e já incorpora o conceito de que nós e os ETs temos algum grau de parentesco, presumindo sermos todos filhos do mesmo Pai. “Por que não poderemos falar de nossos irmãos extraterrestres? Eles devem existir e fazer parte da criação divina”, declarou o jesuíta, que não parece muito preocupado com o fato de a ciência acadêmica ainda rejeitar a questão por suposta falta de provas. “Pode haver seres semelhantes a nós ou até mais evoluídos em outros planetas, ainda que não haja provas da existência deles”, declarou ao jornal L’Osservatore Romano, porta-voz do Vaticano. Balducci corrobora a idéia de que eles sejam mais avançados do que os terrestres e teoriza que eles poderiam ajudar-nos em nossos caminhos, inclusive no sentido espiritual. “Certamente, são melhores que nós. É difícil imaginar alguma coisa pior que os seres humanos”. Ele deixa mais evidente ainda sua posição frente ao Fenômeno UFO ao afirmar que busca um modo de promover a aceitação do assunto perante o resto do clero e dos católicos.
Essa compreensão da comunidade cristã viria, talvez, pelo fato do monsenhor dizer que os ETs também possuem uma alma, “como todas as criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus”. Balducci também condena cientistas que menosprezam o Fenômeno UFO, suas testemunhas e pesquisadores. Ele diz que não se deve destruir o relato de pessoas que viveram esse tipo de manifestação, pois elas procuram a disponibilidade de acreditar no inacreditável baseando-se na vida e na religião. “Que diferença faz se os anjos em vez de asas tiverem astronaves? Se existem, não são uma ameaça”, completou. De qualquer modo, ele, Funes, Coda e os muitos membros da Santa Sé estão tentando realizar o que João Paulo II pediu poucos anos antes de morrer: “Procurem as digitais de Deus”.