As marcas de pés com diferentes números de dedos na parede de uma gruta em Barra do Garças (MT) são um mistério. Para alguns, são gravuras feitas como forma de expressão entre os povos que passaram pelo local no passado. Outros, porém, afirmam que os registros são impressões em baixo relevo e a prova de que seres míticos de fato pisaram ali.
A Gruta dos Pezinhos, como é chamado o lugar, foi incluída em 2015 no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ela está localizada no cerrado de Mato Grosso, em uma área que abriga o Parque Estadual da Serra Azul.
Em toda a extensão da parede da gruta de arenito, há diferentes tamanhos e formatos de pés humanos – alguns com três, quatro, cinco ou até seis dedos. Há também mãos, pegadas de diferentes animais, desenhos de órgãos genitais e formas geométricas – como círculos e losangos. As aparentes marcas de pés humanos na parede são as que mais chamam a atenção no local e são consideradas misteriosas por muitos que conhecem o lugar.
Em todo o mundo, há diversos registros de pegadas humanas deixadas há milhares de anos, mas os da Gruta dos Pezinhos – localizada 400 metros acima do nível do mar, em um dos pontos mais altos do parque estadual – são considerados únicos por causa dos diferentes números de dedos. Nos outros lugares, costumam apresentar cinco dígitos.
Já foram apresentadas diferentes explicações para os registros de pés com três a seis dedos da gruta mato-grossense. Contudo, nenhuma é conclusiva, já que as gravuras nunca foram estudadas em profundidade. Até hoje, foram realizadas somente análises superficiais.
Pesquisadores acreditam que as marcas foram deixadas por povos indígenas que viveram por ali milhares de anos atrás. Imagem: Vilson Ferreira
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, as marcas de pés são figuras rupestres: desenhos e inscrições geralmente feitos no interior de cavernas ou outras superfícies rochosas. “No passado, aquela parede da gruta era mole, como um barro. Então, os seres iam marcando cada nascimento por meio dessas gravuras, com desenhos de pés, mãos ou órgãos sexuais“, justifica a professora Nina Tereza Dolzan, mestre em patrimônio histórico cultural. Por anos, ela fez estudos por conta própria sobre a gruta.
Alguns dos estudiosos que avaliaram o local acreditam que as marcas petrificadas foram feitas por povos indígenas que viveram por ali milhares de anos atrás. O entorno da região de Barra do Garças é repleto de povos indígenas, entre eles Bororos e Xavantes. Com base em lendas dos povos da região, uma versão mística surgiu para justificar a origem dos registros na parede da gruta.
“Os indígenas da região, principalmente os mais velhos, contam sobre semideuses, que seriam criaturas de 1,20 metros, com cabeça desproporcional ao corpo, diferentes números de dedos nos pés e que teriam vindo do céu”, afirma o psicólogo Ataíde Ferreira, presidente da Associação Mato-grossense de Pesquisas Ufológicas e Psíquicas (Ampup) e consultor da Revista UFO. “Essas pegadas da gruta têm muito a ver com esses seres, por isso muitos acreditam que aquelas marcas foram feitas por semideuses“, completa Ataíde.
As gravuras
O Iphan descreve a gruta como “um sítio de arte rupestre com gravuras em baixo relevo”, inserido dentro de um contexto da ocupação pré-colonial em Barra do Garças. No município, há, ao menos, outros 12 sítios arqueológicos: muitos também com pinturas rupestres, mas apenas a Gruta dos Pezinhos possui as marcas peculiares de pés com diferentes números de dedos.
Para Nina Dolzan, os povos que viviam na região iam para a gruta a cada novo nascimento. “Pelas minhas pesquisas, com base em estudiosos que analisaram inscrições em grutas pelo mundo, os registros na Gruta dos Pezinhos eram feitos toda vez que havia o nascimento de um bebê. Quando a criança vinha ao mundo, os pais, que habitavam a região, iam para a gruta para registrar os pés na parede e fazer outros sinais para marcar a criança”, diz. “Se fosse homem, faziam uma representação de um pênis na parede. Se fosse mulher, reproduziam uma vagina”, acrescenta.
“O que podemos dizer é que são manifestações gráficas de populações indígenas que habitaram a região em tempos pretéritos.” Ela explica que para descobrir com precisão que povo fez as inscrições na gruta deveria ser feita uma análise mais aprofundada. “Teriam que escavar a gruta, em busca de algum material orgânico, como carvão ou restos de alimentos, ou algum vestígio de tinta nas gravuras”, afirma.
Por causa da falta de estudos sobre a origem do local, não é possível dizer que povo viveu ali. Imagem: Edevilson Arneiro
Outros fenômenos
A Gruta dos Pezinhos está localizada na região da Serra do Roncador, que começa em Barra do Garças e vai até o Sul do Pará, e é berço de várias histórias misteriosas. No lugar, há diversos relatos que causam estranheza, como de pessoas que afirmam ter avistado discos voadores – o que motivou a criação do Discoporto na cidade, um “aeroporto para discos voadores”.
A história mais conhecida da região do Roncador é o desaparecimento do coronel inglês Percy Fawcett, em 1925. Ele buscava uma suposta cidade perdida, que chamava de Z, quando adentrou a serra. Foi a última vez em que foi visto. O caso inspirou filmes e desenhos em todo o mundo.
Muitos interpretam as marcas petrificadas como exemplo do misticismo local. Imagem: Eduardo Hanazaki
Divergências
Para o historiador e geógrafo Wilson Ferreira, que há anos analisa a região de Barra do Garças, as marcas de pés com três ou seis dedos são facilmente explicadas. “Não vamos fazer como os doidos daqui e achar que isso é coisa de extraterrestre. Acontece que não era fácil fazer os desenhos ali. Então, cada um colocava quantos dedos queria. Por isso, há pegadas com três, quatro, cinco ou seis dedos. Variava conforme a concepção do artista“, justifica.
Ataíde Ferreira rebate as críticas de quem descarta a possibilidade de que as marcas de pés tenham sido feitas por seres místicos. “Os indígenas da região, principalmente os mais velhos, sempre falaram de semideuses vindos do céu. Eles dizem que esses seres ensinaram muito aos antepassados”, diz. “Esses relatos de seres com três, quatro, cinco ou seis dedos existem antes
mesmo da descoberta dos registros da gruta. Então, essas pegadas petrificadas reforçam a existência desses semideuses“, acrescenta.
Com base nas lendas indígenas da região, Ataíde explica como teriam surgido as pegadas na parede. “Certa vez, um pesquisador disse que aquela parede, há milhares de anos, estava na horizontal. Era um chão com muita lama, que foi endurecendo com o passar do tempo. Assim, as pegadas dos seres místicos ficaram petrificadas ali“, declara. “Um pedaço daquela região caiu. Isso fez com que a estrutura da gruta tenha sido alterada ao longo do tempo. Aquilo que era chão, acabou ficando na vertical e se tornou uma parede, onde as pegadas permaneceram”, afirma Ataíde.
Há estudiosos que optam por não descartar nenhuma possibilidade para as marcas da gruta e, por isso, não ignoram as crenças sobre o misticismo da região. O arqueólogo Francisco Forte Stuchi, que é servidor do Iphan e recentemente foi à gruta para fazer uma visita técnica, aponta que não há uma motivação clara para os diferentes números de dedos nas marcas de pés.
“Essas interpretações sobre a gruta vão desde pés humanos, a mutações genéticas ou alguma associação com animais. Não excluo possibilidades, então também pode extrapolar tudo isso e ser algo extraterreste”, afirma o arqueólogo.
Preservação
Os mistérios que rondam a gruta podem nunca ser solucionados. Isso porque o local tem se deteriorado com o tempo. Sem cuidados necessários de conservação, cada vez mais as marcas vão se perdendo ou sendo alteradas, além de a estrutura da gruta ser constantemente afetada pelo intemperismo. Entre aqueles que já analisaram a gruta, há apenas uma unanimidade: o local precisa de conservação adequada e de estudos aprofundados, para que existam mais informações sobre a sua origem
Em uma nota técnica do Iphan sobre a gruta, assinada em 24 de julho, é mencionada a necessidade de pesquisas no local, que nunca foi estudado por arqueólogos. Também no documento do instituto, é apontada a necessidade de conservação do lugar, por se tratar de um sítio arqueológico extremamente frágil aos impactos naturais e aqueles causados pela ação do homem.
Hoje, para conservar o espaço, a visitação no lugar é feita somente após autorização da diretoria do Parque Serra Azul. Por ora, somente pesquisadores têm conseguido permissão para ir à gruta, para evitar que ela seja visitada por curiosos que possam danificá-la.
Anos atrás, algumas marcas da Gruta dos Pezinhos chegaram a ser pintadas ilegalmente por pessoas que visitaram o local – a destruição de sítios arqueológicos no Brasil é considerada crime, conforme a Constituição Federal.
Gerente do parque estadual, a analista de Meio Ambiente Christiane Schnepfleitner conta que aguarda a elaboração de um projeto de adequações na trilha de acesso à gruta, além das medidas de conservação do lugar. “Esperamos que a Gruta dos Pezinhos receba as melhorias necessárias no próximo ano”, declara. Ao menos por enquanto, não há previsão para que o lugar receba os cuidados necessários para a sua preservação.
Fonte: Artigo da BBC Brasil, leia na íntegra.
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