Dentro dos procedimentos técnicos da Ufologia, a coleta de depoimentos é a melhor forma de compor uma pesquisa. Este texto se limita a um único relato, que possui uma rica teia de interpretações sobre o Fenômeno UFO no Piauí, deixando-nos inquietos com as flutuações que um depoimento pode mostrar. Antes de estudá-lo, é importante entender a participação de uma testemunha na pesquisa ufológica. Ela permite ao ufólogo acessar a memória individual e coletiva dos fatos de um grupo, pois é a partir de um depoimento de contatos ou avistamentos que se terá noção da percepção de realidade processada pela testemunha, permitindo o aproveitamento ufológico do fato.
A entrevista equilibrada e sem distorções não traz resultados exatamente confiáveis, mas ajuda a preencher lacunas na inquietação do pesquisador. É importante ter consciência de que uma entrevista nunca é verdadeira por excelência, devido a uma série de flutuações nas afirmações da testemunha, às vezes pouco consistentes, ligando crenças e enganos que se cruzam. Numa pesquisa realizada pela União de Pesquisas Ufológicas do Piauí (Upupi)no povoado Vinagreira, no município de José de Freitas, em 17 de setembro de 2005, tivemos a oportunidade de checar várias hipóteses. Aproveitou-se para realizar uma vigília, planejada para investigar alguns casos narrados pelos moradores da região. Segundo Flávio Tobler, pesquisador do grupo, as aparições de engenhos extraterrestres naquela localidade são registradas no imaginário popular há pelo menos 20 anos. Lá, o caso mais interessante, para efeito de análise, é o da senhora Teresa Rocha de Jesus Oliveira, 61 anos, que poderíamos intitular como “o episódio do ser de um olho só”.
Cultura oral — Mas, entrevistando esta senhora, deparamo-nos com um problema: como dar sustentação a um depoimento ufológico impregnado de crenças e tradições passadas através de uma cultura oral? O entendimento de seu caso tornou-se ainda mais complicado por causa de suas afirmações, entre elas a de que o objeto observado “era como uma roda dentro da outra”. A senhora Teresa se referiu na entrevista ao que seu pai lhe dizia na infância, quando alegava que teria profetizado tais aparições e que os “bichos de um olho só” – tripulantes desses objetos – iriam atacar o povoado em que moravam.
Aprofundando o diálogo com a senhora Teresa, descobrimos que os seres de um olho só, na verdade, são figuras que seu pai lhe mostrou na infância, em algo que ela chamava de “Almanaque Fontoura”, supostamente do fortificante muito conhecido. Seu pai apresentava a imagem – que consistia de desenhos possivelmente de personagens de um olho – à ainda menina Teresa, aos oito anos de idade, quando ela morava no mesmo lugar. Isso lhe causou forte impressão, que agora usaria inconscientemente para descrever os fatos ufológicos vividos. A região onde mora é inóspita e muito pobre, sem qualquer sinal de povoamento.
O pai da senhora Teresa transmitia a ela e aos irmãos, na década de 50, informações que ele pretendia usar como fonte de educação, mas que acabaram resultando numa carga que alimentava o imaginário das crianças, notadamente o da menina Teresa. Mesmo sexagenária hoje, ela ainda guarda tais memórias, como outros moradores do local. “Os UFOs jogam uns ‘frok’ que dão medo”, descreveu um membro de sua família, que também reside na localidade de Vinagreira, referindo-se a uma emissão de luz. Uma análise do caso leva ao seguinte cenário: a observação de UFOs na região se cruza com a configuração imagética transmitida pela lembrança do tal Almanaque Fontoura dentro da família, que tinha regime conservador e patriarcal. A interpretação da realidade dos depoentes, nestes casos, reflete tal informação. Sua memória apresenta uma formação simplista e periférica do mundo,distorcendo o avistamento ufológico com imagens embutidas em seu inconsciente.
Símbolos e distorções — É importante para a Ufologia, numa aproximação científica, preocupar-se com detalhes sobre a vida e o cotidiano das testemunhas – como vivem, qual é seu grau de escolaridade, que religião praticam, que nível de coerência apresentam em seus relatos etc. Todo depoimento é carregadode símbolos e distorções não intencionais, para as quais é preciso atenção. Uma técnica para estudar o assunto numa perspectiva mais neutra deve reconhecer que os UFOs são mecanismosque existem, mas que podem ser descritos com distorções. É importante verificar o assunto no âmbito do particular para o geral. Por exemplo, ao analisar um depoente como a senhora Teresa, o pesquisador deve atribuir ao seu relato um filtro que contemple o imaginário popular da região e o meio em que vive, com o objetivo de tentar compreender sua experiência de forma mais cristalina.Este é um método delicado, mas é o risco que devemos correr na busca da precisão.
O avistamento da senhora Teresa, somado à análise de seu depoimento e ao princípio da possibilidade – que é reconhecer as distorções do fenômeno, não partindo de um ponto factual, mas sim de sua suposição – resulta na formação de uma mentalidade ufológica. A testemunha misturou o conteúdo de sua memória ao que interpretou em seus avistamentos mais recentes, gerando uma nova imagem do fato. Esta acabou ocasionando sensação de medo em outros dois moradores entrevistados na região, que acreditam nos “bichos de um olho só” e que um dia eles poderão aparecer para atacar o povoado, que tem o agravante de receber visitas constantes de UFOs. A idéia do princípio da possibilidade é embrionária e questionada, mas tenta tirar um péssimo vício e a ingenuidade dos ufólogos, que já partem do princípio de que os UFOs existem e não pensam que a realidade é multifacetada e cheia de descaminhos.