
Em julho de 1947, quase dois anos após ter lançado as bombas atômicas no Japão, o 509º Batalhão Aéreo do Exército [A Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) ainda não existia como uma entidade à parte, coisa que viria a acontecer apenas em 1952. Até então, o Exército era responsável pelos grupamentos aéreos], situado na cidade de Roswell, no estado do Novo México, viu-se diante de uma situação talvez tão grave quanto o lançamento das ogivas: a queda de um UFO.
Justamente porque era a única instalação militar do mundo a possuir bombas atômicas, a Segurança e a Inteligência do 509º Batalhão eram as mais apuradas do país. O temor em relação à espionagem soviética, naqueles primeiros anos da Guerra Fria, chegava às raias da paranoia e qualquer acontecimento anômalo era ali tratado como de segurança nacional. Este foi o motivo que fez o comandante da base, coronel William Blanchard, ao tomar conhecimento da notícia de que um fazendeiro havia encontrado destroços de um UFO espalhados em seus campos, ter despachado dois de seus oficiais de Inteligência para inspecionar o local — o major Jesse Marcel e o capitão Sheridan Cavitt.
A notícia dada pela base para a imprensa dava conta de que um disco voador caíra em Roswell. As matérias jornalísticas incluíam, inclusive, as declarações do major Marcel sobre aquilo que havia visto e a descrição que deu de alguns materiais. Logo em seguida à difusão da novidade, o próprio Exército desmentiu a nota, dizendo que o tal disco voador não passava de um balão meteorológico que havia sido confundido, tanto pelo fazendeiro quanto pelo oficial do Exército, com uma nave alienígena. Essas declarações foram dadas pelo brigadeiro-general Roger M. Ramey e foram os primeiros passos na implantação do que conhecemos como “política de acobertamento ufológico”, vigente até hoje.
A volta de Roswell
A imagem estampada nos jornais da época mostrava um constrangido major Marcel segurando pedaços de um balão espalhados no chão do gabinete de Ramey. A história que havia corrido o mundo e o tomado de assalto estava, oficialmente, encerrada. Ao menos era o que esperavam as autoridades do Exército Norte-Americano — testemunhas militares foram proibidas de falar sobre o assunto, testemunhas civis foram violentamente coagidas a permanecerem em silêncio. Mesmo assim, o assunto não morreu.
As declarações de Marcel e suas descrições dos materiais recolhidos — entre eles um pedação de uma folha de alumínio que voltava à forma original após amassada, e que mesmo colocada sob a ação do fogo não se queimava ou distorcia —, continuavam reverberando. E não era só isso, mas havia também notícias sobre corpos de extraterrestres encontrados no local dos destroços. O Exército negou, a imprensa se calou e o Caso Roswell passou a viver apenas nas conversas dos interessados pelo assunto. Passados 30 anos, em 1978, Jesse Marcel voltou às manchetes pelas mãos do pesquisador ufológico Stanton Friedman e mais uma vez contou sua história. Neste tempo todo, simplesmente não existia um Caso Roswell na Ufologia Mundial. Marcel relatou a Friedman não a versão oficial, mas aquela que ele dizia ser a verdadeira. O Caso Roswell surgia das cinzas de um até então boato e ganhava, finalmente, projeção mundial. É interessante lembrar que no ano anterior, 1977, Steven Spielberg havia lançado o filme Contatos Imediatos do Terceiro Grau, cujo sucesso fizera com que a Ufologia alcançasse grande projeção. A população, portanto, estava receptiva ao assunto.
Farsas e mentiras
A partir de seu surgimento como ocorrência ufológica autentica, o Caso Roswell tem mostrado que não morrerá ou cairá no esquecimento novamente. Dezenas de pesquisadores vêm se dedicando a ele, buscando a verdade em meio às dificuldades da passagem do tempo e do falecimento natural das testemunhas. Roswell é tão importante para a Ufologia Mundial que se tornou parâmetro para comparação e destaque de casos. Assim, quando um caso é muito expressivo, passa a ser chamado de “Roswell Russo”, “Roswell Brasileiro”, como ficou conhecida a Operação Prato em um programa do History Channel, e assim por diante. As notícias trazidas pelos investigadores vêm falando há décadas sobre conspirações governamentais de toda sorte para manter em sigilo a verdade sobre o que ocorreu no Novo México, em 1947.
Há denúncias de naves e corpos guardados na Base Aérea de Wright-Patterson, no estado de Ohio, na famosa Área 51, no Nevada, e na Base Aérea de Fort Worth, no Texas. Também há relatos de militares que, já em seus leitos de morte, falaram sobre aquilo que presenciaram. Civis denunciam que foram silenciados, chantageados, presos e perseguidos para que nada contassem. O governo norte-americano, através da sua Força Aérea, já criou ao menos quatro explicações mirabolantes para justificar os acontecimentos — nenhuma delas era crível, o que só aumentou a fama e o mistério em torno do assunto.
Muitas testemunhas apareceram ao longo de todos esses anos alegando terem participado do Caso Roswell, mas foram provadas falsas. Mentiras foram espalhadas por desinformantes, enganando até mesmo aos pesquisadores mais experimentados. Some o leitor a isso pessoas visivelmente perturbadas, que vira e mexe fazem alegações estapafúrdias, e teremos um panorama da salada em que se transformou o episódio. Para complicar, em 1995, um produtor cinematográfico inglês de pouca expressão, chamado Ray Santilli, anunciou que havia comprado uma filmagem feita no hospital do 509º Batalhão Aéreo do Exército, cujas imagens chocariam o mundo. Segundo Santilli, ele havia adquirido as películas em super 8 mm de um cinegrafista de quem comprara, anteriormente, algumas tomadas inéditas do cantor Elvis Presley. O produtor também disse que, ao assistir a filmagem que lhe era oferecida, juntou o dinheiro necessário e adquiriu o material sem pestanejar, pois era o maior furo jornalístico do século.
A autópsia de Santilli
De posse do material, Santilli montou um plano para divulgá-lo em todo o mundo, vendendo os direitos de transmissão por valores muito significativos para emissoras de vários países. Ele teve o cuidado de escolher apenas uma emissora por país e de exigir, em contrato, que a exibição acontecesse de forma simultânea, de forma que todo o mundo visse a mesma coisa ao mesmo tempo. Por questões de fu
so horário, algumas adaptações foram necessárias, mas por fim Santilli conseguiu o que queria.
Assim que a notícia sobre o caso foi dada, alguns ufólogos que estavam presentes ao evento na Universidade Americana começaram a ficar reticentes quanto ao afirmado. Leslie Kean, consultora da Revista UFO e autora de sucesso, foi uma delas
O tal filme misterioso, uma sequência de poucos minutos que aqui no Brasil foi exibida no programa Fantástico, da Rede Globo, foi ao ar em 28 de agosto de 1995, mostrando ao mundo cenas de uma suposta autópsia que teria sido feita em Roswell, em 1947, no cadáver de um dos alienígenas capturados pelo Exército. Obviamente, era tudo uma farsa. Santilli teve que se haver com alguns donos de emissoras furiosos que tentaram processá-lo e, no final, acabou confessando que era tudo uma grande armação [Veja edição UFO 122, agora disponível na íntegra em ufo.com.br]. Não foi a primeira em relação ao caso, mas foi a maior até então conhecida. Infelizmente, muitas vieram depois dela.
Uma prova irrefutável?
Em novembro de 2014, durante um painel de discussão sobre a presença alienígena na Terra patrocinado pela Universidade Americana, nos Estados Unidos, o ufólogo Thomas Carey, que desde 1991 tem pesquisado o Caso Roswell, afirmou ter recebido alguns slides da marca Kodachrome que mostravam um ser alienígena deitado em um invólucro de vidro — Carey também disse que estava planejando publicar as imagens no início de 2015, mas a apresentação acabou ocorrendo apenas em 05 de maio passado, porém, com enorme estardalhaço.
Segundo Carey, tudo começara em 1998, quando a filha de um amigo de Adam Dew, cinegrafista e repórter esportivo, ao limpar uma casa na cidade de Sedona, no Arizona encontrou, entre várias coisas antigas guardadas no porão da residência, uma caixa com vários slides Kodachrome. Por ter achado interessante manter consigo o achado, guardou-o na garagem de sua própria casa e esqueceu-se dele. Em 2008, a mulher estava de mudanças e, ao limpar a garagem, encontrou a caixa, que, devido à umidade, estava desmontando — ela olhou as imagens e achou que seria interessante mantê-las, uma vez que havia fotos de artistas famosos, como Clark Gable e Bing Crosby, além de algumas fotos do então já falecido presidente Dwight Eisenhower, batidas bem de perto.
Sem saber o que fazer com os slides, ela falou com seu pai que, então, a colocou em contato com Dew, que adquiriu as imagens. O interessante para nós, entretanto, é que quando a tampa da caixa quebrou, mais alguns slides caíram dela — e diferentemente dos outros que mostravam cenas de viagens, paisagens e pessoas famosas, esses tinham imagens perturbadoras. “As imagens mostravam um extraterrestre, um ser com cabeça de inseto, medindo entre três e 4 m de altura. A cabeça estava cortada e parecia ter havido uma autópsia parcial. As vísceras foram retiradas e acredito que o cadáver foi embalsamado, pelo menos no momento em que esta foto foi tirada”, disse Carey, referindo-se às informações recebidas de Dew.
A pesquisa começa
Algum tempo após ter adquirido os slides, Adam Dew acabou procurando por Tom Carey e também o ufólogo Donald Schmitt, consultor da Revista UFO e especialista em Roswell, e mostrou-lhes as imagens. Os pesquisadores, então, quiseram saber mais sobre os donos originais da caixa, e descobriram que ela havia pertencido a um casal já falecido, Bernard Ray e Hilda Blair Ray, que nos idos dos anos 40 residiam na cidade de Midland, no Texas. Bernard Ray foi geólogo e trabalhou na exploração de petróleo nos campos do Novo México e da Bacia Permian, que inclui a região de Roswell, na década de 40, para uma companhia que mais tarde se tornaria parte da Texaco Oil. Em 1946, ele foi presidente da filial texana do Instituto Americano de Geólogos de Petróleo, que também naquela época estava localizado no Novo México. O casal se separou na década de 60, quando então Hilda mudou-se para Sedona.
Os pesquisadores Tom Carey e Don Schmitt descobriram que Hilda Ray foi uma advogada muito respeitada, com uma clientela elitizada e muito bem relacionada, tendo contatos com a Inteligência do governo dos Estados Unidos. Ela manteve relacionamentos com várias pessoas em setores chave das administrações federais da década de 40. Os outros slides no baú — eram mais de 400 — pareciam cobrir um período de tempo de 10 anos, quando o casal registrara muitas de suas viagens e fizera as fotos das personalidades citadas anteriormente. Eles eram pessoas com alta integridade.
O próximo passo foi analisar os slides. Um cientista fotográfico empregado da Kodak por décadas, que liderou grupos de engenharia e de gerenciamento de produção na sede da empresa em Rochester, no estado de Nova York, foi o escolhido. Agora consultor, ele também publicou um livro sobre processamentos de filme Kodak. Com alto conhecimento em seu campo, conduziu testes extensivos e autenticou conclusivamente os slides da suposta criatura como tendo sido produzidos no ano de 1947. Também foi concluído que os slides não tinham sido manipulados ou modificados — o que é mostrado neles estava realmente lá, precisamente refletido na emulsão, como um momento real no tempo. Os slides eram, portanto, de 1947.
Mas assim que a notícia sobre o caso foi dada, alguns ufólogos que estavam presentes ao evento na Universidade Americana começaram a ficar reticentes quanto ao afirmado. Leslie Kean, também consultora da UFO e autora do livro UFOs: Militares, Pilotos e o Governo Abrem o Jogo [Idea, 2011], foi rápida em distanciar-se das imagens dos alegados alienígenas. Em sua página no Facebook, ela escreveu: “Eu não tenho nada a ver com isso. Só quero deixar bem claro”. Ela não acreditou que o ser nas imagens
fosse um ET de Roswell.
Chega o dia da apresentação
Durante meses a notícia da descoberta das imagens foi anunciada em canais de TV, revistas, sites e blogs. Os pesquisadores jamais afirmaram, peremptoriamente, pelo menos até a apresentação cabal em 05 de maio, que as imagens nos slides eram de extraterrestres, mas sim que se pareciam muito com um e que era um caso que valeria a pena ser investigado. Nas entrelinhas de suas declarações, porém, percebia-se claramente que eles acreditavam estar de posse de imagens de um dos alienígenas que teriam morrido na queda do UFO em 1947. A onda de expectativa criada gerou várias matérias em sites ufológicos respeitados sobre o assunto. Adam Dew concedeu várias entrevistas e começou a fazer um programa sobre o assunto chamado Kodachrome: O Documentário. Durante os meses de preparaç&ati
lde;o da apresentação, as imagens não foram divulgadas em detalhes para não estragar a surpresa que seria mostrada em grande estilo mais tarde.
Em 05 de maio, data em que o México comemora a vitória na Batalha de Puebla, foi o escolhido para a divulgação das imagens. Mais de 6.000 pessoas pagaram US$ 20,00 cada para estarem presentes no auditório — outras que não podiam comparecer pagaram um valor semelhante para assistir a transmissão ao vivo, pela internet, mas reclamaram que o link não funcionou. A apresentação foi, sem dúvida, fantástica. Encabeçada pelos pesquisadores Donald Schmitt, Tom Carey, Richard Dolan e pelo apresentador Jaime Maussán, um telão mostrou a foto do suposto ser dentro de uma redoma de vidro, como se estivesse em algum tipo de expositor, como os que vemos em museus. Cheia de efeitos especiais e tecnologia de ponta, a apresentação fez a criatura ser dissecada e reconstituída, fazendo-a até andar no palco. Ela parecia ter mais de 6 m de altura.
No palco se revezaram todos os apresentadores para falar do assunto e era visível que Rich Dolan estava um tanto quanto desconfortável com aquela situação — não sabemos se estava decepcionado ao ver as imagens ou se sua reação se devia à emoção. Houve um breve relato sobre o Caso Roswell e três especialistas, Miguel Ángel Alvarez, Luiz Antonio de Alba e Richard Doble, falaram sobre as suas análises das imagens, mas sem divulgá-las ao público.
Temos dois grupos de ufólogos perdedores nesse episódio: um que estava engajado no sigilo e na limitação de informação e outro que era uma coalizão que dividia toda a informação e que baseava suas análises no conhecimento de seus membros
Apesar do grande show e de todos os efeitos especiais utilizados, a grande revelação não saiu como o esperado. Na verdade, a maioria das pessoas não acreditou que a criatura fosse um alienígena e muitos ufólogos externaram sua decepção — mesmo aqueles que são amigos dos pesquisadores presentes ao show mostraram-se desapontados com o resultado e até sugeriram que tudo foi arquitetado para promover o próximo livro de Don Schmitt e Tom Carey sobre Roswell [Prestes a ser lançado por meio da Biblioteca UFO].
Por outro lado, Tony Bragalia, que trabalhou com Schmitt e Carey por muito tempo no projeto, estava convencido de que a criatura não era humana. Segundo ele, dois cientistas que tiveram acesso às imagens antes de sua divulgação atestaram se tratar de algo não terrestre. De acordo com um artigo escrito por Bragalia em 06 de maio de 2015, “aquilo não se parece com um ser humano. Podemos ver que suas pernas e pés são parecidos com os de répteis, ou de um animal similar que cresceu e desenvolveu visão binocular e um cérebro grande. Seu nariz é pequeno, sua boca, diferente da nossa. Algumas partes parecem ter sido removidas para uma autópsia. Ele não possui dentes”.
Assinaram essa declaração Luis Antonio de Alba, fisiologista e anatomista da Universidade Autônoma Nacional do México, e Richard Doble, antropólogo canadense. Bragalia reforçou sua tese através das palavras do professor Rod Slemmons, ex-diretor do Museu de Fotografia Contemporânea de Chicago e executivo da Kodak nos anos 50: “Seria muito, mas muito difícil, falsificar esses slides ou duplicá-los”.
Decifrando o mistério
Embora essas declarações sejam muito interessantes, elas apenas expressam as opiniões sobre os slides, mas nada versam sobre o suposto alienígena. O nome do cientista em fotografia, de Rochester, Nova York, que teria afirmado que o ser era extraterrestre, nunca foi revelado. “Ele é conhecido de muitos ufólogos. A não divulgação de seu nome se deve ao simples fato de que ele é continuamente aborrecido por estranhos que telefonam para sua casa no meio da madrugada”, disse Bragalia.
As críticas começaram a vir de todas as direções. A primeira grande bomba foi a publicação de uma matéria no site The Black Vault [Endereço: www.theblackvault.com], que analisou as imagens e concluiu que tudo era uma farsa — a primeira imagem destacada pelo site mostra o suposto alienígena deitado dentro da redoma de vidro e, atrás dele, o que parece ser a cabeça de um macaco, o que indicaria que a imagem foi feita em um museu. Ainda segundo a análise do Black Vault, se a imagem divulgada tivesse uma resolução maior, poderíamos ver detalhes adicionais, como possivelmente o que estaria escrito no pedaço de papel que está perto das pernas do “alienígena”. Alguns críticos disseram que tal cartão seria apenas um reflexo da luz acima. De acordo com o site, na foto é possível ver a distinção entre o reflexo e o cartão, o que descartaria a resposta sugerida.
Para corroborar ainda mais essa afirmação, o site mostra a cabeça de macaco e, à sua frente, outro cartão de identificação, como ocorre em um museu. Abrangendo outros detalhes da foto, é possível, ainda segundo o Black Vault, ver outros objetos em exposição, que de forma alguma poderiam estar associados ao alienígena ou a um ambiente de laboratório, local onde algo de tal magnitude seria fotografado. A segunda bomba sobre a história foi novamente quanto ao cartão ao lado da criatura. No dia 11 de maio, um grupo informal chamado The Roswell Slides Researcher Group [Grupo de Pesquisa dos Slides de Roswell, RSRG], composto por 20 ufólogos e céticos, e formado para avaliar as imagens, divulgou sua conclusão após analisar digitalmente o cartão. Eles usaram um software chamado SmartDeblur, que limpa o texto borrado. Segundo eles, o texto original dizia, já traduzido:
“Corpo mumificado de um garoto de dois anos de idade”. Nas linhas abaixo estaria escrito: “Quando foi enterrado, o corpo estava vestido com uma camisa de algodão. As vestes funerárias eram compostas por esses pequenos cobertores. Emprestado pelo senhor L. S. Palmes, de São Francisco, Califórnia”.
Ao que parecia, o mistério estava desvendado e a imagem e tradução do cartão decifrado estavam sendo compartilhados aos milhares em mídias sociais. Foi então que entrou em cena o grupo do Kodachrome: O Documentário, afirmando que a farsa tinha sido feita pelo RSRG para denegrir os ufólogos à frente da apresentação. Segundo o site Slidebox Media [Endereço: www.slideboxmedia.com], responsável pelo documentário e pela afirmação, eles usaram o mesmo software do RSRG, mas não conseguiram o mesmo resultado. “Estamos em contato com a empresa dona do software, que está requisitando as análises do Grupo de Roswell para validá-las. Nós suspeitamos que eles tenham criado sua própria versão modificada. A acusação vem reforçada pelas imagens comparativas entre as fotos
do RSRG e da Slidebox Media”, declararam.
Mais críticas aparecem
A versão atual da imagem ainda não foi “desborrada”, mas segundo o Slidebox, o texto foi escrito de forma cursiva: “Nós antecipamos essa prova, mas ainda estamos tentando ler o que estaria escrito no cartão, e encorajamos as pessoas a tentarem decifrá-lo. Todos os resultados encontrados deverão ser repetidos e testados. Isso requer mais do que vídeos no Youtube. O autor da descoberta deve estar apto a dar todas as instruções específicas e claras de maneira pública”. Com críticas cada vez mais vorazes contra Jaime Maussán, alguns ufólogos vieram a público externar as suas opiniões, inclusive Rich Dolan, que fez parte do grupo que apresentou o programa em 05 de maio. “Muito tem se falado sobre os slides de Roswell, sendo muita especulação. Portanto, gostaria de ajudar a esclarecer algumas coisas. Para começar, digo que não tenho uma posição definida quanto aos slides Kodachrome. Eles são interessantes e merecem uma análise mais profunda por especialistas qualificados. Mas não acredito que sejam uma farsa”.
Entre os maiores críticos dos slides está o mais conhecido pesquisador do Caso Roswell, o físico canadense Stanton Friedman, correspondente internacional da Revista UFO no Canadá. “Não me forneceram cópias dos slides. Não consegui encontrar qualquer informação convincente de que exista qualquer conexão entre os slides e o Caso Roswell. E como uma pessoa estranha, como o referido geólogo, poderia ter acesso aos corpos dos alienígenas? Não encontrei dados que indicassem fraude — tampouco o contrário ocorreu. E não quero adicionar legitimidade ao evento com a minha presença nele, na falta de evidências sérias de que os slides sejam o que estão alegando”, disse Friedman, o “Mister Roswell”.
Passou-se então a se questionar a honestidade do jornalista Maussán. A maioria das pessoas queria saber se ele iria devolver o dinheiro arrecadado com o show de apresentação. “Eu não fiz isso por dinheiro. Eu já sabia antes mesmo de o evento acontecer que perderia dinheiro, mas não me importo. Os especialistas forenses me explicaram detalhadamente porque aquela criatura era um alienígena”, declarou o jornalista ao jornal inglês Express.
Maussán é formado pela Universidade Nacional Autônoma do México e dono do canal de TV pela internet Tercer Milénio. Um dos maiores divulgadores da Ufologia no mundo, ele já esteve envolvido na divulgação de outros casos de fraudes — entre elas estão a do esqueleto de um pequeno ser, supostamente alienígena, conhecido como “Criatura de Metepec”. Ele teria sido encontrado em 2007 em uma fazenda de uma cidade remota do México. Maussán teria pagado cerca de US$ 30.000 pela criatura, mas em 2010 o taxidermista Urso Ruiz, a pessoa que vendeu a ele o “alienígena”, disse que aquilo era o esqueleto de um macaco-esquilo.
Ingênuo ou charlatão?
Em outro episódio, Maussán foi um grande apoiador do norte-americano Jonathan Reed, cujo nome verdadeiro é John Bradley Rutter, que afirmou que em 1996 estava passeando com seu cachorro nas Montanhas Cascades, no estado de Washington, quando um alienígena pulverizou seu animal. Reed conta que teria, então, atirado no ser, carregado ele para sua casa e depois filmado o corpo. A história ficou mais impressionante quando Reed disse também que foi perseguido por homens de preto (MIBs), que teriam matado seu amigo. Depois disso, ele alegou que o alienígena teria ressuscitado. Incrível, não. Bem, posteriormente comprovou-se que o alienígena era um boneco de borracha, Reed um mentiroso e a história uma elucubração — mas Maussán até hoje acredita na versão de Jonathan Reed.
Maussán é ingênuo ou charlatão? Na opinião do editor da Revista UFO, A. J. Gevaerd, “Maussán está longe de ser um trambiqueiro. Muito longe. É pessoa honesta, embora, às vezes, ingênua. Se Maussán erra uma vez, ele acerta outras 10. Se tiver errado agora quanto aos slides de Roswell, não acredito que tenha sido de caso pensado, ou seja, creio firmemente que ele acredita que os tais slides sejam reais. Pode ser por ingenuidade ou falta de uma assessoria técnica e histórica para levantar os antecedentes das imagens, mas que ele crê neles de coração, disso não tenho dúvida”.
Mas a pá de cal em toda a história pode ter ocorrido em 10 de maio, quando o citado Anthony Bragalia, até então um dos principais defensores da veracidade do alienígena, veio a público pedir desculpas pelo ocorrido. “O ‘alienígena’ é, na verdade, uma criança nativa americana que viveu na antiga cidade de Mesa Verde. Eu devo minhas mais sinceras e profundas desculpas ao povo nativo americano do sudeste dos Estados Unidos”. Mesa Verde está localizada no estado do Colorado e é a maior reserva arqueológica preservada dos Estados Unidos.
O mea culpa dos pesquisadores
Bragalia, no entanto, insistiu que o caso está mais para uma grande confusão de identidade do que para uma farsa. “Foi tudo uma enorme e incrível coincidência”, afirmou. Quanto ao cartão, Bragalia não conseguiu explicar o fato de Adam Dew, o descobridor dos slides, não ter dado as imagens com maior resolução para a análise. “Me disseram que Dew iria entregar imagens melhores do cartão para especialistas em fotografia, como Ray Downing, que conduziu análises do Santo Sudário. Ele tem em mãos os melhores softwares para esse estudo. Mas o que sei é que Dew não entregou as imagens em alta resolução até hoje”. É interessante ressaltar que Adam Dew é o dono da empresa Slidebox Media, a mesma que, como mencionado neste artigo, afirmou que o RSRG havia manipulado a imagem original do cartão — desde então, Dew desapareceu da mídia.
“Aprendi muito sobre mim e as coisas que eu tenho que mudar para ser um pesquisador melhor — tenho que ser menos crente em tudo, mais discernente e menos acusador contra aqueles com os quais discordo. Em momento algum quis lucrar com tudo isso, e para mostrar que meus esforços foram honestos, farei uma doação substancial às organizações de caridade que cuidam das crianças indígenas norte-americanas”, declarou Bragalia em seu site.
Após a grande repercussão negativa, os outros dois pesquisadores que estiveram
no dia da apresentação mudaram de opinião. Don Schmitt, em uma mensagem postada nas redes sociais, pediu desculpas aos amigos e colegas por sua participação no evento na Cidade do México. “Eu assumo a responsabilidade de ter me colocado nesta situação, mesmo que tenha sido com a melhor das intenções. Sacrifiquei meu melhor julgamento acreditando em algo sobre o que eu deveria ter mais conhecimento. Construí a minha reputação ao longo de muitos anos de trabalho e temo que isso seja arruinado de forma tão rápida. Percebi que os slides mostram uma múmia, como está exposto no cartão. O que me resta agora é continuar em frente”, escreveu.
Rich Dolan, por sua vez, conversou com este autor pelo Facebook a mostrou sua decepção. Segundo o escritor e editor norte-americano, ele teve acesso aos slides pouco antes da apresentação: “Vi as imagens quando estava na Cidade do México e fiquei, sim, impressionado com os detalhes das análises. Disse que dificilmente eles seriam falsificados — no mínimo, são muito interessantes. Fui o primeiro a dizer o que pensava depois de toda a repercussão. Nunca afirmei que aquela criatura era um extraterrestre e creio que seja a imagem de uma criança mumificada”.
As declarações de Maussán
O outro investigador, Tom Carey, por sua vez, ainda não se manifestou oficialmente sobre as afirmações de fraude. Ele soltou uma nota, juntamente com Schmitt, na qual afirmava que estavam investigando as imagens há mais de três anos e que não acreditava que a leitura do cartão fosse verdadeira. “Nós pensamos que a leitura do cartão pelo RSRG ainda está aberta ao debate. Desde o dia em que eu e Schmitt tivemos contato com os slides, há três anos, nosso modus operandi foi delineado em quatro frentes: (1) autenticar a idade e integridade dos slides; (2) obter opinião antropológica e forense profissional sobre o corpo mostrado nos slides; (3) descobrir o máximo de informações possíveis sobre Bernard e Hilda Ray; e (4) ler o cartão localizado no pé do corpo. Conseguimos todas as informações e o cartão nós levamos para os doutores David Rudiak e Donald Burleson, que decifraram o Memorando Ramey. Ambos, além de outras fontes, incluindo a empresa Adobe, criadora do software SmartDeblur, disseram ser possível decifrar o que estava escrito no cartão”.
Mas o que tem a dizer o grande responsável por tudo isso? Em 14 de maio, entrevistei, por Skype, o jornalista Jaime Maussán. Suas declarações foram bem conscientes e ele levantou muitos questionamentos em relação às críticas que vinha sofrendo. “Isso tudo está longe de terminar. Pode ser, sim, que aquele seja o corpo de uma criança, mas existem também muitas anomalias impossíveis de se encontrar em um ser humano. Disseram que o menino tinha dois anos e estava mumificado. Eu não consigo ver uma mumificação ali, o que se vê é a dissecação de um corpo”.
Quando perguntei sobre Anthony Bragalia, ele foi enfático: “Quem é Anthony Bragalia? Quem o conhece? Ninguém jamais viu sua cara. Como acreditar em uma pessoa que não existe?” Entretanto, essa afirmação foi contestada por Kevin Randle, outro grande especialista sobre o Caso Roswell. Segundo Randle, “Bragalia trabalhou em conjunto com Tom Carey e Donald Schmitt por anos no Caso Roswell”.
Sobre o cartão que provaria que aquela criatura seria uma criança de dois anos mumificada, Maussán respondeu: “Nós apresentamos os resultados das análises de três especialistas, reconstituímos o corpo detalhe por detalhe e chegamos à imagem de um ser idêntico ao relatado no Caso Roswell. Em quem vamos acreditar? Na palavra de especialistas ou em uma placa de anotação? Quanto ao cartão, o software só conseguiu ler ‘corpo de menino de dois anos’, nada mais. Não dá para ler a palavra ‘mumificada’. De onde tiraram isso?”
Maussán se baseia nas informações das análises para sustentar as suas afirmações: “Um ser com todas aquelas 15 anomalias não chegaria aos dois anos de vida. Sua cabeça é maior do que o tórax, não tem glândulas mamárias, não tem pulsos, tem somente seis costelas, é distinto dos seres humanos — ele não tem nem osso pélvico. E o detalhe mais importante é que essa suposta ‘múmia’ está muito bem conservada e, portanto, deveria ter cabelo, mas onde está ele?” Para Maussán, o máximo que o cartão poderia indicar é que o tal ser não está relacionado ao episódio de Roswell. Ele continua acreditando que as imagens são verdadeiras e que aquele ser não é humano. “Veja bem, estamos falando de algo da década de 30 ou 40. Imagine se encontramos um ser diferente de tudo o que existia na época, quando não tínhamos o conhecimento que temos hoje? O que mais se aproximaria de um ser estranho daquele? Ora, uma múmia”.
Sabotagem dos Estados Unidos?
Mas a mais forte e polêmica afirmação ele guardou para o final da conversa. Maussán acredita que o Governo dos Estados Unidos tentou sabotá-lo. “Há muitos interesses do país para que não se descubra a verdade. Há muitos investigadores que não são quem realmente dizem ser, que podem ser agentes do governo. Quem sabe? O que está ocorrendo é uma campanha de desinformação”. Antes do fim da entrevista, o jornalista revelou, em primeira mão, que está organizando, juntamente com o Instituto Nacional de Ciências Forenses, um debate internacional aberto a todos os cientistas que quiserem vir para analisar cientificamente o corpo da criatura. “Creio que assim poderemos ter uma resposta. Mas quero colocar uma coisa em cima da mesa — até agora não apareceu nenhuma evidência irrefutável de que as testemunhas não eram verdadeiras, que as análises não eram verdadeiras”.
Todo o debate ía bem até aparecer em cena a análise dos espanhóis. Em 17 de maio, o programa da TV espanhola Cuarto Milénio [Apresentado por Iker Jiménez e cujo produtor é Pablo Villarrubia Mauso, entrevistado desta edição], levou ao ar o assunto em rede nacional. Foram ouvidos especialistas que analisaram as imagens e também apresentado o relatório do Instituto Nacional de Ciências Forenses do México. O próprio Instituto afirmou que “as características do corpo são compatíveis com as de um ser humano”, o que comprovaria o que dizia o car
tão de identificação no slide Kodachrome. “Tudo indica que seja realmente um garoto mumificado. A coloração da pele, o tórax aberto — na verdade ele não está aberto, está murcho porque retiraram os órgãos lá de dentro para a mumificação —, os olhos em formato diferente, ou seja, tudo é normal no processo de mumificação”, disse o convidado do programa, Miguel Botella, doutor em antropologia na Universidade de Granada.
O programa também mostrou que há evidências de que o ser que aparece nos slides esteve exposto no Parque Nacional de Mesa Verde, no Colorado, entre 1937 e 1978. Isso foi conseguido baseando-se nas análises de fotos de maneira comparativa com outros elementos — por exemplo, de um banco de madeira que aparece no slide e em outra foto mais recente. Outra evidência mostrada pelo apresentador Jiménez, que também contou com a participação do pesquisador espanhol Javier Sierra, exibiu imagens do chão da foto Kodachrome e outra atual — eles seriam os mesmos.
Por fim, onde estariam as múmias? Segundo a própria administração do parque informou, nos anos 2000 uma lei federal dos Estados Unidos obrigava que todas as múmias indígenas expostas fossem enterradas de acordo com os rituais de seus povos. Para finalizar, Jiménez deu inclusive o nome dessa múmia: Tony. “Ele era chamado de Tony, mas não se sabe seu sexo. Ele era muito popular entre os visitantes. Faltava-lhe uma parte da perna direita, exatamente como mostra os slides”.
Segue a polêmica
Em seu programa Tercer Milénio, que foi ao ar em 18 de maio, foi a vez de Jaime Maussán confrontar o que havia sido exposto contra as suas afirmações. Em seu depoimento, a professora de microbiologia Alejandra Ruiz, membro da Sociedade Mexicana de Egiptologia e convidada do programa, disse que o cadáver não era de uma múmia. “As múmias que já vi estão desidratadas e aquele corpo parece ter sido apenas dissecado. Já vi as múmias no Cairo, no Egito, e posso afirmar que sua pele é fina e sensível como papel — elas precisam ficar em um local com temperatura controlada. A imagem da criatura não está seca. Já vi a múmia de Tutancâmon e seus bebês. Para mim aquela criatura dos slides não é uma múmia, é outra coisa”, declarou Alejandra.
Maussán então levou ao palco de seu programa o doutor José Zalce, mestre em medicina forense, um dos especialistas que apresentaram seus pareceres no evento do dia 05. O jornalista lhe perguntou se, após toda a controvérsia sobre suas afirmações, ele havia mudado de opinião. “De forma alguma. Mantenho firmemente tudo o que disse. Para mim aquela criatura definitivamente não é humana”, respondeu Zalce.
Foi também apresentado o testemunho de Eleazar Benavides, que foi piloto do Exército dos Estados Unidos por 20 anos e serviu em Roswell. Segundo Maussán, Benavides é a única testemunha ainda viva que viu os cadáveres dos seres alienígenas resgatados em 1947: “Vi os corpos quando colocaram um deles sobre uma maca no hospital. O ser era exatamente igual ao que vi nesses slides apresentados recentemente”, afirmou Benavides.
União de esforços e mentes
Jaime Maussán disse, ao final do programa, que a evidência recai sobre o corpo, que a placa é apenas um indício e não pode ser considerada como a prova irrefutável. “Está claro que manteremos as nossas afirmações até que se saiba a verdade”. Em contato com vários colegas que este autor tem em comum com Jaime Maussán, é consenso geral que a criatura é mesmo a múmia de uma criança. Não há aqui a intenção de desmerecer o jornalista, muito menos de tornar estas palavras definitivas. A conclusão ficará para os leitores, mas temos lições a aprender para que a pesquisa ufológica seja cada vez mais eficaz.
Temos dois grupos de ufólogos perdedores nesse episódio: um que estava engajado no sigilo e na limitação de informação e outro que era uma coalizão internacional que dividia toda a informação e que baseava suas análises no conhecimento de seus membros. A história foi rodeada de mistérios até seu clímax. Se a informação tivesse sido compartilhada entre os dois grupos, o fiasco no México teria sido evitado, pois já se saberia que a imagem era, para falar o mínimo, inconclusiva.
O que aprendemos com isso? Temos a oportunidade de nos unirmos e mudarmos a maneira de se fazer pesquisa ufológica. Por que não criar uma coalizão composta pelos que acreditam e os que não acreditam — sendo ufólogos ou não — em determinado fato? Poderíamos trocar informações sobre casos e buscar chegar a um consenso antes de apresentarmos fatos ao público. Nos anos recentes, temos tido mais conhecimento, educação e acesso à internet, o que nos possibilitaria resolver casos que até hoje estão sem explicação. Quem dará o primeiro passo?