A primeira câmara de simulação de ambientes espaciais do Hemisfério Sul será construída em Valinhos, na Região Metropolitana de Campinas. Ela faz parte do projeto do primeiro laboratório de astrobiologia do Brasil, que será inaugurado ano que vem no Observatório Abrahão de Moraes, da USP. O equipamento irá impulsionar as pesquisas que buscam responder algumas das mais antigas e angustiantes perguntas que a humanidade se faz: como se originou a vida? Existe vida fora da Terra? O pesquisador do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo (USP) Douglas Galante, responsável pelo laboratório, explica que a câmara simula as condições de ambientes fora da Terra e irá embasar as pesquisas da astrobiologia, um ramo recente da ciência que busca compreender a vida em seu contexto cósmico, desvendando como ela pode surgir e evoluir no universo.
Ele acrescenta que as simulações são essenciais para se compreender como sistemas químicos e biológicos se comportam em condições extraterrestres. “Será que microorganismos poderiam sobreviver nas condições dos oceanos de Europa, satélite de Júpiter? Ou no gelo marciano? Será que no gelo de cometas seriam formadas as primeiras moléculas necessárias à origem da vida na Terra? Como podemos procurar vida na superfície de Marte? Para o último caso, por exemplo, as simulações em laboratório são essenciais para direcionar as buscas feitas pelas sondas em Marte”, diz o estudioso.
A câmara é um cilindro de metal, com aparelhagem de controle sofisticada para regular com grande precisão temperatura, pressão e composição atmosférica e radiação (luz ou partículas). “Variando esses parâmetros podemos simular as condições do vácuo espacial, como se estivéssemos em um cometa viajando entre os planetas, por exemplo, ou na superfície de um planeta como Marte ou de um satélite natural de Júpiter, como Europa”, diz o pesquisador. A câmara terá outras aplicações tecnológicas. “Ela pode ser usada para testar materiais e componentes em condições extremas, como variação brusca de temperatura, pressão e radiação, servindo, por exemplo, para avaliar e desenvolver materiais para uso aeronáutico e espacial. Em nosso grupo, já temos um pesquisador que irá trabalhar no desenvolvimento de material protetor de radiação para ser usado em satélites”, conta. E como ela será desenvolvida no Brasil, irá gerar tecnologia, conhecimento e capacitação de alunos, técnicos e pesquisadores para trabalhar na área de estudos espaciais e de vácuo, ainda bastante incipiente no Brasil.
O pesquisador conta que, num primeiro momento, a câmara, que deverá entrar em funcionamento no segundo semestre de 2010, será usada em estudos em biologia de extremófilos, com reconhecimento de novas espécies e caracterização de sua capacidade de resistência à condições extremas. Extremófilos são seres vivos extremamente resistentes a diversas condições ambientais, como temperatura, pressão, radiação, salinidade e pH. “Serão feitas simulações de ambientes espaciais e planetários para testes com microorganismos e biomoléculas, desenvolvimento de metodologia para detecção de vida em outros planetas e desenvolvimento e teste de materiais de aplicação espacial”, comenta.
Vida nos extremos – Os extremófilos são encontrados dentro de vulcões, no fundo dos mares e dentro de poços de petróleo, em lagos salgados e em fontes geotermais, por exemplo. “Nosso grupo vem estudando uma bactéria em especial que é um poli-extremófilo, ou seja, um organismo capaz de resistir a diversas condições extremas. É o organismo mais resistente à radiação conhecido na Terra e pudemos testá-lo e confirmar sua sobrevivência mesmo em ambiente espacial”, conta. O cientista comenta que esses organismos são interessantes para a astrobiologia porque não conhecemos como é a vida fora da Terra, se ela existir. “Eles servem como modelos biológicos do que podemos encontrar lá fora algum dia. Se existir vida em outro planeta, em especial do Sistema Solar, será provavelmente de micro-organismos parecidos com nossos extremófilos”, acredita.
Galante sustenta que esses organismos representam um paradigma para a vida na Terra, pois sobrevivem onde nenhum outro poderia. “E eles podem apresentar aplicações biotecnológicas importantes. Por exemplo, uma enzima isolada de um organismo termofílico, que gosta de ambientes muito quentes, é usada hoje rotineiramente em testes clínicos que usam a técnica de PCR [técnica usada para amplificar uma molécula de DNA a partir de uma pequena amostra inicial], como o [teste que detecta o] HIV”, pontua.