Depois de mais de 55 anos do clássico Caso da Barra da Tijuca – onde foram registradas cinco fotografias de um suposto disco voador – os debates ainda prosseguem e ninguém conseguiu reverter o atestado de fraude que as fotos obtiveram desde muito cedo. Depois da publicação na Revista UFO 82 (clique aqui), pesquisados pelos ufólogos Claudeir Covo e Paola Lucherini, sobre este polêmico caso, é curioso como a comprovação de fraude para o episódio ainda não é aceita por todos da Comunidade Ufológica Brasileira. Apesar da evidente fraude, poucas pessoas desta comunidade ainda considera o caso autêntico. É fácil constatar que boa parte dos argumentos a favor da autenticidade do caso está pautada ainda na base do velho envolvimento emocional e apaixonado com o caso, deixando as armas da racionalidade de lado. Apesar das reclamações dos críticos, a fraude para este caso está evidente em duas das suas cinco fotos.Divergências entre as sombras e o ambienteO Relatório Condon, criado para analisar relatos de UFOs e encabeçado pelo físico da Universidade do Colorado, Edward Condo, investigou o Caso da Barra da Tijuca. O relatório, que foi solicitado pela Força Aérea Norte-Americana (USAF) e foi publicado em 1968, só atentou para a fraude em uma foto. Nesta foto (a quarta) aparece além do UFO no céu, uma palmeira na paisagem que serviu como referencial para se estudar a fotografia. Nela, a iluminação do UFO está para o lado direito e a palmeira abaixo e sua vegetação circundante estão com a iluminação para o lado esquerdo. A posição da sombra no UFO nesta foto só seria possível se o Sol estivesse dentro do mar.
Ou seja, para que isto acontecesse era necessário que houvesse dois Sóis em pontos diferentes. Segundo estudos do pesquisador William Spaulding da extinta organização ufológica Ground Saucer Watch (GSW), a fotografia também apresenta distorção atmosférica em seu ambiente. A vegetação está ao longe e o UFO está próximo da câmera, acusando que na verdade o propalado disco voador não era nada mais do que um modelo de pequenas dimensões. Na época da publicação do Relatório Condon, o falecido ufólogo Olavo Fontes tentou explicar a incongruência da iluminação dessa quarta fotografia ao afirmar que umas galhas da palmeira estavam quebradas e, dessa forma, faziam uma sombra em seu tronco do outro lado. Segundo ele, a sombra da palmeira era divergente da do UFO porque na verdade essa galha estava criando uma sombra particular. O jornalista João Martins, protagonista do caso junto com o fotógrafo Ed Keffel, tentou explicar que os ventos vindos do mar tinham clareado um lado do tronco da palmeira – devido ao salitre – e dessa forma a sombra do lado oposto em verdade não era sombra, mas uma área mais escura. Desconheço informações se algum pesquisador conseguiu chegar próximo da palmeira e verificar esses dados. Estas afirmações de certa forma seriam até aceitáveis para investigações preliminares, mas está no próprio Relatório Condon, como se explica todo o resto da vegetação que tem iluminação divergente da do UFO?
Apesar dos integrantes da comissão Condon sequer tenham pisado no Rio de Janeiro para realizar as investigações no local do suposto avistamento, a realidade estava clara que se tratava de uma fraude. A iluminação está divergente entre os elementos que compõem a fotografia. Na quinta foto a fraude estaria mais evidente. O UFO apresenta uma sombra que só poderia ter sido gerada se o Sol estivesse no mar. Há uma discrepância das sombras do UFO com a fonte de iluminação, que no caso é o Sol. Essa é umas das principais alegações para declarar todo o conjunto de fotografias como uma grande armação fraudulenta de João Martins e Ed Keffel. O estudo do ufólogo Claudeir Covo, que se utilizou de uma maquete e simulou a posição do UFO no próprio local de seu avistamento, comprovou a discrepância das sombras e como elas não poderiam estar naquela posição nas fotografias de Keffel.
Depois que as pesquisas de Covo foram publicadas declarando fraude para o caso, alguns defensores afirmaram que iram rebater a conclusão com novos dados que demonstravam a autenticidade do caso, mas até hoje nada apareceu publicado como prova que atestasse sua veracidade. Mesmo duvidando que alguém consiga derrubar a conclusão de fraude para o caso, acredito que seria salutar ouvir a contra-argumentação. Reflexos “parasitas”. Não há um argumento contundente que qualifique as fotos do Caso Barra da Tijuca como autênticas. O estudo dos militares da Força Áerea Brasileira (FAB) sobre o ocorrido contém erros e eles não solucionaram o problema. Até hoje não houve quem derrubasse a comprovação de fraude na divergência da iluminação do UFO e do ambiente. Os defensores tentam contornar os problemas técnicos da fotografia usando argumentos a favor da credibilidade das testemunhas. Afirmam que Ed Keffel era um respeitado fotógrafo na época e de muito caráter. Foi um pioneiro da fotografia em cores no Brasil, tendo sido um dos mais condecorados e homenageados profissionais da imprensa brasileira da época. Os dois protagonistas do caso também nunca receberam nenhum dinheiro pelas fotografias, apesar do livro do ufólogo americano J. Allen Hynek ter erroneamente publicado que eles teriam recebido 25.000 dólares por elas. Para alguns defensores, a explicação para a divergência das sombras no UFO e a iluminação no ambiente nas fotos quatro e cinco, seria oriunda de reflexos “parasitas” causados pelo mar, pela areia e até pelo albedo atmosférico. Esses elementos em conjunto teriam modificando as sombras do disco voador.
O que se constata, segundo o ufólogo Claudeir Covo, é que a reflexão da luz solar pela areia da praia e pela água do mar seria desprezível para causar interferências nas sombras do UFO naquele ambiente. Como essas superfícies são de natureza irregular, suas reflexões pela luz do Sol seriam difusas e não especulares. Ou seja, os raios solares iriam se espalhar em várias direções. Segundo o especialistas, para que houvesse uma reflexão dos raios solares de forma especular neste ambiente, o mar deveria ser uma superfície plana e polida. Para que hipotéticos “reflexos parasitas” pudessem alterar as sombras do UFO, deveria também haver nuvens que estivessem bloqueando a luz solar sobre o ele. Na hipótese dos reflexos “parasitas“, o mar deveria ser uma superfície plana para gerar um reflexo especular dos raios solares. Nuvens deveriam estar impedindo a iluminação direta do UFO pelo Sol. Além disso, o reflexo deveria ser tão potente a ponto de modificar ou alterar as sombras reais. Hipótese descartada! Além disso, se o reflexo fosse especular, deveríamos considerar a “potência” que seria o raio refletido para atingir o UFO em altas altitudes e modificar suas sombras. Como se sabe, não havia nuvens
no momento da fotografia. Dessa forma, não sobrando mais nenhuma defesa para a autenticidade das fraudulentas fotografias, defensores lançaram uma explicação mais esdrúxula ainda e afirmaram que as sombras são divergentes nas duas fotografias porque os discos voadores as colocam onde querem! Este seria o último recurso para tentar driblar o óbvio, uma fraude evidente.
As testemunhas que nunca apareceram. Em referência a questão das possíveis outras testemunhas para o caso, além de Martins e Keffel, Claudeir Covo afirma em seu artigo “Casos Barra da Tijuca e Ilha da Trindade: dois clássicos nacionais em situações opostas” que Martins e Keffel ainda procuraram por testemunhas na área, mas não encontraram nenhuma. O pescador Claudionor – o Nonô – nada vira, assim como o dono do bar, Antônio Teixeira. Dois casais que ali estavam comendo camarões também disseram nada terem visto. Este é outro grande problema deste caso, a falta de testemunhas. Se elas existem, como afirmam os defensores, nenhuma delas apareceu em público para relatar seu avistamento. Na literatura dos defensores da autenticidade do caso é dito que houve muitas testemunhas. Isso é contestado até hoje, já que nenhuma delas apareceu em público. Quem são elas e quais seus nomes? A ufóloga Irene Granchi afirma que recebeu uma carta de um médico que declarou ter sido testemunha do UFO da Barra da Tijuca. Ele descreve na carta que se encontrava próximo ao local do avistamento, junto com sua noiva, e no mesmo dia e hora. Eles teriam visto o UFO, mas nunca deram nenhum depoimento em público. O médico mencionou na carta que não queria se envolver com o assunto para não comprometer sua carreira e nem lhe causar qualquer outro incômodo. Essa justificativa é aceitável. Infelizmente, Irene Granchi e nem nenhum outro pesquisador encontraram este casal e nem foram colhidos seus depoimentos pessoalmente. A pergunta que fica é se realmente esse casal existiu ou esta foi apenas uma carta fabricada e recebida via correios. Suspeita-se que a carta tenha sido fabricada por Martins e Keffel para tentar tornar o caso verdadeiro. Mas, não se há provas para esta acusação. Mesmo que o médico tenha existido, esta carta realmente teria partido dele?
Hoje vemos, por exemplo, nomes de profissionais médicos sendo assinados por terceiros em correntes de e-mails com informações falsas. O intuito nestes casos é divulgar uma informação falsa usando o nome de um profissional destacado como assinante para dar credibilidade a missiva. Para o Caso da Barra da Tijuca, essa dúvida só poderia ter sido tirada se houvesse um encontro pessoalmente com o médico, mas não houve.Outro fato agravante é que esta carta deste suposto médico do Rio de Janeiro foi enviada em 1973, ou seja, 21 anos depois do caso ocorrer. O questionamento que fica é se realmente o casal, se é que ele existe, observou o mesmo UFO que Keffel fotografou ou se eles estariam confundindo com algum outro episódio de algum outro avistamento pela região nesses 21 anos de espaço de tempo. Ainda há outras possíveis inconsistências nesta carta do médico. Ele narra que por volta das 15h00 dirigiu-se de carro para o Recreio dos Bandeirantes pela Avenida Beira-Mar, quando no km seis viu um objeto metálico. O problema é que as fotografias de Keffel foram tiradas por volta das 16h30. O UFO teria ficado pela região por mais de uma hora? Se for este o caso, porque nenhuma outra testemunha presenciou a cena? Por outro lado, a questão não fica clara. Pode-se interpretar pela carta que seu avistamento não foi exatamente às 15h00 e sim o horário de sua saída de carro em direção ao Recreio dos Bandeirantes. Ele teria levado mais de 01h30 para percorrer o trajeto de onde estava para até próximo do local onde Keffel e Martins estavam?
Essas informações não ficaram para a posteridade. Como já foi afirmado, não foi tomado um depoimento em pessoa do médico em busca de maiores esclarecimentos. A carta segue com o médico carioca narrando que na observação o UFO estava imóvel. “Ficamos dois ou três minutos olhando para o objeto, mas de repente ele se moveu a grande velocidade e depois desapareceu por trás das colinas da Barra”, conclui sua observação. Sabe-se que na observação de Martins e Keffel, o UFO não ficou imóvel e segundo seus relatos a observação foi rápida, de cerca de um minuto. A única frase dita na carta que parece apontar que o casal, caso exista, não esteja se confundindo com outra ocorrência de UFO, é quando afirma que teria lido na revista O Cruzeiro uma semana depois sobre o objeto que tinham avistado. Teria o casal visto o UFO antes de Keffel e Martins? Esse casal realmente existe? O que podemos concluir certamente é que o casal não observou o UFO ao mesmo tempo em que Keffel e Martins o observaram, já que existe possibilidade de incompatibilidade de horários, duração da observação e de comportamento do UFO.Outra referência a testemunhas do UFO vem da citação do ufólogo Fernando Cleto Nunes em seu artigo “A verdade sobre a Barra da Tijuca”, publicada na revista OVNI Documento de 1978. Cleto re-afirma que existiam muitas testemunhas do avistamento, mas também não declina nenhum nome e quem são elas. Acrescenta que existiam também dois depoimentos confidenciais que nunca haviam chegado ao conhecimento público. Um era de um piloto que sobrevoava a área e estava retornando para a Base Aérea dos Afonsos (BAAF) – uma base da Força Aérea Brasileira – e a outra de um general que passava de carro pela região.
Essas testemunhas foram mencionadas para Cleto pelo coroneu João Adil de Oliveira, o militar que investigou o caso na época e era chefe do Serviço de Informações da Aeronáutica. Divergências entre a iluminação do UFO e a da paisagem denunciaram a fraude. Essas Testemunhas, se é que existiram, nunca apareceram em público para relatar seus avistamentos ou mesmo deram seus depoimentos em particular para os ufólogos. Como eram militares em exercício, alega-se que deveriam manter-se em sigilo seus nomes e depoimentos. Não existe nenhum relato dessas supostas testemunhas que tenha sido publicado ou mesmo seus nomes sejam conhecidos. Essas testemunhas existiram mesmo? Elas foram testemunhas do mesmo episódio ou estariam se enganando em datas e horários, como provavelmente ocorreu com a suposta testemunha do médico? Fica o questionamento.As sondas inexistentesEm tempos mais recentes, o ufólogo Fernando Cleto Nunes Pereira defendeu que nas fotos do Caso Barra da Tijuca aparecem também sondas ao redor do suposto UFO. Aparentemente ele é o único pesquisador que menciona a existência de sondas nas fotografias. Em seu site pessoal, ele afirma que “em todas as cinco fotos de Ed Keffel (Caso da Barra da Tijuca) estas misteriosas sondas estão sempre protegendo a nave principal”, e acrescenta uma argumentação bem questionável que “é possível que existam fotos verdadeiras de ‘discos voadores\’ sem as sondas, mas quando estas estão presentes, as fotos ou filmes são s
empre verdadeiros”. Esse seria um dos argumentos para defender a autenticidade das fotos da Barra da Tijuca. Mas onde estão essas sondas na fotografia?
Segundo Cleto, existem tanto brancas quanto negras nas fotografias. Mas, com uma observação atenta pode-se notar que não existem tais sondas em nenhuma das fotografias. Elas surgiram pela qualidade inferior nos negativos daquela época, em 1952. Os pontos clareados ou negros são produtos do negativo. Por outro lado, se tais sondas existissem mesmo, isso não afiançaria em hipótese alguma que as fotos sejam autênticas. Se fosse o caso da presença delas, isto não invalidaria os outros problemas inerentes que a fotografia possui como a divergência de iluminação. Arquitetura de uma fraudeNo livro Cobras Criadas de Luiz Maklouf Carvalho [editora SENAC] há um trecho que fala sobre o caso das fotografias da Barra da Tijuca. Este livro foi entregue para a Comunidade Ufológica pelos pesquisadores Covo e Lucherini. Nele, é colhida a opinião sobre a autenticidade das fotos de algumas pessoas que eram próximas da revista O Cruzeiro ou conheciam o Keffel e o Martins. Em um desses depoimentos, Luiz Carlos Barreto afirma o seguinte: “Foi um truque planejado. O assunto estava na moda, e O Cruzeiro resolveu ter o seu disco voador. Na época, interessava, tinha charme, apelo. Fizeram várias reuniões para discutir isso. O Keffel fez desenhos, maquetes, testes fotográficos para checar a luz e a sombra. Ele trabalhava com o pessoal do laboratório, e isso era sabido dentro da redação. A idéia partiu do João Martins, que era um repórter da escola David, da ficção. Tinha mais alma de romancista do que de repórter, e foi ele que bolou a coisa. Eu sei disso porque era amigo do pessoal do laboratório. O Irineu me contava que estavam fazendo os testes, com pleno conhecimento da direção da revista, incluindo o Zé Amádio. Os dois saíram juntos, com o motorista Bolinha, durante um mês. Iam para a Barra, deserta, jogavam o objeto e faziam as fotografias”. O fotógrafo Jorge Audi, que trabalhou na revista O Cruzeiro, também comenta neste livro uma confissão pessoal de Martins para ele: “Uma vez, João Martins me contou que o negócio tinha sido uma brincadeira e que depois eles não conseguiram segurar.”
Passados mais de 55 anos do episódio, ele ainda gera comentários e polêmicas. Alguns acham que não deveríamos concordar que o caso seja uma fraude porque devemos reverenciar os pioneiros e aceitá-los. Outros acham que deveríamos aceitar o relatório dos militares da FAB que autenticaram o caso, somente porque eles eram militares e, portanto, tinham a razão. Certamente devemos analisar a pesquisa dos outros e observar se elas têm uma base no mínimo embasada. Não foi o caso do estudo da FAB. Fica difícil evitar uma crítica aos casos ufológicos frágeis e inconsistentes. Isso é normal na Ufologia. Essas ocorrências é um fato e este fato deve falar por si. As fotos mostram uma incoerência elementar em iluminação do ambiente e do UFO que não foi derrubada por ninguém. Ignorá-la é jogar o problema para debaixo do tapete e perpetuar a fragilidade da Ufologia. Como conclusão, a explicação para a fraude foi de que Keffel usou um modelo de disco voador em laboratório e fez dupla exposição nas fotografias. Ou seja, ele tirou foto do modelo em laboratório e posteriormente tirou foto da paisagem com o mesmo frame para sobrepor o UFO com a paisagem. Como afirmou Luiz Carlos Barreto no depoimento acima, Martins foi o mentor e idealizador da fraude, com total apoio da revista O Cruzeiro. O que é curioso notar é que sendo Keffel um experiente fotógrafo, tenha feito um truque fotográfico com erros elementares no jogo de iluminação e sombra entre o ambiente e o objeto. Os dois morreram e nunca confessaram o truque, bem como a revista O Cruzeiro nunca se retratou publicamente como arquiteta da fraude.