Aladino Félix é um dos nomes mais polêmicos da Ufologia Brasileira. Personalidade de muitas faces, durante anos, valeu-se de múltiplos heterônimos para levar adiante seu projeto de dominação mundial, que acreditava realizar em cumprimento às profecias bíblicas e de Nostradamus, que ele mesmo traduziu. Ocultando-se sob os pseudônimos de Dino Kraspedon, Sábado Dinotos e Dunatos Menorá, Félix escreveu livros como Contato com os Discos Voadores, um clássico da literatura ufológica mundial, traduzido até para a língua inglesa, Mensagens aos Judeus, O Hebreu e A Antiguidade dos Discos Voadores, que se antecipava a Erich von Däniken. Suas obras, lançadas com estardalhaço nos anos 60, reforçavam o papel de “salvador” que pretendia para si. Félix chefiou ainda, no final daquela década, um grupo terrorista de extrema direita – o primeiro naquele conturbado período da história no Brasil, mergulhado na ditadura. Isso o levou a sérios desentendimentos com o regime. E para completar, o autor, líder messiânico e terrorista se auto-intitulava o Messias do povo judaico e alegava manter contatos com extraterrestres de Júpiter. Preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e demais órgãos da repressão política do Regime Militar (1964-1985) – sempre por engano, segundo ele –, Aladino Félix foi torturado, conseguiu escapar e acabou recapturado. Depois de cumprir pena, desapareceu no ostracismo, sem que suas megalomaníacas pretensões se tornassem realidade.
Essa inacreditável história, porém, não termina aí. Em 1994, nove anos depois de sua morte, um octogenário bancário aposentado de Minas Gerais assumiu a identidade de Dino Kraspedon. Oswaldo Pedro, embora negando veementemente ter qualquer ligação com Dinotos, passou a apresentar-se em congressos e simpósios de Ufologia como sendo o primeiro brasileiro a manter contatos com os extraterrestres, uma fábula criada por Félix [Veja mais nesta edição e em UFO 106].
Uma incrível coincidência — Há alguns anos, realizando pesquisas no Arquivo do Estado de São Paulo, de acesso público, aproveitei para consultar os recém liberados documentos do DOPS, ali depositados. Qual não foi minha surpresa ao descobrir várias pastas contendo centenas de páginas de processos e relatórios daquele órgão e também do Serviço Nacional de Informações (SNI), todos relacionados a Aladino Félix! Por coincidência, no mesmo dia de minha descoberta, Edson Chicaroni Vieira, um dos seguidores de Félix, também ali comparecia em busca de detalhes oficiais a respeito da história da qual tomara parte. O contato descortinou a possibilidade de uma pesquisa sobre este polêmico personagem da Ufologia Brasileira, que resultou neste artigo e no mais volumoso e detalhado capítulo de meu livro Contatados, que acaba de ser lançado pela coleção Biblioteca UFO.
Alguns meses depois daquela pesquisa, por intermédio de Vieira, conheci Edgar Alves Bastos, que havia sido um dos melhores amigos do suposto contatado. E em sua companhia fui à casa de Raul Félix, seu filho, que guarda uma coleção de obras e uma série de documentos – cartas, atestados, certidões, manuscritos etc – de Aladino Félix. Seguiram-se então outras entrevistas e uma intensa troca de correspondências com personalidades que de alguma forma estiveram envolvidas com a fantástica história desse curioso personagem. Foram cinco anos estudando, pesquisando e investigando a história de Félix que, de tão épica e monumental, ainda exigirá muitos anos de trabalho para ser completamente resgatada.
Comandante do disco voador — A meteórica trajetória de Félix é em si mesma um mistério. De contatado influenciado por George Adamski a líder de um grupo sectário de cunho ultradireitista e messiânico, ele foi responsável por cerca da metade de todos os principais atentados políticos ocorridos em São Paulo em 1968. Tais atos acabaram errônea e convenientemente atribuídos à esquerda, e contribuíram sobremaneira para disseminar o clima de agitação e desordem que abriria o leque de justificativas para o fechamento total do Regime Militar, por meio da decretação do Ato Institucional Nº 5 – o famigerado AI-5 – em dezembro daquele ano. Ligado aos altos escalões do governo, Félix insurgiu-se como o primeiro a alertar que um “golpe dentro do golpe” estava em vias de ser implantado, e a denunciar, junto com seus adeptos, as torturas a que foram submetidos nas dependências do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC).
Durante cinco anos, desde novembro de 1952, Aladino Félix teria conservado em segredo o contato que alegava ter mantido com os tripulantes de um disco voador na Estrada de Angatuba, interior de São Paulo, bem como a visita que recebera do comandante deste, devidamente disfarçado de pastor protestante, um ano depois em sua casa. Os ETs que dizia ter encontrado eram altos, tinham suas cabeças raspadas e usavam macacões colantes de nylon. Pelo que lhe fora explicado pelo comandante do UFO – que disse proceder de dois satélites de Júpiter, Io e Ganímedes –, as naves alienígenas deviam sua alta velocidade ao vácuo que formavam com o bombardeio de raios catódicos em toda sua parte externa, formando um túnel de 45º. Tendo o vácuo sempre à sua frente, o disco podia movimentar-se sem qualquer atrito, em qualquer velocidade e em todas as direções.
O comandante ainda teria postulado que o Sol e os planetas se sustentam no espaço de forma contrária a que a ciência terrena afirma. O Sol não atrairia os planetas, mas provocaria uma repulsão. “Se até então a ciência não encontrara solução para o problema dos três corpos, brevemente haveria maior dificuldade com a inclusão de um outro sol em nosso sistema”, dizia Félix. Aliás, segundo ele, essa seria uma das razões que traziam os ETs aqui, além de desejarem nos prevenir contra os perigos a que estávamos expostos com o advento da era atômica. O comandante dizia que todos os plane
tas teriam suas órbitas modificadas. A Terra, por exemplo, sob a pressão combinada de dois sóis, iria ocupar a zona onde hoje se encontra o cinturão de asteróides, entre Marte e Júpiter. Para Félix, o evento cósmico estava associado à chegada de uma nova era e de um messias.
Escrito em apenas quatro dias, segundo o próprio Aladino Félix, Contato com os Discos Voadores, alcançou relativo êxito e oito meses depois, em novembro de 1957, foi lançada uma segunda edição revisada e acrescida de 34 páginas, pela mesma São Paulo Editora. No prefácio, Félix assinalou que não esperava que tão rapidamente tantos fatos viessem a comprovar a veracidade de suas afirmações. O Sputnik soviético, por exemplo, teria demonstrado que ele estava correto no que dissera. Sugerindo um tanto presunçosamente que os russos se valeram de suas informações para colocar aquele satélite em órbita, o contatado estampou cópia de uma carta timbrada enviada pela Academia de Ciências Soviéticas a um de seus amigos cientistas, cujo nome não declinou.
O escolhido de Deus — O pseudônimo Dino Kraspedon seria usado por Félix pela segunda e última vez num livro de 101 páginas, que praticamente só os que fizeram parte de seu círculo restrito de amigos chegaram a conhecer. A Órbita da Terra e a Gravitação, lançado em janeiro de 1959 pela mesma editora, parecia uma espécie de apêndice de Contato com os Discos Voadores. Ao complementar e aprofundar na obra dados relacionados à composição das forças do universo, Félix procurou restringir-se às questões pertinentes à órbita da Terra e à gravitação. E apesar do caráter científico-filosófico do livro, repleto de fórmulas e equações fisicistas, citações a Pascal, Platão e Lemaitre e contestações às teorias de Newton, Bradley e Einstein, o autor preferiu alcunhá-lo não como científico, e sim religioso.
Numa noite de 1959, surgiu inesperadamente um fato que mudaria definitivamente o curso da vida de Aladino Félix. Nas centúrias de Nostradamus, que ele já vinha traduzindo e interpretando, pensou ter encontrado uma referência à sua pessoa. Certas passagens mencionariam o seu nome e de seus parentes, e falariam de particularidades que só ele mesmo conhecia. Impressionado com tudo aquilo, proferiu uma oração e adormeceu. Naquele estado intermediário entre consciência e sonolência, projetou-se para fora do corpo e, ao descer as escadas de sua residência, ouviu uma voz que dizia: “Eu sou Jeová dos Exércitos. Dou-te toda a força de que necessitas para lutar e vencer. Vieste ao mundo para reunificar meu povo”. De modo a marcar o ingresso numa nova fase de sua vida, Félix abandonou em definitivo o pseudônimo Dino Kraspedon e passou a adotar dois novos: Sábado Dinotos, igualmente formado com a radical de seu nome, e Dunatos Menorá.
Imbuído de uma “missão” — O primeiro livro que escreveu como Dinotos foi um romance histórico intitulado O Hebreu, Libertador de Israel, lançado ainda em 1959 pela mesma São Paulo Editora. Em vigorosas e poéticas 508 páginas, Félix retraçava a vida de Otiniel, conhecido por Hebreu, o primeiro juiz daquele povo e guerreiro de Judá, que lutou contra o rei Cusã-Risataim da Mesopotâmia. Imbuído de sua “missão”, que aos poucos ia se delineando, Félix lançou em abril do ano seguinte, pela Editora Minimax, Mensagem aos Judeus: O Nascimento do Messias. Era uma tentativa direta de sensibilizar os patrícios, procurando convencê-los a aceitarem Jesus Cristo como o verdadeiro salvador anunciado pelos textos sagrados. A obra foi publicada sob o pseudônimo de Dunatos Menorá – nome que em hebraico significava candeia ou lâmpada de qualquer espécie – e com auxílio financeiro de empresários judeus.
Procurando palavras modernamente faladas e escritas em cada idioma e buscando na língua de origem, o hebraico antigo, a respectiva correspondência, Aladino Félix escreveu em seguida o que seria sua obra mais erudita e alentada, o Dicionário Hebraico-Português, editado em 1962 por seu amigo empresário Henri Koersen e tido como o primeiro no gênero já publicado, contendo cerca de 30 mil verbetes. Simultaneamente à edição do dicionário, começaram a aparecer nos bondes e ônibus das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, assim como nos toaletes de muitos bares e restaurantes, inscrições misteriosas com a Estrela de Davi e as palavras Sábado Dinotos. Sem dúvida, uma propaganda rabiscada por alguns de seus seguidores.
A inclinação de Félix para o profetismo e suas ligações com o poder ficaram patentes numa declaração que nos fez o pesquisador e escritor Lobo Câmara, autor do livro A Farsa da Nova Era: Nem Apocalipse, Nem Era de Aquário [São Paulo, edição do autor, 1998]: “Ouvi pela primeira vez o nome de Sábado Dinotos quando era ainda menino, no início dos anos 60, pela televisão, onde vez ou outra ele aparecia para falar sobre discos voadores. O que mais me impressionou neste personagem foi uma previsão feita por ele no final de 1963, num programa de rádio, dizendo que haveria uma importante transformação política em 1964, fato que iria alterar radicalmente o destino do Brasil, segundo ele para melhor”. Para Câmara, o mais impressionante é que Félix teria feito questão de dizer que não seria propriamente uma revolução, mas um movimento político que levaria o país para um novo estágio de desenvolvimento, com enorme progresso social. “Chegou até a prever que aconteceria por volta de março de 1964. Isso ficou na minha memória porque foi uma das raras previsões que vi realizar-se em curto espaço de tempo”, concluiu.
Profecias sobre o Grande Rei — Naquele ano, logo após a deflagração do golpe de 31 de março que conduziu os militares ao poder, Aladino Félix anunciava haver terminado de traduzir a Bíblia Sagrada diretamente do texto hebraico-massorético, da qual foi publicada o Pentateuco [Os cinco primeiros livros], com a ajuda do amigo e financiador Silvano Doll. Por iniciativa própria, Doll mandou encadernar vários exemplares da obra, distribuindo-os gratuitamente aos amigos. Pelo seu método, Félix detalha os elementos gramaticais do antigo hebraico, chamados por ele de “o som
perdido”, e aponta os absurdos das traduções anteriores, indo aos extremos do tecnicismo, bem antes de Däniken. Sub-repticiamente, o autor identifica a figura do comandante do disco voador, com quem alega ter se encontrado pela primeira vez em 1952, com o Deus dos hebreus. Posicionando-se ao lado do sionismo, afiança ser Jeová um extraterreno. Explicitamente, afirma que os anjos e querubins bíblicos eram alienígenas, antes que isso se tornasse moda.
Preparando o terreno para os fatos mirabolantes que em breve iriam eclodir – boa parte deles instados por ele próprio –, Félix lançou em 1965, pela São Paulo Editora, As Centúrias de Nostradamus. A obra saiu sob o pseudônimo de Sábado Dinotos e, como o Pentateuco, foi anunciada como uma tradução direta do texto original, nesse caso do provençal, uma mistura do francês e português. Curiosamente, o também contatado espanhol Alberto Sanmartin, radicado em São Paulo e que fora colega de Félix, publicou no mesmo ano o livreto Profecias de Nostradamus Sobre o Grande Rei. É quase certo que o verdadeiro autor da obra era mesmo Félix. Bastos nos assegurou que Sanmartin apenas emprestou seu nome, na condição de testa-de-ferro.
Na sua interpretação das centúrias, Dinotos – ou Félix – tomou liberdades que nenhum outro autor jamais tomara, chegando ao extremo de afirmar, como lhe convinha, que o Grande Rei citado por Nostradamus não deveria nascer na região de Alsácia-Lorena, na França, e sim na cidade paulista de Lorena! Ou seja, na mesma cidade em que Aladino Félix nasceu. Concluiu ele que o Grande Rei do Terror, o Anticristo, teria a ajuda de Jeová – o chefe supremo dos extraterrestres provenientes do planeta Júpiter – na batalha final contra a Besta e as forças do mal, cujos maiores representantes seriam a Igreja Católica e o cristianismo, chamados por Félix de “misticismo colonizador”. Depois disso, seria restaurada a justiça e uma nova era de ouro começaria na Terra, com as nações unificadas em um único governo sob seu controle. De todas as profecias, somente uma única, a da quadra 6:14, parece realmente ter se cumprido: “Longe de sua terra o Rei perderá a batalha/ Pronto escapa, perseguido, em seguida preso/ Ignaro prende sob a dourada malha/ Sob falso hábito, e o inimigo surpreende”. Indicaria essa passagem o prenúncio do fracasso de sua missão? Eis uma profecia verdadeira, mas que, no entanto, não foi interpretada por ele…
Guerra interplanetária — Com A Antiguidade dos Discos Voadores, o trabalho de Félix atingia o ponto culminante. Era o último livro escrito antes da eclosão do movimento messiânico já em curso, lançado novamente pela São Paulo Editora, em março de 1967. Também sob o pseudônimo de Sábado Dinotos, a obra punha fim à longa série de traduções e reconduzia os leitores ao centro da questão ufológica, iniciada por Félix 10 anos antes em Contato com os Discos Voadores. A capa ostentava, inclusive, o mesmo desenho – um disco voador aproximando-se da Terra. O livro antecipava-se até mesmo às idéias revolucionárias de Däniken, apresentadas ao mundo em Eram os Deuses Astronautas? Tinha apenas a diferença de que procurava convencer, por meio de uma linguagem doutrinária, que uma guerra entre duas facções contrárias de seres interplanetários, disputando a supremacia sobre o nosso planeta e a humanidade, estaria sendo travada desde os tempos bíblicos. Uma, representando os ensinamentos do Velho Testamento, teria sua base em Júpiter – não por acaso o local de origem do comandante do disco voador que teria contatado. A outra, da qual teria derivado o Novo Testamento, procederia de Vênus, que seria o Lúcifer da tradição hebraica e latina, que se rebelou contra as hostes divinas.
A correlação entre Vênus e Lúcifer é fartamente conhecida. Na tradição cristã, representa o opositor de Deus, o anjo caído, as forças do mal. Mas Aladino Félix subverteu a simbologia, atribuindo tal papel a Jesus, à igreja e ao cristianismo. De acordo com ele, Cristo teria sido um extraterrestre produzido por inseminação artificial para servir de instrumento aos alienígenas rebeldes, e o nome Jesus – Jeshua – teria origem no termo hebraico Heshu, que significa serpente. Manifestando desprezo a outros povos que não o judeu, Félix identificou-os com os seres nefastos de Vênus. Associando a imagem da cruz com o símbolo das forças do mal, chefiadas pelos alienígenas de Vênus, ele ressalvou, todavia, que a rebelião não partiu originalmente de Vênus. “Esse planeta apenas aceitou idéias importadas de outros sistemas. A origem do mal deu-se na Constelação do Cruzeiro do Sul, onde a cruz passou a ser o símbolo de todos os que aceitaram a sua filosofia”, disse Félix. Por ironia do destino, depois da segunda fuga da cadeia, acabou preso na cidade paulista de Cruzeiro, quando tentava ir para Minas Gerais.
Aladino Feliz dizia que nosso planeta teria apenas aceitado idéias importadas de outros sistemas. “A origem do mal deu-se na Constelação do Cruzeiro do Sul, onde a cruz passou a ser o símbolo de todos os que aceitaram a sua filosofia
Por fim, o polêmico Aladino Félix anunciava, já naquela época, que havíamos chegado ao crepúsculo desta civilização e ao alvorecer de uma nova era, que se iniciaria com o que é chamada de restauração. Para ele, os discos voadores de Júpiter estavam prontos para intervir. Só mais um pouco e viria o desfecho. “Os judeus, depois de tomarem posse de Jerusalém, proibirão os cultos idólatras em sua capital. Virá a reação. Roma proporá uma nova cruzada para libertar os lugares sagrados, e o mundo todo unir-se-á para conquistar Jerusalém. Aí será o fim”, afirmou Félix. Para ele, entretanto, era só o começo do fim.
Conspirações e escalada do terror — Em março de 1968, aos 48 anos de idade e imbuído da crença de ser O Escolhido na Terra para reunir as 12 tribos de Israel e depois governar os hebreus, Aladino Félix estava prestes a pôr em execução seu mirabolante plano de dominação mundial. No minúsculo escritório que mantinha no Prédio Martinelli, centro da capital paulista, ministrava cursos sobre discos voadores, religião e profecias. Em certas ocasiões desviava
o assunto e abordava questões políticas. Expedia conceitos ousados e externava situações reconhecidamente existentes, impressionando a qualquer pessoa que se dispunha a ouvi-lo.
Em tom de realismo fantástico, a partir de 05 de março de 1968, os jornais da época começavam a publicar uma série de reportagens bombásticas, apontando Félix como aquele que evitara um golpe de Estado em 27 de janeiro, dia em que o presidente Arthur da Costa e Silva mobilizara as Forças Armadas depois de ter recebido um bilhete de um amigo, no qual se denunciava uma conspiração contra o regime. “Eu entreguei o bilhete ao presidente”, assegurou Félix. De acordo com o que a nota dizia, Carlos Lacerda, líder da chamada Frente Ampla, grupo que se opunha ao regime, faria um discurso no Teatro Municipal de São Paulo e nele pronunciaria duas palavras que, segundo Félix, constituíam a senha para o golpe de Estado. E que palavras eram essas? Sábado Dinotos! De norte a sul do país, um levante militar teria sido preparado para depor o governo de Costa e Silva. Para Félix, quem financiava e inspirava a rebelião eram ninguém menos que o presidente da França, Charles de Gaulle.
Ato Institucional — A história viria a comprovar que Félix não podia ser simplesmente taxado de louco ou irresponsável. Não por acaso, logo após as denúncias alardeadas por ele, Costa e Silva esteve a ponto de decretar um novo Ato Institucional, o de nº 5. Na segunda-feira, 01 de abril, quarto aniversário da Revolução de 1964, rumores de que o Governo iria editar um novo ato ou decretar o estado de sítio invadiram o Congresso Nacional. As ações terroristas em São Paulo haviam começado nos últimos meses de 1967 com algumas ocorrências isoladas, como assaltos a bancos e carros pagadores. Em 16 de janeiro de 1968, foram furtadas da reserva de armas do Comando do Quartel-General da Força Pública (FP), uma metralhadora Ina, três pistolas Walther e 13 revólveres Taurus, além de diversos carregadores e farta munição.
Não obstante, o ciclo agudo dos atentados iniciou no final de março e início de abril, justamente depois das declarações de Aladino Félix aos jornais e simultaneamente às investidas dos militares ultradireitistas em apressar a implantação do AI-5. Em 10 de abril, um petardo explodiu sobre o elevador do QG da FP. Em 15 de abril, uma bomba foi atirada contra o Gabinete do comandante do II Exército. Em 15 de maio, uma granada explodiu na entrada do prédio da Bolsa de Valores. Na noite de 19 de maio, outra bomba danificou os sanitários do Departamento de Alistamento da FP. Entre um atentado e outro, a população parecia mais propensa a ver coisas estranhas no céu. A imprensa noticiou que os discos voadores rondavam São Paulo e faziam manobras no bairro de Vila Mariana. Na madrugada de 07 de julho, houve cinco explosões quase simultâneas de bombas em linhas férreas. Em 12 de julho, novas bombas explodiram nos vagões de dois trens. Em 01 de agosto, um grupo armado assaltou uma agência do Banco Mercantil e Industrial de São Paulo, no distrito de Perus. Na madrugada de 20 de agosto, três novas explosões abalaram a cidade.
A captura de Aladino Félix e de parte de seus seguidores deu-se em 22 de agosto de 1968, em decorrência de um assalto a banco. A ação foi planejada para que seu movimento direitista angariasse fundos, e levou muita gente a se precipitar e atribuir-lhes os demais atentados registrados naqueles meses
Os roubos e atentados – que por sorte provocaram apenas danos materiais e ferimentos leves em algumas pessoas – correspondiam a quase metade de todas as principais ações terroristas registradas no período. Antes mesmo de qualquer investigação mais apurada, os agentes da repressão atribuíram a autoria das ações a grupos armados de esquerda. Tal pressuposto, justificável pela confusão em que a opinião pública se lançava com o início da luta armada, norteou os trabalhos até o fim das diligências. Assim, quando descobriram que eram de autoria do grupo liderado pelo messiânico Aladino Félix, custaram a reconhecer a verdade.
Prisão, tortura e fugas — A captura de Félix e de parte de seus seguidores, em 22 de agosto de 1968, deu-se em decorrência do único assalto a banco que praticaram. A ação foi planejada para que seu movimento direitista angariasse fundos, e levou muita gente a se precipitar e atribuir-lhes os demais atentados registrados naqueles meses. No dia seguinte, 23 de agosto, Félix e seus seguidores foram interrogados e torturados no DEIC pelo delegado Ernesto Milton Dias. Sem opor resistência, o contatado confessou sua participação nos atentados terroristas e discorreu, com detalhes, sobre as bombas que mandara explodir. Removidos para os porões do DOPS, ele e seus asseclas tiveram prisão preventiva decretada pela 9ª Vara Criminal e pela Justiça Militar.
Em 29 de agosto, um boletim informativo do SNI comunicava que Félix e seus seguidores haviam feito no DOPS gravíssimas acusações contra o general Paulo Trajano, quem apontavam como mentor intelectual do movimento golpista. Em 28 de novembro, o contatado e seu grupo foram transferidos do DOPS para a Casa de Detenção do Carandiru. O delegado de Polícia adjunto do DOPS, Benedito Sidney de Alcântara, mal terminara de finalizar um extenso relatório sobre o grupo, em 18 de dezembro, quando recebeu a notícia de que Félix escapara da prisão.
O boletim do SNI notificou que “por um equívoco”, ele fora posto em liberdade por força de alvará expedido pela 9ª Vara Criminal, alusivo ao assalto contra o banco em Perus, o mesmo não ocorrendo com os seguidores detidos no DOPS. As autoridades deram prioridade total a recaptura de Félix, e duas equipes de investigadores fizeram buscas em vários pontos da cidade. Seu paradeiro não demorou a ser localizado e, em 07 de janeiro de 1969, a 4ª Zona Aérea informava ao DOPS que Félix se encontrava escondido em uma fazenda em Campinas. Feita a recaptura, entrou-se na fase dos julgamentos do réu. A primeira sentença que ele recebeu referia-se ao assalto contra a agência bancária de Perus. Apontado como o mentor intelectual do movimento contra-revolucionário, o general da reserva Paulo Trajano negou qualquer participação nas tramas engendradas, alegando que freqüentava esporadicamente o escritório e a residência de Félix na qualidade de curios
o em assuntos bíblicos e em discos voadores, nunca tendo tomado parte de reuniões subversivas. Trajano, porém, não escapou de ser indiciado.
De modo surpreendente, em meados de setembro de 1969, Aladino Félix lograva o feito de escapar novamente da prisão. As circunstâncias da nova fuga permanecem um tanto quanto nebulosas, pois nenhuma das fontes consultadas forneceu detalhes a respeito. Mas em 23 de setembro, um capitão da Aeronáutica prendera Félix na cidade de Cruzeiro, a cerca de 230 km da capital paulista, e em 06 de outubro o contatado prestara declarações à Operação Bandeirantes (Oban). O procurador militar da 2ª Auditoria de Guerra foi quem ofereceu a denúncia, em novembro de 1969, enquadrando Félix nos artigos 21, 23 e 25 da Lei de Segurança Nacional.
Em 31 de março de 1970, o Conselho Permanente da 2ª Auditoria de Guerra condenava Aladino Félix a cinco anos de reclusão. Um habeas corpus foi impetrado para sua soltura, mas recusado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Algum tempo depois, o Superior Tribunal Militar (STM) reduziu sua pena para oito meses. O DOPS expediu a relação de nomes dos que se encontravam presos no Recolhimento de Presos Tiradentes no exercício de 1971, figurando entre outros, o de Félix, que cumpria mais do que os oito meses estipulados. Só em 14 de janeiro de 1972 é que Félix foi finalmente posto em liberdade, sendo acolhido por seu filho Raul e o restante da família.
Fim de um sonho mirabolante — As agruras da prisão não abalaram Aladino Félix, pelo menos não a ponto de desencorajá-lo a retomar sua carreira literária. Decorrido pouco mais de um mês de sua liberdade, em 24 de fevereiro, já havia finalizado O Impacto do Novo Século, editado no ano seguinte pela editora de Adolfo Bloch, dono de uma das revistas de maior circulação na época, a Manchete. Uma parte da obra talvez tenha sido redigida no cárcere, mas o mais provável é que um amigo o auxiliara na compilação e organização dos originais dessa que pode ser considerada uma espécie de coletânea autobiográfica. O amigo era o gaúcho Adelpho Lupi Pittigliani, quem, aliás, assina o livro, conferindo-lhe um tom apócrifo. Obviamente, caso fizesse constar o seu nome ou um de seus pseudônimos na capa, os exemplares acabariam inevitavelmente apreendidos e Félix seria novamente preso. Preferiu, assim, lançar mão do velho expediente de permanecer incógnito sob a identidade de outra pessoa.
Um tanto receoso, o contatado não tornou a tratar com o mesmo ímpeto de antes os assuntos que lhe renderam tamanhas desgraças, enterrando todas as ambições messiânicas que porventura ainda tivesse. Seu grupo direitista fora completamente desmantelado. Félix esperava que os fatos obedecessem a um roteiro prévio, cinematográfico, com cada personagem desempenhando um papel pré-definido. Pelo modo como a Justiça encarava o contatado – uma espécie de Antonio Conselheiro dotado de mente tão mórbida a ponto de conseguir iludir um general – entende-se porque os seguidores de Félix foram absolvidos e alguns até reconduzidos à ativa na FP. O fiasco do movimento, entretanto, afastou-os em definitivo dele.
Após a derrocada do movimento que preconizou e protagonizou, Aladino Félix nunca mais se refez, tendo vivido seus últimos anos praticamente recluso e no anonimato, tentando compreender o fracasso do seu projeto messiânico de salvar e governar o mundo, supostamente sob influência de seres extraterrestres. Recebia velhos amigos, trocava idéias, arriscava-se a escrever e traduzir algumas passagens. Dentre os poucos a continuar mantendo contatos estavam Silvio Canuto de Abreu e Edgar Alves Bastos. Em novembro de 1985, ano em que o país se redemocratizava, Félix se preparava para submeter-se a uma cirurgia de hérnia. Segundo Bastos, um medicamento que tomou o levou a complicações de saúde. Não resistindo, faleceu em 11 de novembro e foi cremado dois dias depois.