Em todo o mundo existem lendas e histórias sobre luzes que aparecem e desaparecem magicamente, que mostram onde há ouro e tesouros enterrados. São luzes que seguem os passantes, que descem do céu ou que iluminam o local e os arredores de onde surgem com tal força que mais parecem um holofote. Muitas delas têm a forma de uma bola, mas elas também adquirem vários formatos distintos. Outro traço que parece ser comum a todos os relatos é o fato de as luzes serem mais frequentes em montanhas, corpos d’água e áreas de mata.
Muitos ufólogos veem esses casos como ocorrências paralelas ao Fenômeno UFO, enquanto outros acreditam que as luzes sejam, na verdade, sondas ou naves extraterrestres mal interpretadas pelas pessoas. E, claro, sempre há quem diga que as luzes são apenas fenômenos naturais, como o fogo fátuo, por exemplo. É inegável que algumas ocorrências realmente sejam naturais, mas fica difícil explicar como gases do pântano foram parar em uma montanha, como conseguem decolar a altíssimas velocidades ou porque perseguem as pessoas.
Para quem reside em cidades grandes e movimentadas, onde o tempo livre é algo escasso e normalmente aproveitado com amigos ou familiares em locais fechados, pode parecer que o avistamento de bolas de luz seja coisa de antigamente, mas não é bem assim — o fenômeno existe e continua a ser visto por muitas pessoas. O que ele é, a maioria das testemunhas não sabe dizer, embora as histórias para explicá-lo incluam fantasmas, maldições e até o “espírito do ouro”. Mas, de qualquer forma, como veremos a seguir, seu mistério é fascinante.
Luzes que andam
Morro da Garça é um município rural situado na região central de Minas Gerais, com população estimada em 2.600 habitantes. É uma cidade pequena do Sertão Mineiro, onde muitos afirmam ter tido contato com o fenômeno da Luz Andeja ou Luz Andarilha, alguns deles diversas vezes. Este artigo é baseado em uma pesquisa para conclusão de mestrado em Ecologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizada entre 2013 e 2015 sobre o assunto e sua relação com a natureza local, pois, segundo os habitantes da cidade, tal luz vive no cerrado e nos morros da região.
Falando com lavradores e até políticos, recolhemos muitos depoimentos sobre tal manifestação. De forma geral, o fenômeno é descrito como uma esfera de luz ou de fogo que cresce, diminui, voa em velocidades extremas e interage com pessoas e animais — a maior parte dos relatos atesta que a luz é inofensiva e que sempre vagou pela região. Algo que chama a atenção é a forma como as pessoas reagem quando perguntamos a elas sobre “a luz”. Há um peso, um respeito, uma mistura de temor e curiosidade, interesse e medo, no semblante dos moradores. Surge um silêncio sutil, rompido apenas por aqueles que a tinham visto ou que conheciam alguém que vivera tal experiência.
A Luz Andeja pode ser considerada um personagem do folclore, pois muitas histórias são contadas há gerações, e Mãe do Ouro, Luz Andeja e Luz do Mundo são apenas alguns dos nomes dados ao fenômeno e colhidos durante as entrevistas. A versão que apareceu com mais frequência durante os estudos de campo foi a da luz que viaja de morro em morro, de sete em sete anos. Algo interessante, uma vez que não é comum tal periodicidade em outras formas do mesmo fenômeno.
As testemunhas
Nesta pesquisa conversamos com algumas pessoas buscando entender um pouco mais sobre o fenômeno das luzes. Na opinião de Clarismundo Lúcio da Costa, por exemplo, também conhecido como “Cará”, a Luz Andeja é uma coisa, enquanto a Mãe do Ouro é outra. A primeira “anda por aí e mora no morro”, conforme diz. Já a segunda é uma “cobra de fogo” que anda apenas entre os dois morros principais, de sete em sete anos. Os estudos de Câmara Cascudo sobre o folclore nacional indicam que o mito da Mãe do Ouro deriva de outro mais antigo, encontrado por todo o Brasil desde os tempos pré-coloniais, o Boitatá, termo derivado de baetatá, que em tupi-guarani significa “cobra de fogo” ou “cousa de fogo”.
Conseguimos reunir os relatos de nove moradores conhecidos por terem encontrado o fenômeno luminoso — para eles, falar sobre o assunto é uma situação emocionalmente intensa, e aquilo que viram obviamente não se confunde com experiências cotidianas. Justamente por isso todos se lembram com exatidão de todas as vezes em que viram a Luz Andeja. Embora seja algo extraordinário, as testemunhas tratam o fenômeno com naturalidade, como algo que costuma ser visto com frequência. Essa postura é comum também em testemunhas de outros países.
Há um peso, um respeito, uma mistura de temor e curiosidade, interesse e medo, no semblante dos moradores. Surge um silêncio sutil, rompido apenas por aqueles que a tinham visto ou que conheciam alguém que vivera tal experiência
O senhor Clarismundo Costa, que citamos acima, nasceu na mesma casa onde vive até hoje na Vila de Fátima, povoado da zona rural de Morro da Garça. A “cobra de fogo” bordada no Manto do Vaqueiro, em um projeto feito por Beth Ziani, foi retirada de um de seus relatos. Ele começa dizendo que gostaria que todo mundo visse a Mãe do Ouro “para saber se eu estou mentindo sobre a ‘lindeza’ que ela é. Mas, com essa idade que eu tenho, ela foi a coisa mais linda que eu já vi, mais interessante. Foi essa cobra”. Quando pedimos a ele que nos descrevesse sua visão, o homem respondeu assim:
“É difícil de a gente explicar como ela é. Era bom se a pessoa visse para saber, mas eu vi e sei é que. Ela é tipo uma sucuri, mas é toda amarelinha. Mede ‘na base’ de uns 4 m de comprimento, é bem grossa e passa voando alto. Ela também tem crista, como galo. Ela é toda amarelinha e passa chuviscando, como se tivesse caindo umas lágrimas. É muito interessante”.
“Ela mora lá naquele morro”
Costa é uma das testemunhas que teve mais de um avistamento do fenômeno. Ele nos explicou que “a derradeira vez deve ter uns oito anos. Porque sempre ela passa no romper do dia, ali pelas 04h00. Aí dessa época de oito anos para cá, teve gente que já viu ela de novo, mas eu mesmo, não”. Sobre como se deu o avistamento da luz, ele nos disse que foi “passando pelo morro perto do Campo Alegre, o Morro Guará. Ela mora lá naquele morro e passa sempre. Esse dia em que eu a vi ela estava vindo para cá, para aquele morro ali”, e sinalizou com a mão a região.
O senhor Nonô Coelho, nascido na zona rural de Corinto, em Capivara de Cima, em 29 de janeiro de 1949 também foi testemunha da luz e disse que “tinha uma tal de serra do grotão na Capivara, que era o lugar da luz passar à noite. A hora em que ela andava, assim pelas madrugadas, eu a via lá nessa serra, uma serra alta, a mais alta que tem por lá. E tem uns matos lá dentro de umas grotas. Ela ficava lá nessas capoeiras”. Já a testemunha Geraldo Nonato da Cruz, o Nonato, que vive com sua esposa em Morro da Garça desde 2003, nos contou uma história em que não apenas ele, mas também seu avô, encontrou a Luz Andeja.
Fonte: ARQUIVO PEDRO SALIM
Segundo Nonato da Cruz, “ela passava alto assim e ‘alumiava’ tudo. Era o ‘trem’ mais lindo do mundo”. Quando sua esposa o interrompe e comenta que aquilo que ele havia visto era a Mãe do Ouro, ele responde que, “mas se for a Mãe do Ouro, ela é rica demais, porque é bonita demais”. Sobre sua aventura com o avô, a testemunha nos disse que ele fora visitar o ancião e esse, por sua vez, o convidou para irem caçar tatu. “Quando nós saímos, atravessamos uma mata de bambu e uma subida. É que sempre o horário dela é de 21:00 até 23:00. De repente, vi aquele ‘trem’, que clareou tudo. Eu chamei ‘Vô, vô, o que é isso?’”. Naquele momento ele estava
muito assustado, mas o avô tentou acalmá-lo, dizendo-lhe “calma, meu ‘fio’. Calma porque ‘num’ é nada não”.
Segundo o homem, a luz era tão forte que iluminava tudo com incrível potência ao redor deles, “até se passasse uma formiguinha a gente via. Tinha uma ‘taxa de distância’ de uns 30 m ao redor tudo, sabe? E ela fazia chiadeira. Aquele ‘trem’ passando e meu vô falando ‘calma meu fio, calma’”. O rapaz, que estava apavorado, queria que o avô reagisse, mas o ancião só lhe dizia que ficasse tranquilo, que aquilo não era nada. “Ele já era acostumado a ver aquilo”. Segundo ele, os cachorros correram todos para seu avô e ficaram em volta do velho, que permaneceu calmo e só esperando o fenômeno passar. Nonato da Cruz quis voltar, mas o avô se recuou. Depois disso, eles continuaram com a caçada.
A luz e a destruição da natureza
Como já dissemos, o fenômeno das luzes andantes existe em todo o mundo e um dos traços que é comum em todos os locais onde se manifesta é sua relação com a natureza. Locais degradados, ainda que não povoados, nem sempre apresentam o fenômeno. E, como veremos a seguir, parece haver também uma ligação entre as luzes e a natureza original dos locais. Em outras palavras, mesmo quando tentamos reparar os danos causados ao meio ambiente, talvez não consigamos realmente refazê-lo — talvez estejamos destruindo coisas que sequer sabemos o que são.
José Maria de Castro Matos, nascido na cidade mineira de Presidente Juscelino, era à época da entrevista o prefeito de Morro da Garça, cargo que já ocupara duas outras vezes. Em seu relato ele contou que em 1982, um ano de eleições, ele e outras pessoas estavam em um policiamento na zona rural e encontraram a Luz Andeja na estrada. “A gente andou uma distância maior e parecia ser outro carro que íamos ultrapassar. Mas quando vimos, esse outro carro era essa luz, que na verdade estava vindo de dentro do pasto, não era na estrada. Ela estava próxima da estrada, mas no pasto”, contou o prefeito.
Segundo Castro Matos, há relatos vindos de pessoas que conviviam normalmente com a luz, que andava muito à noite. “A luz estava por ali. Uma hora na frente, outra hora atrás. As pessoas sempre a cavalo e a luz sempre por perto. Ela era muito familiar para essa gente”. Mas com o passar do tempo e com a transformação da floresta, quando já não havia mais a mata natural, mas o reflorestamento, “a gente viu que a luz deu uma sumida. Agora não sei se isso é devido à mudança da floresta, quando se tirou o que era nativo para colocar a floresta artificial, ou se é porque houve uma grande invasão da energia elétrica nas fazendas na zona rural”, questiona o prefeito.
Naquela noite, em companhia dele, estava Maria de Fátima Coelho e Castro, também nascida em Morro da Garça, onde a família Coelho reside por gerações. Maria de Fátima contou que acredita que durante parte de sua experiência com a Luz Andeja ela estava totalmente desligada da realidade imediata — perdida em pensamentos ou talvez cochilando. Segundo disse, quando passaram por uma comunidade chamada Lagoa do Peixe, atrás do Morrão, algo ocorreu. “A gente estava na zona rural, não tinha luz nem poste de rua, e eu estava sentada no carro, bem relaxada e pensando no trabalho que eu tinha feito fora, em alguns projetos, e só aí que eu vi. Eu estava com uma camiseta escrita na manga e na frente estava tudo claro. Aí eu olhava para a camiseta e eu lia o que estava escrito. Mas, como eu estava pensando no trabalho, que era em outro município, Montes Claros, eu vi a luz, só que não atinei”.
Maria de Fátima disse também que olhava para trás e via tudo claro, e a impressão que teve foi que a luz “se parecia com um poste, daqueles antigos com luminária em forma de prato. Para mim era um poste, era luz da cidade. Só que continuou claro e ela se aproximou mais. Foi aí que o Zé Maria viu pelo retrovisor e falou assim: ‘Fátima, você é doida para ver a luz, então olha ela aí’. Foi então que eu vi que era a Luz Andeja. Eu virei para trás e olhei, e ela ficou só um pouquinho para depois desaparecer no meio do cerrado”.
Mais testemunhos
Kátia Sueli da Costa vive no povoado de Vista Alegre, antigo Arrepiados, na zona rural de Morro da Garça. Em 2013, ano da entrevista, Kátia teve dois encontros com a luz. A testemunha disse que, segundo um compadre seu, “a luz sai do morro, passa aqui por cima e vai para o outro morrinho que tem ali. ‘Num’ sei se você viu o morrinho do lado de lá”, perguntou ela, apontando. E continuou explicando que a luz “sai do morro e vai para o morrinho ou do morrinho para o morro. Porque aqui tem o morrinho, o Morrão e tem o Morro do Guará. Então ela fica nessa rota aí”, explicou.
Outra testemunha é Maria dos Reis Benevenuto Vieira, que nasceu em Piripiri, também na zona rural de Morro da Garça, lugar que ela afirma ser “um dos melhores do mundo”. Dos Reis, como ela é chamada, nos contou um caso acontecido em sua infância, quando estava com apenas cinco anos — a testemunha disse que vivia com sua família em uma casinha muito simples, feita de pau a pique. Uma noite, a família estava reunida do lado de fora da casa, todos sentados em uma espécie de calçada ouvindo as histórias que seu pai estava contando. A única claridade que havia ali vinha da lâmpada de querosene. Em determinado momento a menina se levantou e apontou para uma luz que via à distância, perguntando que clarão era aquele. Na fazenda onde a família residia havia a sede, a casa deles e um grande bambuzal que impedia que se visse as luzes da fazenda.
O fenômeno das luzes andantes existe em todo o mundo, além do Brasil, e um dos traços que é comum em todos os locais onde se manifesta é sua relação com a natureza. Locais degradados, ainda que não povoados, nem sempre apresentam o fenômeno
“Eu falei: pai, aí vem um carro. E lá não havia como chegar um carro porque ‘num’ tinha estrada, sabe? Era estrada de cavalo ou então de bicicleta”, contou Maria. Seu pai observou a luz, mas não comentou nada. Maria disse também que estava tão claro que dava para contar os pés de bambu da moita, e que a luz parecia “uma tocha de fogo”. Segundo ela, o fenômeno passou muito perto, bem lentamente e depois virou e sumiu — foi então que seu pai, que durante todo o tempo permanecera calado, disse para a família que aquilo era uma Luz Andeja.
A testemunha Rosa Maria Fernandes Coelho, nascida em Corinto, é professora aposentada. Rosa viveu até 1978 em Belo Horizonte e depois mudou-se para Morro da Garça. Ela nos contou que em uma determinada noite, quando estava voltando para a cidade, viu uma luz indo em direção ao carro em que estava. “Antes de chegarmos, quando nós já estávamos saindo da rodovia e entrando na estrada para o Morro, onde há uma ponte, eu avistei um clarão, virei para o motorista e falei para ele tomar cuidado, pois íamos passar pela ponte e estava vindo outro carro”.
Um senhor de mais idade que estava com o grupo também viu a luz, mas o motorista e um rapaz mais jovem que estava no carro não viram — o motorista, inclusive, disse para a testemunha que ela estava sonhando e que não havia luz nenhuma. Segundo Rosa, quando eles já estavam se aproximando da ponte, “a luz, ao fazer a curva para poder atravessá-la, foi entrando pasto adentro. Aí eu falei assim: uai, que engraçado, não é carro mesmo, não”. O senhor que estava no veículo também viu a mesma coisa que Rosa. Os outros dois ocupantes do carro não viram nada.
Várias possibilidades
Esse tipo de situação também é algo comum nos relatos de avistamento das luzes: às vezes em um grupo, apenas algumas pessoas conseguem vê-la. Rosa disse que ela nem se lembrava mais das histórias da Luz Andeja, mas que, quando se mudou para a cidade, as pessoas falavam sobre o assunto e diziam que sentiam muito m
edo dela. “Quando eu cheguei em casa e comentei com meu marido, ele disse: ‘peraí’, você tem noção de que você viu a luz?’ Aí eu tive medo”, confessou Rosa.
Durante os anos em que a pesquisa sobre a Luz Andeja aconteceu, encontramos não apenas pessoas que a viram, mas muitas histórias de avistamentos do fenômeno vindas de inúmeros lugares. Os casos estão, em sua maioria, relacionados à natureza, ao espaço não urbano e a situações extraordinárias, fora da rotina, coisa que já havíamos ressaltado e que os exemplos desta matéria evidenciam. Como pesquisador, concentramo-nos na relação dos casos com a natureza local, fazendo uma abordagem socioecológica sem tocar no ponto sobrenatural da questão.
Já como investigador de tendência espiritual, o fenômeno interessa enormemente, mas não pude chegar a qualquer conclusão quanto aos relatos ouvidos. Pode-se especular sobre diferentes formas de energia e matéria que podem causar o fenômeno, sobre um tipo de comunicação inter e intraespacial, sobre espíritos e consciências, humanas ou não. Em minha opinião, o importante é não limitar as possibilidades sem prévios esclarecimentos e contemplar a beleza do mistério.
Assista ao documentário Luz Andeja
O professor Pedro Salim, especialista em Psicossociologia das Comunidades e em Ecologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), produziu um documentário curta-metragem sobre a Luz Andeja com suas pesquisas e entrevistas a moradores de Morro da Garça, em que eles próprios descrevem as experiências que tiveram com o fenômeno. O vídeo pode ser assistido neste endereço: https://youtu.be/_vZHrdY4MBw