Até onde podem ir as mentiras acerca do Caso Varginha?
Numa dessas ocasiões, chamamos a atenção para o que expôs o jornalista investigativo Lucas Figueiredo em sua obra Lugar Nenhum (2015, Ed. Companhia das Letras), num caso similar ao nosso. Assim como os membros da CBU, Figueiredo foi um dos integrantes da chamada “Equipe Ninja”, um time de três jornalistas com informantes nas áreas militar e de inteligência, montada à época da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, começou a localizar vários arquivos sigilosos da ditadura que ainda estavam nas mãos de órgãos do Estado ou sob guarda de particulares, mas não haviam sido ainda expostos ao público.
Na obra, o jornalista narrou detalhadamente como se dava o processamento da informação militar, que ainda hoje está em prática, em quatro atos: “preservar, esconder, mentir, calar.” As fontes dos pesquisadores disponibilizaram à Equipe Ninja nada mais, nada menos, do que 2.775 microfilmes de informações sigilosas produzidas durante a ditadura, registradas e arquivadas nas dependências do Centro de Inteligência da Marinha (CENIMAR), localizado no Rio de Janeiro.
Para se ter uma ideia, essa quantidade de películas microfilmadas é capaz de armazenar mais de 1.2 milhão de imagens de documentos e fotos em formato A4, ofício, ou até mesmo páginas de jornais e revistas. O “Sistema de Controle e Distribuição Arquivístico” do CENIMAR foi considerado uma revolução tecnológica no início da década de 70.
Infelizmente, essas informações sigilosas contendo dados bombásticos sobre o sumiço, a tortura e o assassinato de brasileiros que se opunham ao regime durante os anos de chumbo, não foram disponibilizados pela CNV no relatório final, divulgado em 2014. O fato frustrante levou o jornalista a tecer severas críticas quanto ao comportamento dos governos civis pós-ditadura, no que se tange à mentira dos militares sobre geração, posse e guarda de informações, que deveriam ser públicas por força de Lei já vigente no ano de 2015, quando ele lançou sua obra.
E, claro, tal postura se aplica até hoje a qualquer informação sigilosa, inclusive às ufológicas. Numa entrevista à BBC em Londres, em outubro de 2015, declarou Figueiredo sobre esse comportamento: “O pai da criança é o Tancredo (Neves), que falava abertamente que não iria investigar. José Sarney entrou vendido porque era muito fraco, ele se escorava nos militares. Depois, Collor e Itamar fizeram vistas grossas. FHC e Lula colocaram a União para combater a abertura dos arquivos na Justiça, que foi uma postura mais grave. E você tem a Dilma que é de uma passividade absoluta, porque as Forças Armadas mentiram descaradamente para ela durante a CNV e ela não fez nada.”
Mas hoje, as circunstâncias indicam que estamos num processo de reversão gradual dessa postura passiva, observada nos governos civis anteriores, ante o comportamento ilegal dos militares. A tutela militar sobre a informação já desclassificada do Estado, portanto pública, tem sofrido desgastes. E isso se deve fundamentalmente por conta do robustecimento dos processos legais, sobretudo na implementação de normativas e dispositivos da Lei 12.527/2011, ou Lei de Acesso à Informação (LAI), efetivados neste ano de 2023 pela Controladoria Geral da União (CGU). Deste ponto de vista, o endurecimento da CGU quanto à necessidade do correto cumprimento da Constituição, é fruto do amadurecimento do próprio processo democrático brasileiro.
Jogando luz sobre essa visão, não custa lembrar que, apesar de já ter sido consolidada desde 1988, nossa ainda jovem democracia quase sucumbiu a um novo golpe, apoiado por parte significativa desses mesmos militares arraigados aos processos do passado obscurantista da nossa história. É óbvio e notório que não se trata de todos os comandantes militares, mas sabe-se que foi com o apoio de parte significativa de altas patentes das Forças Armadas, que se culminou nos crimes de terrorismo, vandalismo e destruição de patrimônio público ocorridos no país após as eleições de 2022.
A Justiça vem comprovando que vários gestores da burocracia militar de hoje, que ainda estão na ativa e que insistem em negar acesso à informação desclassificada, principalmente do Exército Brasileiro, coadunam ou pelo menos coadunavam dos mesmos princípios daqueles que, até o ano passado, circulavam com desenvoltura pelos palácios de Brasília, tutelando e comandando a burocracia estatal como se na ditadura militar estivéssemos. Os mesmos cuja transparência dos seus atos nada republicanos não era dada a público. Trata-se de uma engrenagem viciada, que sempre funcionou dessa forma, mas que, ao que tudo indica, está fadigando sob a perspectiva da nova administração, pós-traumática à tentativa de golpe, mas ciente e obediente à legalidade.
A CBU tem observado essa reversão de rumos no Governo Federal e aproveitado legalmente, dentro das possibilidades argumentativas que as circunstâncias propiciam, a oportunidade na busca por transparência da informação. É o caso das informações decorrentes do incidente de Varginha/MG, ocorrido no ano de 1996, e dos documentos gerados pela Escola de Sargento das Armas (ESA), sediada na vizinha cidade de Três Corações, em desdobramento.
Mesmo que o Comando do Exército (CEX) esteja tentando usar de legislação caduca para negar o que descobrimos, a LAI determina que qualquer informação ainda existente, gerada com uso de pessoal e recursos públicos, e que não possa mais estar classificada em algum grau de sigilo legal, seja entregue ao cidadão ou organização da sociedade civil que a solicite pelos meios disponíveis.
É exatamente isso que estamos pondo em prática, por exemplo, nos vários processos em tramitação no Executivo. Três desses processos inclusive já foram encaminhados à Casa Civil da Presidência da República pela CGU, após várias recorrências em instâncias inferiores, justamente pelo comportamento negacionista do CEX, conforme descrito por Lucas Figueiredo em seu livro: “preservar, esconder, mentir, calar”, não exatamente nessa ordem, mas perfeitamente verificável na prática ainda hoje, senão vejamos.
Preservar
Como relatado em postagens anteriores, após a fase inicial dos protocolos junto ao Exército usando a LAI, foi providenciada pela CBU uma verdadeira Operação Pente-fino, que ao final de meses de busca resultou em indícios fortíssimos de que muita informação sigilosa fora gerada dentro e fora dos muros do quartel da ESA, após o incidente de Varginha.
Como se trata de um episódio ímpar, com grande repercussão na mídia nacional e internacional, envolvendo o Exército e tornando-se um evento histórico que foi muito além das fronteiras municipais, qualquer informação oriunda daquela organização militar (OM) deveria ser preservada, uma vez que se trata de um episódio histórico. Em consequência, alguns desses processos subsequentes pediram, de maneira geral, todos os documentos gerados pela ESA, ou a ela encaminhados por OMs superiores, que de alguma forma poderiam ter relação com o caso Varginha.
Um dos protocolos solicitou os também aqui já descritos “documentos sigilosos controlados” (DSCs). Essa nomenclatura “DSC” foi a única a ser identificada com segurança, dentre os documentos sabidamente sigilosos naquela 4ª Região Militar/4ª Divisão de Exército (4ªRM/DE), e que não tiveram seus códigos descritos e publicados no site do Exército, para consulta pública, como manda a LAI num procedimento normatizado pela CGU como “transparência passiva”. Dessa forma, qualquer documento nessa condição tem que ser preservado, como é o caso do Ofício nº 002/TG, da OM Tiro de Guerra/São Lourenço/MG. Qual a razão para esse documento não ter sido referenciado na “transparência passiva” do Exército Brasileiro?
Esconder
É claro que documentos como o Of. 002/TG de 28/02/97, que só chegou ao nosso conhecimento porque foi anexado ao Inquérito Policial Militar (IPM nº 18/97), este instaurado para descobrir quem de dentro da ESA estava vazando informações aos ufólogos, são sigilosos por sua natureza histórica e comprobatória, por isso mesmo não podem ser destruídos, pois assim determina a Lei.
Agora, se o Exército sempre negou seu envolvimento com o Caso Varginha, o que o CEX pode fazer com esse e tantos outros documentos, tão ou mais comprometedores que o OF. 002/TG? Por mais complicado e ilegal que isso possa parecer, a única solução é escondê-los e tentar mantê-los fora no escrutínio da LAI. Foi o que ocorreu em outro caso, pós Operação Pente-fino da CBU, quando deparamo-nos com outro ofício, esse do próprio Comando da 4ª DE endereçado ao Sub-Comando da ESA.
Entretanto, nesse caso do Of. 010/E2 de 24 de janeiro de 1996, que ao que tudo indica é um documento do Serviço de Inteligência do Exército (E2), aparentemente foi tentado uma manobra para esconder os dados sensíveis que estão nos seus anexos. Como se pode notar, os anexos “fichas preenchidas com cartões de autógrafos” deveriam ser fornecidos juntamente com o próprio ofício, mas não vieram.
Recorrido, o CEX primeiramente informou que os anexos “não foram encontrados”, depois que estariam em branco, e por último, só forneceram um exemplo de cada um, sendo que o ofício fala em “200 fichas de pessoal de inteligência e 50 cartões de autógrafos.”
Calar
Em decisão inédita, a CGU mandou que o CEX enviasse a este requerente, no prazo máximo de 15 dias, todo o conteúdo do ofício em questão, incluindo seus anexos, e determinou a instauração de um inquérito para apurar o sumiço de outros documentos sigilosos não fornecidos. Depois de decorrido o prazo e sem o fornecimento do que foi determinado pela CGU, abrimos uma denúncia por descumprimento de decisão, mas até hoje o Exército não nos forneceu as tais fichas.
Simplesmente se calou, o que nos leva a concluir que boa parte do total de fichas e cartões estão preenchidos com informações que a ESA não quer tornar público. Que informações são essas? Por que o silêncio, mesmo sob ameaça de processo administrativo? O que estaria ocorrendo dentro da caserna, e qual o andamento/resultado do inquérito?
Mentir
Para nós ufólogos, a mentira das Forças Armadas a respeito dos UFOs e seus registros nunca foi uma novidade. A própria CBU nasceu para combater essa realidade, em dezembro de 1997. O acobertamento através da mentira e da contrainformação perpetradas pelos governos do mundo já era uma realidade, conhecida desde o início do que se convencionou chamar de “era moderna dos discos voadores”, iniciada ainda em meados da década de 40.
Contudo, no Brasil do século XXI, mentir descaradamente, e em contraposição ao que manda a Lei, é novidade. É o que se pode constatar em outro protocolo recentemente chegado em sua última instância de solicitação: a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), criada pela LAI e atualmente presidida pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa.
O referido protocolo, encaminhado à Casa Civil no início deste mês de setembro, solicita o fornecimento de todos os documentos sigilosos da ESA produzidos em 1996 e 1997 e não liberados após a vigência da LAI. Até chegar nessa 4ª instância, a solicitação cumpriu todos os ritos burocráticos, sempre negados pelo CEX com a afirmação de que tais documentos não existem, pois ou não foram gerados, no caso dos DSCs, ou foram destruídos, pois não possuíam nenhum valor histórico.
Além disso, o Comando da força terrestre acrescenta que “(…) não tem conhecimento de outras instâncias que possuam tais documentos.” A justificativa para a negativa baseia-se na prerrogativa normatizada pela própria CMRI, em sua Súmula n.º 6/2015, que diz que “(…) a declaração de inexistência de informação objeto de solicitação constitui resposta de natureza satisfativa.”
Acontece que essa declaração do CEX, mantida até quando questionado pela CGU em 3ª instância, é totalmente FALSA. As provas estão nos próprios ofícios já mostrados acima, nas fichas e cartões de autógrafos do pessoal de inteligência (E2) não fornecidos, todos carimbados com a mesma classificação sigilosa do Ofício n.º 010/E2: “SECRETO.”
Além dessas provas contraditórias, estão todos os documentos gerados no âmbito do IPM n.º 18/97, instaurado pelo próprio comandante da ESA à época, o Gen. Bda. Sérgio Pedro Coelho Lima. Apesar de não estarem carimbados, todos os ofícios (mais de 30), e demais documentos constantes do IPM encontram-se oficialmente e ilegalmente sigilosos até que sejam disponibilizados aos requerentes, ou por meio do sistema fala.br, ou de moto próprio pelo CEX.
Ciente disso, a CBU aguarda um posicionamento breve da CMRI, e já estuda a impetração de nova solicitação direta à Presidência da República, caso o prazo para respostas a este e a outros recursos constantes nos diversos processos que estão chegando àquela Comissão, se delongue demasiadamente.
Por Fernando Aragão Ramalho
Ufólogo, conferencista, autor de inúmeros artigos, principalmente dentro do contexto militar. Foi coordenador da Comissão Brasileira de Ufólogos ao longo dos anos mais importantes da história da CBU, com ações, inclusive, dentro do Congresso Nacional. Como coeditor da Revista UFO, assinou inúmeros artigos contra o acobertamento ufológico nas páginas da referida publicação. Hoje, Ramalho está de volta tanto a Revista UFO, como a própria CBU e assina com o ufólogo e escritor Marco Petit a presente campanha, específica para o Caso Varginha.
Consultoria jurídica: Dr. Flori Tasca (OAB-PR) e Luiz Azenha (OAB-RJ).
ATENÇÃO: Postagens de Marco Petit, Fernando Aragão Ramalho (e convidados). Compartilhem esse e os outros conteúdos que serão divulgados. Curtam e Sigam a página da campanha.
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