Dos pés descalços pelas ruas de Bauru, interior paulista, às instalações da Agência Espacial Norte-Americana (NASA), muitas vezes flutuando à gravidade zero. Foram anos de estudos e dedicação que possibilitaram a Marcos César Pontes, 43 anos, realizar o sonho de infância de muita gente: ser astronauta. E dos bons. Em 1998, foi selecionado para fazer parte de uma missão da NASA e desde então está em treinamento para o feito. De importância histórica inegável, a escolha do tenente-coronel-aviador da Aeronáutica também levanta um questionamento. Estaria a NASA mais “tolerante” com os simpatizantes da Ufologia? Afinal, desde que Neil Armstrong pisou na Lua, na década de 60, a agência vem se empenhando em desmentir informações e até mesmo relatos de cosmonautas sobre o avistamento de discos voadores no espaço. Ainda assim, admitiu para uma missão o primeiro astronauta brasileiro, que diz abertamente acreditar na existência de vida, inclusive inteligente, em outros planetas e que recentemente passou a integrar os quadros de consultores da Revista UFO. Sinal de novos e bons tempos? Tomara.
A caminho do espaço na chamada Expedição 13 – 100 anos depois do primeiro vôo brasileiro tripulado, por Santos Dumont – Pontes admite que a alta cúpula da NASA acredita na vida extraterrestre. “Até porque a possibilidade de que exista é muito maior do que a de não existir. Conhecemos uma parcela tão ínfima do universo!”, analisa o astronauta. Embora não espere encontrar “homenzinhos verdes” na viagem rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), ele confirma que entre os principais objetivos da instituição está a procura de vida alienígena nos mais variados estágios. “O que posso dizer é que entre os pilares da NASA estão a exploração de novos mundos, descobrimentos científicos e a procura de vida extraterrestre. Está em um documento oficial e, portanto, é um objetivo efetivo”, diz. Pontes reitera, no entanto, que não tem conhecimento de pesquisas com seres de outros planetas que estariam sendo desenvolvidas pela agência espacial. E o que é pior: segundo ele, não há nenhum treinamento específico orientando os astronautas sobre o que fazer na eminência de um contato.
Pontes, contudo, tem uma pronta resposta: “A primeira providência que eu tomaria, se visse um objeto voador não identificado, seria entrar em contado com a base onde está o controle da missão na Terra, para informar o que está acontecendo. Eu não sairia por aí contando o fato por conta própria porque não tenho uma visão completa do impacto disso junto à população. Imagina, isso poderia assustar ou causar algum efeito inesperado. Eu passaria a informação para as autoridades e ali a discutiria. A princípio, acho que essas coisas têm que ser do conhecimento de todos”.
O começo de tudo — Pontes lembra com riqueza de detalhes a infância humilde, que o ensinou a ser forte e a traçar objetivos claros. Aos seis anos assistiu pela televisão, juntamente com o irmão, quando Armstrong pisou na Lua. Primeiramente, duvidou do que seus olhos viam. Mas logo depois, convencido pelo irmão de que era mesmo verdade, não titubeou e disse: “Se ele chegou lá, um dia eu também vou chegar”. A idéia inicial era ser piloto. Em 1981, passou em primeiro lugar no exame de seleção da Academia da Força Aérea (AFA). Foi naquela época que “sentiu”, isso mesmo, teve a intuição de que teria grandes chances de se tornar um astronauta. “Tive a impressão, através de um sexto sentido, que se eu direcionasse minha carreira para aquilo, quem sabe um dia pudesse ser possível”, lembra. E não parou mais. Foi piloto de caça, cursou Engenharia Aeronáutica no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), piloto de testes e, em 1996, se mudou com a esposa e o primeiro de seus dois filhos para Monterey, na Califórnia, para fazer mestrado em Sistemas de Engenharia.
Dois anos depois, foi selecionado entre 40 astronautas brasileiros para um programa da NASA. “Imagine como está se sentindo aquele garoto aprendiz de eletricista só pelo fato de estar participando dessa seleção!”, disse ao entrevistador da agência espacial. A acolhida foi a melhor possível e o dia-a-dia na nova vida, cada vez mais puxado. A rotina de trabalho de Pontes inclui vôos na aeronave T-38 Talon, com atividades de ejeção, treinamento de sobrevivência em terra e na água, realizados também na neve e em submarinos, aulas em simuladores sobre sistemas do ônibus espacial e estudo de diversas áreas da ciência relacionadas à atividade espacial e cargas úteis – como astronomia, geologia, aerodinâmica, mecânica orbital, mecânica de vôo, biologia, ecologia, meteorologia, atendimento médico de emergência, microgravidade e sensoriamento remoto. Há ainda atividades técnicas, com base no currículo individual. No caso de Pontes, que é engenheiro aeronáutico, são realizados testes específicos, geralmente relacionados à construção da Estação Espacial Internacional, projeto do qual vem participando juntamente com representantes de outros 15 países. O ritmo de treinamento foi se intensificando e a tensão aumentando, já que a data de lançamento do ônibus espacial que levará Pontes ao espaço foi adiada diversas vezes.
“Foram vários problemas, todos ligados a assuntos técnico-administrativos. A gente sempre enfrenta dificuldades com o orçamento na NASA”, revela. Quando foi admitido na agência espacial, em 1998, a previsão era que Pontes voasse em 2001, com o Express Pallet, desde que o governo brasileiro se comprometesse a fornecer um pacote de seis peças a serem anexadas à ISS, incluindo as janelas e os suportes para as câmeras que fotografariam a superfície terrestre, o que não aconteceu. A NASA, então, prorrogou o prazo para 2003, que também não foi cumprido. O Brasil simplesmente não conseguiu estabelecer um acordo viável com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), que fabricaria os instrumentos. Cogita-se que o país tenha perdido R$ 50 milhões em tentativas mal-sucedidas de construir as peças, já que não teria tecnologia suficiente para tal. “O preço cobrado para a produção de uma única peça seria maior do que o orçamento que havíamos previsto para seis unidades. Como a NASA dependia das peças e já tinha contratos firmados com algumas companhias e instituições para a realização de experimentos, tudo teve que ser cancelado e foi preciso procurar outro fornecedor, explica o astronauta. Depois disso, e com a credibilidade arranhada, o Governo Federal começou uma renegociação com a agência espacial, mas deixou de ser prioridade.
Jeitinho brasileiro — Foi somente com muita diplomacia, e com a decisão brasileira de investir US$ 10 milhões [R$ 21,8 milhões] para compensar os prejuízos causados p
elo não cumprimento do acordo, que o Brasil conseguiu garantir a participação na construção da Estação Espacial. Para Pontes, contudo, fomos escolhidos pelos representantes dos 15 países membros do programa “por nossa capacidade e competência técnica”. Para ele, a maior parte dos investimentos deve ser feita exclusivamente em nosso país. E estamos falando em cerca de US$ 80 milhões [R$ 174,4 milhões], montante que o Programa Espacial Brasileiro deve aplicar na indústria aeroespacial nos próximos anos. Valor que, na avaliação de Pontes, será compensado pelos avanços tecnológicos que fomentarão a indústria e a economia. “Para colocar uma simples xícara no espaço, temos antes que desenvolver materiais adequados que suportem sua reentrada na Terra. Com isso, vão aparecer indústrias especializadas em fabricar tal metal. E se for resistente suficiente para suportar a reentrada, poderá servir para fabricar pinos para implantes em ossos, por exemplo, entre outras coisas”, diz.
Nessa corrida para desenvolver novos e mais eficientes produtos, as empresas vão precisar investir em qualificação profissional, o que, na opinião de Pontes, contribuirá para o desenvolvimento econômico e a geração de empregos. O astronauta também é otimista quanto ao desenvolvimento de uma estrutura espacial genuinamente tupiniquim. É nesse aspecto que a participação dele a bordo da espaçonave russa Soyuz TMA-8 pode desbravar novos caminhos e incentivar a formação de pesquisadores, técnicos, pilotos e astronautas. Segundo Pontes, é somente a ponta do iceberg. “Precisamos atingir uma maior consciência quanto ao programa espacial no Brasil, principalmente entre os jovens. São eles que vão aproveitar os caminhos que estão sendo abertos agora”.
Na contramão das intenções do astronauta – as declaradas são as mais nobres possíveis – e das manifestações de apoio à participação brasileira na missão, estão as críticas de quem questiona os benefícios práticos de tal empreitada. José Monserrat Filho, membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial, contesta a importância dos experimentos que serão realizados por Pontes. “O problema desses experimentos reside muito menos nos seus propósitos, que não deixam de ser meritórios, do que no fato de eles não estarem inseridos no contexto do Programa Espacial Brasileiro. É como se servissem apenas para justificar a missão”, disse em entrevista à revista Veja. O físico Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), afirmou à mesma publicação: “O valor científico dessa viagem é quase nulo. Os experimentos programados não trarão avanços para a ciência a ponto de justificar o investimento”.
Já o novo diretor do Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial, antigo Centro Técnico Aeroespacial (CTA), tenente-brigadeiro-do-ar Carlos Augusto Leal Velloso, afirmou recentemente à Folha de S. Paulo que a viagem de Pontes ao espaço é “questão de marketing” e que a experiência “não trará nenhum avanço científico para o Brasil”. Mas ponderou que gastar cerca de US$ 10 milhões com o lançamento do primeiro astronauta brasileiro é melhor do que “pagar mensalão” e ainda servirá para divulgar o Programa Espacial Brasileiro. Em carta à redação do jornal, Velloso desmentiu as declarações, dizendo que “o termo ‘marketing’, atribuído a mim, foi retirado do contexto em que foi expresso, ganhando uma conotação totalmente diferente. Na verdade, o objetivo dos comentários, durante entrevista que concedi a este e a outros órgãos de imprensa presentes, foi o de destacar como a realidade do vôo do primeiro astronauta brasileiro facilitou a visibilidade de todo o Programa Espacial Brasileiro”. Há ainda quem questione o seguro de vida de US$ 1 milhão [R$ 2,18 milhões] pago pelo governo brasileiro em benefício da família do astronauta.
Alheio à polêmica, Pontes se dedica aos últimos preparativos para a missão e arrisca uma descrição de como será a decolagem. “Finalmente, depois de tantos anos de luta, estamos prontos. Hora de seguir o destino. Apertos de mão. Abraço forte. Caminhamos juntos. Andar com o sokol [Macacão de vôo] não é confortável, mas, nesse dia, o peso gigantesco que carreguei nas costas pelos últimos oito anos ficou para trás. A expectativa de milhões de brasileiros para que eu realizasse esta primeira missão espacial para o país está sendo satisfeita”, afirma o brasileiro em artigo escrito de próprio punho.
Decolagem prevista — No dia 30 de março, a nave russa Soyuz TMA-8 parte do Cazaquistão, país que fez parte da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e que hoje possui um dos principais centros de lançamentos de ônibus espaciais do planeta. A data prevista para a decolagem, no entanto, ainda pode ser alterada. Junto do brasileiro Pontes estarão o cosmonauta Pavel Vinogradov e o astronauta Jeffrey Williams. A Expedição 13 tem funções bem definidas: Pontes conduzirá testes com microgravidade [Veja box], entre os quais um da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que mostrará o impacto da gravidade no desenvolvimento de uma planta tropical. Já Vinogradov e Williams vão implementar novas tecnologias para facilitar recepções mais corriqueiras dos ônibus espaciais. A equipe deverá ainda “devolver a ordem normal à ISS”, abalada desde a explosão da nave Columbia, em 2003. Foi exatamente assim que a RosKosmos, a agência espacial russa, apresentou a missão à imprensa no começo do ano. Dos três tripulantes da Soyuz, Pontes é o mais inexperiente, e realiza seu primeiro vôo.
A estada dele no espaço será curta, de apenas oito dias, já que o astronauta deve retornar à Terra junto da tripulação da Expedição 12, com o norte-americano Bill McArthur e o cosmonauta Valery Tokarev. E mesmo cercado de estrangeiros, o paulista de Bauru diz que não se sentirá sozinho. Levar
á consigo réplicas do chapéu e do relógio de pulso de Santos Dumont. “Será uma excelente oportunidade de, além de homenagear o centenário do vôo do 14-Bis, fazer propaganda dos nossos méritos, como os americanos fazem propaganda dos irmãos Wright [A quem os norte-americanos atribuem a invenção do avião]”, brinca o astronauta.