Apesar da tão prometida e tantas vezes anunciada operação de resgate da humanidade ainda não ter ocorrido, a fé em torno de Ashtar Sheran não se arrefece pelo fato de que, entre seus seguidores, não faltam aqueles que o consideram como um ser que já transcendera o plano físico, estando, portanto, menos preocupado com nossa salvação física do que propriamente espiritual. No polo extremo, ufólogos radicais acusam os seres do tipo grays [Cinzas] e os chamados draconianos de estarem projetando hologramas de entidades como Ashtar para levar as pessoas a acreditarem que estão contatando um ser de luz ligado ao foco crístico, o que muitas vezes é um engano.
Deixando de lado essa polêmica, pretendo aqui abordar o mito Ashtar Sheran não como um simples nome próprio ou código para uma suposta operação de resgate, que contaria com a participação de entidades ligadas aos exilados na Terra, e sim como arquétipo de um tipo tão poderoso quanto às demais imagens psíquicas do inconsciente coletivo, comuns a todos nós. Considero que a melhor maneira de começar a fazer isso é falando da egrégora — do grego egregoren, que se traduz por velar —, uma unidade hierarquizada, movida por uma ideia-força. A reunião de entidades terrestres e supraterrestres [De acima da Terra] constitui, portanto, uma egrégora.
No apócrifo Livro de Enoque, consta que os anjos que haviam jurado velar sobre o Monte Hermon teriam se apaixonado pelas filhas dos homens, ligando-se por mútuas execrações. Egrégora também designa a força gerada pelo somatório de energias físicas, emocionais e mentais de duas ou mais pessoas, quando se reúnem e se põem em uma faixa sintonizável para qualquer finalidade — o que é o caso das canalizações das mensagens de Ashtar Sheran. Todos os agrupamentos humanos possuem suas egrégoras características. É como se fosse um filho coletivo produzido pela interação genética das diferentes pessoas envolvidas. Se não conhecermos o fenômeno, as egrégoras vão sendo criadas a esmo e seus criadores tornam-se logo seus servos, já que são induzidos a pensar e a agir sempre na direção dos vetores que caracterizaram a criação dessas entidades gregárias. Serão tanto mais escravos quanto menos conscientes estiverem do processo. “Se conhecermos sua existência e as leis naturais que as regem, tornamo-nos senhores dessas forças colossais”, já dizia o mestre De Rose.
Sigmund Freud foi um dos primeiros a tratar dos mitos endopsíquicos [Conflitos internos] em ensaios que procuravam diminuir a distância entre os estudiosos de assuntos como a antropologia social, a filologia e o folclore, por um lado, e os psicanalistas, por outro. Nesse sentido, é preciso reconhecer que certos tabus nunca deixaram de vigorar entre nós. Embora expressos sob uma forma negativa e dirigidos a outro objeto, não diferem, em sua natureza psicológica, do imperativo categórico de Kant, que opera de uma maneira compulsiva e rejeita quaisquer motivos conscientes. O totemismo, um poderoso instrumento simbólico do clã para reger o sistema de parentesco, regulando os matrimônios com a intenção de preservar o tabu do incesto, por sua vez, foi há muito tempo relegado e substituído por formas institucionais mais modernas.
O inconsciente coletivo
Algo que se aproxima do sistema classificatório pode ser encontrado entre nós, quando as crianças são incentivadas a referir-se aos amigos dos pais como tio ou tia, ou, quando falando num sentido metafórico, dizemos “irmãos em Apolo” ou “irmãs em Cristo”, e até mesmo “irmãos em Ashtar”. Essa necessidade do ser humano de procurar identidade com grupos afins é que faz surgir as egrégoras e os mitos. O foco central deve ter ser o problema da morte. O homem primitivo não a encarava como algo natural e almejava o prolongamento indefinido da vida, a imortalidade. Somente muito tempo depois é que a ideia da morte começou a ser aceita, mesmo assim com hesitação e ressalvas. Carl Jung já dizia que “o ponto nevrálgico das religiões é oferecer subsídios de tranquilização sobre o problema da morte”. Estaria aqui a resposta para o mito Ashtar Sheran, já que ele, sendo verdadeiro ou não, é capaz, na condição de arquétipo, de aglutinar as pessoas nesse ponto central, aplacando-lhes o desamparo e fortalecendo sua realidade com cores que lhes satisfaçam o ego?
É como se fosse um filho coletivo produzido pela interação genética das diferentes pessoas. Se não conhecermos o fenômeno, as egrégoras vão sendo criadas a esmo e seus criadores logo se tornam seus servos, induzidos a pensar e a agir
A teoria pela qual Jung mais se notabilizou é a do inconsciente coletivo, que foi adotada somente por algumas escolas psicológicas. De acordo com o grande psiquiatra suíço, o inconsciente coletivo não deve sua existência a experiências pessoais — ele não é adquirido individualmente. Jung faz a distinção: o inconsciente pessoal é representado pelos sentimentos e ideias reprimidas, desenvolvidas durante a vida de um indivíduo. O inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, ele é herdado. É um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhadas por toda a humanidade. O inconsciente coletivo é, ainda, um reservatório de imagens latentes, chamadas de arquétipos ou imagens primordiais, que cada pessoa herda de seus ancestrais. A pessoa não se lembra das imagens de forma consciente, porém herda uma predisposição para reagir ao mundo da maneira que seus ancestrais faziam. Sendo assim, a teoria estabelece que o ser humano nasce com muitas predisposições para pensar, entender e agir.
Patologias mentais
Os arquétipos presentes no inconsciente coletivo são universais e idênticos em todos os indivíduos. Estes se manifestam simbolicamente em religiões, mitos, contos de fadas e fantasias. Entre os principais arquétipos estão os conceitos de nascimento, morte, Sol, Lua, fogo, poder e mãe. O antropólogo Joseph Campbell, que foi bastante influenciado por Jung, asseverava que o que estamos procurando é a experiência de estarmos vivos, de modo que nossas vivências no plano puramente físico tenham ressonância no interior de nosso ser, fazendo com que realmente sintamos o enlevo de estar vivos. Para Jung, se lográssemos recapturar nossas mitologias, decifraría
mos vários dos enigmas de nosso tempo — quiçá, até dos UFOs, assunto ao qual se dedicou apaixonadamente —, exorcizaríamos vários fantasmas e demônios que nos atormentam e nos reconciliaríamos com a morte, aprendendo a aceitá-la. E assim, finalmente, superaríamos nossas patologias mentais e não precisaríamos mais recorrer a entidades salvadoras de nenhum tipo.
Ashtar e a busca de respostas imediatas para a Ufologia
Ashtar Sheran representa, através de muitos de seus divulgadores e aficionados, o ícone do realizável, a busca da resposta fácil, simplificada e imediata, em contraposição à toda problemática dos discos voadores, que se arrasta pelos tempos, do passado ao contemporâneo. Suas missivas traduzem o que seus seguidores almejam intensamente escutar e anseiam dentro de si há muito tempo. Não existem complexidades insolúveis em suas alegadas mensagens. Elas são fáceis de compreender e não encerram enigmas em que o aspirante necessite dedicar anos de estudo para tentar desvendá-los. Esse é justamente um dos pilares psicológicos que mantém sua crença em pé e atrai inúmeros entusiastas. Seus seguidores não buscam alimentar o incompreensível, mas sim obter respostas imediatas, soluções práticas, direções a seguir e rumos a serem traçados. Em todas as áreas do saber, os indivíduos estão cada vez mais à procura de um guia, de uma bússola em suas vidas — e na Ufologia não seria diferente.
Ashtar vem preencher essa lacuna para um público que não está interessado verdadeiramente na classificação dos objetos não identificados ou no critério e cautela com que são desenvolvidos os trabalhos de investigação ufológica. O Ashtar Sheran no papel de guia proporciona o delivery das soluções por canalização, num enredo que somente categoriza o identificado, o algo simplista, onde já se articula uma pretensa solução para os problemas existenciais e morais ao indivíduo. Geralmente, a crença em Ashtar é tão enraizada nas concepções dos entusiastas que estes se apresentam como se já estivessem um passo à frente da humanidade, ainda ignorante por não conhecer suas mensagens. Tal comportamento pode ser fruto do chamado Projeto Evacuação Mundial, criado por seus adoradores e que prega a ocorrência de um gigantesco resgate sob comando de Ashtar, feito através de inúmeras naves espaciais que levariam apenas os “escolhidos”, salvando-o da destruição iminente da Terra. A conclusão que podemos extrair disso é que a Ufologia ainda permanece submersa em mistérios e que todas as tentativas simplistas e de pronta entrega de soluções e orientações sobre o Fenômeno UFO, atribuídas ao proclamado comandante celestial Ashtar, não surtiram efeito para desbancar a incredulidade e o bom-senso dos ufólogos sérios. — Alexandre de Carvalho Borges