Responda o leitor, rapidamente: em que lugar do mundo é possível fazer-se um evento reunindo debaixo do mesmo teto um umbandista e um físico, um monge beneditino e um ufólogo, um astrólogo e um padre presbiteriano, um índio xavante e um xamã, um parapsicólogo e um espírita, um bruxo e um hare krishna, todos para discutirem abertamente questões que vão de A a Z na vasta enciclopédia do que já se convencionou chamar de paraciência?
Acertou o leitor que respondeu Campina Grande, uma cidade universitária e próspera a cerca de 120 km de João Pessoa, na Paraíba. Mas certamente não serão muitos os leitores que decifrarão a charada, especialmente aqueles que residem fora daquele Estado nordestino que consegue a proeza. Encontro para a Nova Consciência é o evento em questão, que vem sendo realizado por uma valorosa e obstinada equipe de funcionários e voluntários da Prefeitura Municipal da cidade, com escassos recursos e suado apoio conquistado com o que chamam de lobby da nova era junto ao governo do Estado. Fora dele, infelizmente, muito pouca gente sabe que o evento acontece.
O Encontro ocorre todos os anos, sempre durante o Carnaval, enquanto o Brasil inteiro vira um grande Sambódromo. Neste ano, realizado de 12 a 16 de fevereiro, a oitava edição do evento reuniu cerca de 40 expositores dos mais diversos e variados temas, numa verdadeira maratona intelectual onde os conferencistas se revezavam no palco de um teatro principal e outros auditórios espalhados pela cidade, um a cada hora. Um público superior a cinco mil pessoas simplesmente abandonou as festividades que têm o Rei Momo como sumo pontífice e dedicou-se a esbaldar-se num verdadeiro banquete espiritual, como é definido o evento por seus próprios participantes.
Um universo de personalidades compareceu ao encontro – algumas celebridades nacionalmente reconhecidas, outras desconhecidas do grande público, mas verdadeiramente atuantes no movimento nacional de conscientização para os assuntos que o conclave proclama. A começar pelo mestre “sem” cerimônia Pedro Camargo, professor de cinema carioca e editor da extinta revista Ano Zero, que abriu as atividades e as conduziu por todo o evento. Desde a noite de sexta-feira, véspera de Carnaval, até a manhã de cinzas, Camargo apresentou à platéia o que melhor há no pensamento holístico em nosso país.
Ecumenismo – Rose Marie Muraro, escritora e editora at large da Record, mostrou todo o brilhantismo de sua consagrada carreira ao fazer a palestra inaugural, abordando um tema mais que oportuno neste exato momento da vida brasileira: Uma avaliação do milênio. Não esteve sozinha na inauguração dos trabalhos: o bispo de Campina Grande – católico – dom Luiz Gonzaga Fernandes dividiu o momento com o pastor – presbiteriano – Nehemias Marien. O que os dois têm em comum? Ambos são considerados grandes pensadores dentro de suas doutrinas e repartem entre si, e com todos os demais conferencistas, uma idéia ecumênica das ansiedades que nos aproximam do Terceiro Milênio.
Temos que confiar mais na intuição humana e buscar dentro de nós próprios as respostas que nossas autoridades não nos dão – Rose Marie Muraro
O primeiro grande momento do conclave ocorreria logo no dia seguinte, com uma mesa redonda discutindo o tema Cultura em tempos de crise. Dela participaram o próprio Camargo, Waldemar Falcão, um dos astrólogos mais precisos do Brasil, Luis Pellegrini, ex-editor da revista Planeta e um dos precursores do movimento paracientífico no Brasil, e os escritores Ricardo Kelmer, Nelson Liano e Walter Galvão. Com tal leque de escolas de pensamento representadas na oportunidade, ficou evidente que nos tempos presentes de grave crise por que passa o Brasil, a cultura é um dos patrimônios nacionais que mais sofre. Só não padece mais que a chamada contracultura, ou seja: os movimentos holísticos e paracientíficos que buscam alternativa para a compreensão da natureza e função do homem sobre o planeta – justamente aquilo que se buscou em Campina Grande.
Rose Muraro, escritora que já vendeu mais de meio milhão de livros no país e hoje é grande impulsionadora das contraciências – nelas incluída a Ufologia -, avaliou que o milênio se encerra com saldo positivo para a Humanidade, evidentemente considerando-se as diferenças de época. Mas ao despedir-se dentro de alguns meses, deixa uma inquietação latente no ser humano. “Temos que confiar mais na intuição humana e buscar dentro de nós próprios respostas que nossas autoridades não nos dão”, disse a autora e física. “A transformação que buscamos, o esclarecimento interior que ansiamos, não está em lugar algum senão em nós mesmos”, arrematou. Por aí dá para se ter uma idéia do que foi o Encontro.
Nos dias que se sucederam, sumidades da vida intelectual nacional surgiram nos palcos de Campina Grande, ora no Teatro Municipal (que acomoda 700 pessoas), ora nos demais auditórios alocados para o evento – que teve mais de três dúzias de acontecimentos paralelos, entre eles um inusitado Encontro Paraibano de Profissionais do Sexo e um eclético Encontro Nacional do Santo Dai-me. Além desses tópicos, Astrologia e Astronomia tiveram sua vez e quase seus praticantes se entenderam, índios de diversas nações se encontraram com xamãs cara-pálida, fitoterapeutas defenderam a natureza junto a integrantes da Fé Baha\’i, religiosos de todas as mais variadas tradições sentaram-se à mesma mesa com técnicos do governo, etc.
Grandes seres humanos brindaram a platéia com grandes ensinamentos. O eterno professor Hermógenes foi um deles. Nome que se confunde com a história da prática da Yoga no Brasil, o professor, de forma alguma combalido por sua avançada idade, deu lições de vida ao apresentar sua palestra Saúde-se. No campo das terapias alternativas e Medicina não tradicional, a mestre em Reiki Luciana Carvalho, o professor de Biodança Sifrônio Lima, e o médico homeopata Marcus Cavalcanti dividiram espaço com fitoterapeutas, psicólogos, praticantes de Feng Shui e de Tai Chi Chuan. Juntos, mostraram que as doenças que afetam o homem são mais psíquicas do que somáticas.
Bruxaria High Tech – As bruxas tiveram destaque especial no Encontro – e não poderia ser diferente, já que essa ruidosa categoria conquista cada vez mais espaço mostrando alternativas inusitadas, mas eficazes, para preencher o vazio individual que cada ser humano carrega. As bruxas Márcia Frazão, Carminha Levy e Helena Rêgo dividiram com Rose Muraro uma mesa redonda que assustou os incautos – cada vez mais escassos em Campina Grande: O poder das bruxas. Um público atencioso e cativo assistiu às curiosas argumentações dessas personalidades que abandonaram a vassoura e praticam uma modalidade bem mais high tech de bruxaria.
Num evento deste porte, com tantos conferencistas representando quase meia centena de disciplinas, a Ufologia não poderia ficar de fora. E não ficou. Uma conferência sobre o tema foi oferecida ao público pelo editor de U
FO A. J. Gevaerd. Discos voadores: confronto ou cooperação foi o título do trabalho, que abordou em detalhes os pontos positivos e negativos da contínua aproximação de extraterrestres ao nosso planeta. Num conclave desse porte, a Ufologia foi considerada imprescindível. “A busca das respostas que satisfazem nossa condição humana e nos interliga ao Cosmos passa, irremediavelmente, pela consideração de que outras civilizações estão há milênios interagindo conosco. “
A Ufologia também mereceu dois eventos paralelos ao Encontro: um curioso, mas justificado Encontro Mundial de ex-Ufólogos e um tradicional Encontro Paraibano de Ufologia Científica. No primeiro, o advogado Elianildo Nascimento e o psicólogo Jorge Dellane Brito, ambos componentes da organização do evento, expuseram brilhantes palestras sobre aspectos da Ufologia que muitos ufólogos preferem não abordar. Ambos são ex-ufólogos assumidos e na ativa – ou seja, desenvolvem atividades correspondentes a ex-adeptos da disciplina [Veja edição UFO 63] – buscam uma forma diferente de encarar a presença alienígena na Terra. “É evidente que há discos voadores e seus tripulantes buscam algo na Terra, mas temos que considerar que muito pouco do que se atribui a UFOs pode ser de fato comprovado”, diz Elianildo, um veterano que abandonou a Ufologia por julgar que a disciplina se envolveu numa atmosfera pouco produtiva.
Dellane, que foi presidente de uma ativa entidade de Ufologia nordestina, hoje extinta, apresentou como tema psicopatologia da Ufologia cotidiana. Irreverente, mas sensato. Dellane condena o clima que prevalece no meio ufológico atual e busca mostrar que a Ufologia tornou-se, para desespero dos assumidos ex-ufólogos, um meio de afirmação religiosa e social de muitos indivíduos. “O propósito da pesquisa dos discos voadores está contaminado por preconceitos pessoais e conflitos emocionais de muitos de seus praticantes”, afirmou. A Revista UFO concorda totalmente. Já no Encontro Paraibano de Ufologia Científica houve um resgate da vasta e rica fenomenologia detectada na Paraíba e tema da reportagem central da última edição de UFO. Aguardados para apresentarem seus trabalhos, os ufólogos Jaêmio Carneiro, de João Pessoa, e da Equipe de Pesquisas Ufológicas de Guarabira (EPUG) não compareceram. Foi uma pena, pois se esperava a revelação de novidades sobre a casuística que cerca a cidadezinha do norte do Estado, envolta numa onda ufológica que já tem vários anos e que o resultou na filmagem de vários discos voadores na região.
Os jovens e entusiastas do Centro Paraibano de Ufologia (CPB) deram verdadeira demonstração de seriedade e empolgação ao apresentarem um resumo de suas investigações de importantes casos paraibanos – todos mostrados em primeira mão ao Brasil em UFO 63. Carlos Alessandro Felix, Eloir Fuchs e Emerson Magno mostraram à platéia do Museu Vivo de Ciência e Tecnologia que a casuística do Estado está entre as mais ativas do Brasil.
Banquete Espiritual – Mostrando a tendência da Ufologia dos dias de hoje, que consagra os talentos individuais de cada investigador, preferencialmente aos seus eventuais títulos acadêmicos, uma divertida dupla de integrantes do CPB deu sua contribuição ao tema: os palhaços Chuvisco e Tic Tac, respectivamente Cláudio Quintans e Maria do Socorro Carvalho. Ufólogos de mão cheia participaram das grandes investigações de casos paraibanos e mostraram ter grande competência. “Ufologia pode e deve ser praticada por todo mundo”, disse Alessandro Felix. “O importante é a pessoa ter sido tocada pelo assunto e possuir uma paixão por vê-lo seriamente examinado”, complementou Emerson. De fato, Chuvisco e Tic Tac preenchem ambos e muitos outros requisitos.
Durante o Encontro, houve de tudo além de palestras, debates e mesas redondas. Artistas “convencionais”, se é que se pode chamar assim alguém que participa de um evento desses, e outros “de nova era” deram cores e sons à maratona ecumênica que consagra Campina Grande como a capital de tal força no Brasil e – por que não? – no mundo. Shows de dança, coreografias originais, músicos de variadas tendências invocaram a harmonia do espetáculo, lado a lado com cantos persas e hindus, afro e xamãnicos. Foi uma festa. Uma festa para o corpo, para a mente e, principalmente, para o espírito. A Prefeitura da cidade está de parabéns, assim como o governo do Estado e cada um dos que tomaram parte desse banquete espiritual. O Encontro de Campina Grande deve ser celebrado como um dos melhores produtos da cultura brasileira.