Através do Grupo de Estudos Ufológicos (GEU), vinculado ao Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília, pude construir, como exercício antropológico para minha habilitação em Antropologia, uma leitura da Ufologia como movimento social. Parto da perspectiva do indivíduo que tem uma experiência incomum e pretendo chegar ao social de um grupo bastante amplo de indivíduos com experiências em comum, do qual, de alguma forma, todos representam uma amostra significativa e heterogênea. Cada um de nós possui uma experiência frente ao fenômeno ou à idéia que ele sugere.
Assim, para irmos logo ao ponto, lembraremos o espanto daqueles que – com relação ao fenômeno ou à informação sobre ele – perguntam com apetite de quem quer saber mais: O que é isso? O que está fazendo aqui? De onde isso vem? Ou ainda, o espanto de quem pergunta como aquele que viveu e sempre aceitou viver a mais completa solidão terrena: Mas UFOs e discos voadores existem mesmo?! Serão estes objetos naves tripuladas originárias do espaço exterior?
Esses questionamentos, entre outros, podem surgir no início de toda experiência de contato, seja com a informação ufológica, seja com o próprio fenômeno, os quais aqui consideraremos no conjunto como informação ufológica. A existência dessas dúvidas é o que qualifica a experiência como impactante. Quanto ao primeiro conjunto de perguntas, trata-se de questionamentos sobre algo externo ao indivíduo. E são estas primeiras perguntas que levam o indivíduo a um segundo estágio de questionamentos sobre ele mesmo: Quem sou eu? O que eu estou fazendo aqui? De onde venho e para onde vou [Terra ou outro planeta, outra condição de existência]?
Essa seria uma tentativa de encontrar explicação para um problema universal que sempre esteve presente no conjunto das interrogações humanas. Questões tornadas mais evidentes com o pós-guerra, nos últimos 50 anos. Essas interrogações são desencadeadas face à informação ufológica. Então, vamos definir melhor o que entendemos aqui como informação ufológica. Não se trata apenas de simples informações jornalísticas, no mais das vezes sensacionalistas, nem tampouco apenas da informação obtida via contato direto com seres alienígenas. Esta última sempre associada à interpretação dos UFOs como veículos através dos quais chegam à Terra seres de outras origens espaciais.
INFORMAÇÃO UFOLÓGICA – Vamos entender informação ufológica como o conjunto das informações relativas ao tema, desde as jornalísticas, passando pelas especializadas veiculadas por boletins e revistas ufológicas, vídeos especializados, sem esquecer a influência da indústria cinematográfica e dos programas de televisão sobre o tema, das informações compartilhadas via Internet, até os contatos diretos com os UFOs enquanto fenômeno e enquanto objeto da experiência direta dos contatados. Consideremos então como informação, também, quaisquer experiências que possam ser classificadas como contato de 0 a 5° graus, ou que possam dar origem a outras tabelas de classificação.
Para dar conta conceitualmente dessa inquietação inicial, da fase do espanto, utilizo o conceito de rito de passagem, de Van Gennep. Este conceito é utilizado pela Antropologia no estudo de momentos especiais nos quais o indivíduo muda de status ou condição social. Nesse caso, ele nos ajuda a ver, no plano das relações sociais, as mudanças que ocorrem com o indivíduo que assume de forma simpática o fenômeno, passando a falar dele e relatar suas experiências e reflexões. A forma como esse indivíduo muda de lugar ou de posição social. O antes e o depois do contato com o tema. Como ele é julgado por seus familiares e amigos e pela sociedade em geral.
REINTEGRAÇÃO SOCIAL – Quem fala de UFOs em nossa sociedade o faz, no mínimo, porque não tem do que falar e quem os vê, então, não está muito bem da bola. Tais julgamentos fazem com que o indivíduo se afaste de discussões sobre o assunto com seus grupos sociais primários. Com isso ele se marginaliza. Porém, cedo ou tarde, vai procurar sua reintegração social, seja reconciLiando-se com os grupos primários originais ou em novos grupos nos quais suas idéias são aceitas. A marginalização nesse caso se constrói a partir dos grupos sociais primários que isolam o indivíduo, deixando-o nessa condição. Porém é também um recurso utilizado por aquele que teve o processo desencadeado.
Ou seja, passa a ser uma condição de recolhimento utilizada pelo indivíduo para analisar a situação em que se encontra, as alterações de referenciais que estão surgindo, podendo ele retomar ou desistir de um processo de busca de respostas. Vejamos como Victor Turner comenta Van Gennep sobre o conceito de rito de passagem.
Diz ele: “O próprio Van Gennep definiu os ritos de passagem como \’ritos que acompanham toda mudança de lugar, estado, posição social de idade\’. Para indicar o contraste entre estado e transição, emprego estado, incluindo todos os seus outros termos. E um conceito mais amplo do que status ou função, e refere-se a qualquer tipo de condição estável ou recorrente, culturalmente reconhecida.
“Van Gennep mostrou que todos os ritos de passagem ou de transição caracterizam-se por três fases: separação, margem (ou limen, significando limiar em latim) e agregação. A primeira fase (de separação) abrange o comportamento simbólico que significa o afastamento do indivíduo ou de um grupo, quer de um ponto fixo anterior na estrutura social, quer de um conjunto de condições culturais (um estado), ou ainda de ambos. Durante o período limiar de intermédio, as características do sujeito ritual (ou transitante) são ambíguas; passa através de um domínio cultural que tem poucos, ou quase nenhum, dos atributos do passado ou do estado futuro. Na terceira fase (reagregação ou reincorporação), consuma-se a passagem”.
O rito de passagem também pode ser percebido em várias etapas posteriores a este primeiro momento. A experiência ufológica como experiência inicial impactante é geradora da curiosidade que impulsiona o indivíduo a um processo de busca. Ambiente social original é o ambiente no qual estejamos vivendo no momento que antecede o estado de curiosidade sobre o tema ufológico, o grupo doméstico, nosso círculo de amizade, enfim, os grupos sociais primários já mencionados.
PERCEPÇÃO DA REALIDADE – Consideramos que, em relação ao que vem a seguir, o indivíduo vive com um modelo tradicional de percepção da realidade. Ou seja, uma forma de ver o mundo que fora aprendida e &eacut
e; compartilhada de alguma maneira pelos grupos primários que se relacionam com ele, como família e amigos próximos com os quais se socializou. Consideramos experiência ufológica desde a mais simples informação sobre o fenômeno, até o contato direto com naves e tripulantes. Entendemos que o indivíduo pode ou não se sensibilizar com a experiência ufológica. Isto é, qualquer que seja esta experiência ela pode ou não ser impactante. Definimos agente sob impacto os indivíduos que por alguma razão se sensibilizam, sentem-se impactados com a experiência ufológica.
Ao se impactarem, movidos por uma curiosidade incomum, lançam-se em busca de mais informações. Mas por que esta é uma curiosidade incomum? Porque ela vai desencadear um processo de mudanças de referenciais. O modelo tradicional de compreensão do mundo não será mais o mesmo. O indivíduo ou agente sob impacto da experiência ufológica ou informação ufológica iniciará seu processo de busca. Lembrando que essa experiência ou informação leva o indivíduo à reflexão, no mínimo, sobre a possibilidade de existência de um outro ser inteligente e com origem diferente da sua origem planetária.
E a primeira fase desse processo de busca se configura como um rito de passagem – passagem de uma condição de alheio a todas as questões que o fenômeno enseja à condição de interessado nessas questões. É esse interesse e busca de satisfação da curiosidade individual que impulsionarão indivíduo ao processo de busca. Ele passará à condição de iniciante, na medida em que ele transpõe esse primeiro umbral que se configura como um rito de passagem.
É uma iniciação que possui seus riscos. E o primeiro risco está representado na possibilidade de ele não conseguir a sua reintegração social junto aos grupos primários, de suas idéias e concepções não serem aceitas ou minimamente respeitadas, no seio da família, amigos e colegas. Se o indivíduo assume esses riscos, o processo se desdobra, caso recue, o processo se interrompe ou toma uma conformação diferente. Estamos a considerar os agentes que levam adiante o processo de busca e assumem os riscos desse processo. Dessa forma, podemos visualizar o processo como um todo.
Nesse caso o agente sob impacto deve conseguir encontrar uma forma de conviver com os inevitáveis rótulos de visionário, maluco etc. Daí a utilidade e necessidade do também inevitável momento de margem. Sua nova interpretação do mundo defende o Fenômeno UFO e a possibilidade de estarmos sendo visitados por seres extraterrestres. Falar sobre o tema só em certos ambientes e para algumas pessoas, essa é a regra imposta pelo estado em que se encontra. Se sua família e amigos são resistentes à sua nova interpretação e visão de mundo, ele se separará desses grupos, pelo menos com relação a esse assunto. E nesse caso, é claro, houve perda. Mas isso faz parte do risco assumido anteriormente. Então o indivíduo vai procurar as pessoas que aceitam suas idéias, que compartilhem de alguma forma de seus questionamentos.
Este é um momento de profunda reflexão. O indivíduo está decepcionado com os grupos sociais mais próximos dele. Sente-se proibido de falar de um assunto que lhe causa grande inquietação, um assunto de grande importância para ele. Ou seja, por causa de sua nova visão de mundo, ele foi criticado, foi excluído, serviu-se à chacota dos amigos, e resolveu, para evitar maiores constrangimentos, não falar mais sobre seu ponto-de-vista naquele meio.
Então, retrospectivamente vejamos, o indivíduo se separa num primeiro momento quando constata a resistência ao tema. No momento seguinte, quando tem oportunidade de fazer a sua reflexão e análise, ele toma consciência de sua situação, assume a condição de margem (2º momento), de busca individual. Por ser um indivíduo relacional, precisa compartilhar suas experiências e reflexões, e vai procurar outros com quem fazer isso. É a fase de agregação (3º momento) do rito de passagem, que vem logo a seguir, com o encontro de seus afins, participação em organizações e formação de grupos ufológicos.
O grupo de estudos ufológicos é um verdadeiro laboratório social em que esses indivíduos, ao deixaram a primeira fase do seu processo de busca representado pelo rito de passagem, passarão a atuar socialmente de forma mais ou menos organizada. Estarão eles, então, atuando no movimento ufológico. E a conquista de um novo espaço social. Estarão construindo o que conhecemos como Ufologia. Neste espaço social, o processo de busca continua. Os indivíduos que acreditavam serem iguais vão perceber suas diferenças, vão se perceber uns em relação aos outros. Isso dará margem à construção de categorias individuais e sociais que marcarão o processo de busca individual e de construção do movimento ufológico daí por diante.
REINTEGRAÇÃO SOCIAL – Gostaria de lembrar como exemplo o caso do coronel Uyrangê Holanda, que dirigiu a Operação Prato, recentemente divulgada em UFO 54. Um caso grave de alguém que entrou em processo de margem e não terminou o rito de passagem com a reintegração social. Uyrangê estava em missão militar, no exercício de suas funções, inicialmente com a intenção apenas de verificar o que estava ocorrendo na região. O grande número de testemunhas do fenômeno inquietou as autoridades locais que entraram em contato com oficiais militares no Ministério da Aeronáutica.
A missão do coronel era verificar e documentar o que estava acontecendo e com isso desmistificar as interpretações e boatos. Porém, ocorreu que visualizou, por várias vezes, o fenômeno em conjunto com sua equipe. Eles fotografaram e filmaram todas as ocorrências. O que aconteceu com Uyrangê? Seus referenciais, sua visão de mundo teve que ser reformulada. Ele passou por momentos de reflexão, enviou os documentos aos seus superiores, mas nenhuma atitude mais objetiva, que considerasse a documentação realizada, foi tomada. A operação foi encerrada, e ele não se inseriu numa discussão profunda sobre o assunto. Suas inquietações permaneceram consigo.
Uyrangê teve problemas familiares sérios, sobre os quais desconhecemos os detalhes. Trata-se de um episódio tornado público muito recentemente. Finalmente ele se suicidou. E este foi o desfecho trágico da situação que consideramos guardar íntima relação com sua atuação na Operação Prato. Antes de seu suicídio, porém, convoca a equipe da Revista UFO, a qual vinha acompanhando com declarada satisfação desde os tempos da Operação Prato. Fala do ocorrido na operação e de suas indignações. O que o levou ao suicídio? Não podemos afirmar que f
oi apenas isso, pode ter havido outros problemas. Entretanto, é um caso que precisa ser conhecido em seus detalhes.
Ele nos leva a suspeitar de que no conjunto dos elementos que tenham feito com que ele se suicidasse esteja de forma muito marcante a falta de reintegração social. Seu isolamento e indignações no mínimo seriam mais amenos ou não teriam acontecido se ele tivesse tido a oportunidade de reflexão em grupo. Seja em grupos internos ou externos à força aérea. Teria ele feito o seu laboratório social, a sua reintegração. Visualizado e compartilhado claramente o processo de busca de respostas. Um processo que não tem necessariamente como objetivo alcançar uma resposta definitiva segundo o modelo científico, mas permitir a reconstrução ainda que provisória dos modelos individuais de compreensão do mundo.
Quanto às categorias, elas são divididas em individuais ou de indivíduos, ou seja, ufófilo, ufólatra, discófobo e ufólogo, e sociais ou de grupos de indivíduos, que são Ufologia mística, iniciática, esotérica ou avançada, científica, entre outras. Essas quatro categorias individuais, assim como as categorias sociais mencionadas estão presentes no espaço social desses grupos. Podemos encontrá-las no discurso dos colegas ufólogos e na conformação da prática ufológica.
Aqui temos que nos lembrar de Alejandro Agostinelli, da Argentina, que apresentou um trabalho muito interessante em que estão presentes categorias sociais do movimento ufológico mundial, equivalentes às categorias que estamos mostrando como existentes no Brasil. Sua apresentação se faz numa perspectiva histórica. E considera as interpretações polarizadas da prática ufológica entre religião e ciência. E talvez possamos dizer, comuns a todos os países onde exista a Ufologia e predomine tais modelos.
LEITURA SOCIAL DA UFOLOGIA – Colegas de outros países como Per Andersen, da Dinamarca, que falou dos mitos e lendas na investigação de campo, Barry Chamish, de Israel, que comenta sobre a divisão dos ufólogos em seu país entre racionalistas e místicos, entre outras poucas contribuições, em que os pesquisadores se preocuparam em citar as formas de organização social dos praticantes da Ufologia e a influência de aspectos voltados para uma expressão da religiosidade popular e formas de abordagem científicas na interpretação do Fenômeno UFO.
O que se pretende é encontrar as relações entre essas categorias e o significado que trazem para uma leitura social da Ufologia. Nesse sentido, as categorias individuais representam condições ou estados pelos quais passam os indivíduos dentro de seu processo de busca. Ou seja, existe um caminho que pode ser percorrido pelo indivíduo que se dispôs a encontrar respostas às suas inquietações relativas ao Fenômeno UFO. E esse caminho se inicia pela condição de ufófilo e pode culminar com a condição de ufólogo, passando pelas condições de ufólatra e discófobo ou ufófobo. As condições de ufólatra ou discófobo são desviantes, marginais do processo de busca e podem ser comparadas também ou entendidas como categorias acusatórias.
Se não houvesse o Fenômeno UFO, não haveria a Ufologia ou o que estamos denominando aqui movimento ufológico. As categorias sociais, assim como as várias correntes ou tendências ufológicas, também não existiriam se não houvesse diferenças de interpretação entre grupos de indivíduos
Tais categorias são percebidas no estudo de grupos sociais, como por exemplo: o bruxo ou o feiticeiro em grupamentos indígenas. E muitas vezes tomado como bode expiatório de desgraças locais. O discófobo é acusado de um medo desnecessário e o ufólatra de uma adoração desmedida. De qualquer forma, são condições de um processo e representam empiricamente expectativas opostas resultantes das interpretações dos discos voadores como aeronaves tripuladas por agentes do bem ou do mal. Estas condições podem ocorrer em qualquer tempo ou momento do processo de busca e independente da idade do indivíduo.
MOVIMENTO UFOLÓGICO – Obviamente se não houvesse o Fenômeno UFO, não haveria a Ufologia ou o que estamos denominando aqui movimento ufológico. As categorias sociais, assim como as várias correntes ou tendências ufológicas, também não existiriam se não houvesse diferenças de interpretação entre grupos de indivíduos e se não houvesse também, nesse processo de diferenciação entre grupos de indivíduos, a influência das instituições relacionais e reguladoras (Talcot Parsons), a ciência, as tradições, as religiões e o Estado, como pela determinação das linhas gerais de conduta social e mesmo responsáveis pela determinação de modelos tradicionais de compreensão do mundo.
O comportamento dessas instituições frente ao Fenômeno UFO se constitui ou como tentativas de cooptação ou como negativa de sua existência acompanhada de uma crítica às interpretações existentes. Na impossibilidade de dar respostas satisfatórias ao fenômeno em si, o foco de sua análise passa a ser os grupos sociais e suas formas de organização e comportamento. Em muitos casos eles passam a se constituir em situações de desvios para as instituições reguladoras.
De tal maneira que o conflito existente entre as categorias sociais reflete tanto a precariedade dos modelos propostos por essas instituições como também o conflito entre as próprias instituições frente a questões novas e de alcance geral. Nesse caso, frente ao Fenômeno UFO. A compreensão da Ufologia como movimento social implica no conhecimento do processo de busca vivido no piano individual (em que o rito de passagem representa a primeira fase), implica também no conhecimento das relações e construções sociais decorrentes desse processo.
Iniciativas como a da pedagoga Ana Santos, de Salvador, Bahia, no sentido de implantar “assuntos cosmológicos” como conteúdo de disciplinas dos currículos de ensino médio pode ser de grande importância para um conhecimento equilibrado do que for possível sobre o tema ufológico, mesmo que seja para falar do desconhecimento e dos problemas que ele propõe. Conhecer empiricamente as relações e formas de organização social em torno do assunto pode ajudar a encontrar o ponto de equilíbrio para a reflexão.
As relações entre indivíduos com experiências distintas ligadas ao fenômeno, com origens religiosas e culturais diferenciadas, vão permitir a afinidade desses indivíduos e a formação de grupos sociais com características específicas. Então veremos os indivíduos vivendo condições especiais dentro de um processo de busca indi
vidual: são condições representadas nas categorias individuais do ufófilo, do ufólatra,do discófobo e do ufólogo.
Mas, veremos também, como decorrência desse processo de busca individual, a construção das categorias sociais representadas nas tendências ou correntes ufológicas: a Ufologia avançada ou esotérica, a Ufologia científica, a Ufologia iniciática, a Ufologia mística, e tantas outras correntes ou categorias sociais. Todas elas, de uma forma ou de outra, contribuindo para a construção da Ufologia como movimento social.
Existem os antagonismos, as diferenças e é exatamente isso que nos permite visualizar esta disposição em categorias. Uma disposição marcada, predominantemente, pela expressão da religiosidade. Trata-se de uma disposição estrutural construída a partir dos modelos de interpretação que dão sustentação a essas categorias. Esses modelos são construídos a partir das experiências individuais de contato com a informação ufológica somadas ao conhecimento que precede a essa experiência e ao conhecimento advindo das relações posteriores com as instituições reguladoras.
Tudo isso dentro de um processo de busca que se constrói nos laboratórios sociais que são os grupos ufológicos ou organizações jurídicas formais ou informais similares. O que apresentamos aqui são alguns exemplos de categorias sociais que compõem o movimento ufológico. Existem outras, e mesmo as categorias aqui apresentadas podem estar definidas e representadas rudimentarmente. Ou seja, uma leitura dessa realidade social numa perspectiva das ciências sociais ainda é bastante incipiente. Este pode ser apenas um pontapé inicial, para somar-se a outras iniciativas já existentes no sentido de permitir a visualização da estrutura do que estamos construindo no mínimo há 50 anos. E do entendimento de todos que a Ufologia é uma temática cuja abordagem numa perspectiva do modelo científico atual deve se dar através da interdisciplinaridade.
RECONHECIMENTO OFICIAL JÁ – Nesse sentido, os estudos que vêm sendo realizados numa perspectiva histórica, arqueológica, antropológica e sociológica só terão a contribuir com os estudos possíveis de ciências exatas. Dessa forma, a Ufologia, tal como se encontra hoje, com aspectos predominantemente religiosos, configura-se muito mais como um movimento social de cunho reivindicatório de mudanças sociais. A idéia de que ela venha a se tomar uma ciência é no mínimo desnecessária face ao caráter interdisciplinar da temática.
O que se pode ver é a existência de um fenômeno físico, cuja natureza se desconhece, e em torno dele um fenômeno social minimamente conhecido. As ciências exatas cabe o estudo desse fenômeno físico e às ciências sociais cabe o estudo do fenômeno social que surge em torno da Ufologia, com seus vários matizes. O caráter reivindicatório da Ufologia pode ser percebido a partir das relações travadas com o Estado, quando se cobra por exemplo reconhecimento oficial já.
Das demais instituições, as religiões, tradições e ciência como modelos de compreensão da realidade são reivindicadas um posicionamento em relação ao tratamento do tema. Dessa reivindicação sempre difícil e pouco sucedida, surgem algumas categorias sociais. A Ufologia avançada ou esotérica, no Brasil, surge da relação de indivíduos que acessaram a informação ufológica no seio das religiões e das tradições.
Originalmente surge como “umbanda espacial” ou “Ufologia psico-mediúnica”-ramificações originárias dos grupos religiosos reencarnacionistas ou espiritualistas de linhas ou correntes kardecistas, universalistas e umbandistas. Temos informações de que surgiram na década de 40, mesmo antes dos projetos americanos (1947) quando entidades que se manifestavam não se identificavam mais da forma tradicionalmente conhecida. Eles contataram entidades que se disseram “espaciais”. Desconfiados de que se tratava de algo mais que um mundo espiritual, esses grupos, após um certo número de experiências de contato mediúnico com essas entidades, começaram a receber mensagens que diziam que “eles” estavam na Terra, que podiam ser vistos no céu como “bolas de fogo”.
Com isso, passam a olhar os jornais e ouvem falar dos UFOs – a conexão com a temática ufológica se afirma e passam a se ver como praticantes de uma Ufologia psico-mediúnica, no interior dos movimentos religiosos. A resistência dos grupos religiosos institucionalizados não permite que tal prática se afirme internamente. Os praticantes da Ufologia psico-mediúnica se vêem obrigados a se constituírem fora de seus ambientes originais. O mesmo acontece com as escolas de mistério como teosofia, teurgia, eubiose, entre outras.
Essas escolas crêem na existência de outras civilizações no espaço e consideram, em suas interpretações sobre o Fenômeno UFO, que trata-se de civilizações que realizaram o “pleno conhecimento”: “o pleno conhecimento teosófico”, “o pleno conhecimento teúrgico” etc. A informação ufológica é recebida internamente nessas escolas. Porém, a resistência à nova prática é reforçada pela polêmica que o tema suscita publicamente, o que leva os praticantes a se constituírem como Ufologia Esotérica.
Em 1979, no I Congresso Internacional de Ufologia, realizado em Brasília, o general Alfredo Moacyr de Mendonça Uchôa propõe a categoria Ufologia avançada, com o objetivo de atender a pessoas cuja prática ufológica estava relacionada com experiências do campo religioso. Na visão dos praticantes, a Ufologia avançada e esotérica se confundem numa única corrente, não havendo hoje muita diferença entre elas.
A Ufologia científica se constitui inspirada em projetos governamentais que envolveram cientistas civis e militares a partir de 1947. Apesar do pouco interesse dos profissionais de ciência, evidenciado na condução e resultados dos projetos, eles marcaram o início de um relacionamento difícil entre sociedade civil e Estado quando se refere à Ufologia. A Ufologia iniciática surge com os primeiros contatados diretos de seres alienígenas. Ou seja, quando alguns indivíduos que diziam terem tido contato com extraterrestres resolvem passar adiante uma mensagem de alerta recebida de seus contatantes.
Essa mensagem propunha uma mudança de hábitos e comportamentos e implicava no desenvolvimento de práticas rituais e na formação
de grupos de seguidores. Os seguidores dos contatados se tornavam iniciados em um conhecimento especial trazido por eles e estavam sendo preparados para o contato iminente com uma nova realidade, com outras civilizações. Entendemos Ufologia mística como aquela constituída sob uma doutrina recebida por um contatado que passa a ser também um líder espiritual. Este líder ou contatado se diferencia dos demais por possuir um maior carisma e por reunir um maior número de seguidores.
Além disso, a Ufologia mística talvez possa ser diferenciada pelas características doutrinárias e pelos rituais, nos quais utilizam espaços públicos, e aqueles que dela fazem parte utilizam-se de paramentas e estandartes que impressionam. Apesar das tentativas de classificação desses grupos, o mais importante a considerar é o fato de termos presente nestas práticas um maior ou menor grau de expressão da religiosidade. Entendendo a religiosidade como inerente à natureza humana frente ao desconhecido.
A Ufologia mística pode ser diferenciada pelas características doutrinárias e pelos rituais, nos quais utilizam espaços públicos, e aqueles que dela fazem parte utilizam-se de paramentas e estandartes que impressionam. Devemos considerar o fato de termos presente nessas práticas um maior ou menor grau de expressão da religiosidade
PODER TECNOLÓGICO – Todas as categorias e formas de organização da sociedade frente ao Fenômeno UFO, hoje, representam ações reivindicatórias de mudanças que devem ser consideradas pelas instituições sociais a quem elas se destinam. Essas novas formas de organizações afirmam que vivemos uma situação de contato com outros povos do espaço e procuram fazer frente a esta situação. Mas, o movimento ufológico poderia ser tratado como uma resposta a uma situação de contato?
O conceito de fricção interétnica no Brasil é inspirado nos estudos do potencial de integração do negro na luta de classes, criado por Roberto Cardoso, como herdeiro teórico-sociológico de Florestan Fernandes. Curiosamente, as relações sociais entre etnias tomam maior importância após a II Guerra, também, exatamente quando surge a problemática ufológica em escala mundial de forma mais marcante.
O desenvolvimento tecnológico que emerge a partir dessa época permite a aceleração do processo de conhecimento do outro no plano das relações interétnicas (contatos entre grupos étnicos internos ao planeta Terra com a predominância, é claro, daquele que detém o poder tecnológico). Também suscita probabilidades de existência de outros planetas habitados e com isso a expectativa de relacionamento com esse outro externo à Terra.
O encontro que o grupo de indivíduos que formam o movimento ufológico mantém com esse outro e as relações e interpretações construídas por eles nos dias atuais motivam nossa reflexão, buscando na perspectiva de uma teoria do contato conhecer a natureza desse encontro e das relações e interpretações decorrentes. Utilizamos, assim, a idéia de contato inspirada na teoria antropológica do contato interétnico. Nossas limitações na utilização do conceito teórico está no fato de que o espaço de acesso ao social de ambas as partes fica restrito ao plano das representações. Ou seja, não é possível determinar uma “identidade étnica” de um dos grupos em contato. Entretanto, pode-se perceber sua existência por oposição, no plano representacional, através dos informantes de um dos grupos de contatados. Com todas as limitações para utilização da teoria do contato, acreditamos que ela constitui instrumental útil para uma reflexão preliminar, considerando a perspectiva de contato entre civilizações “planetárias”, e oportunamente poderá ser amplamente utilizada.
SITUAÇÃO DE CONTATO – Nesse sentido, se trabalharmos a questão ufológica numa perspectiva de situação de contato, teremos que redefinir ou ampliara idéia de contatado, uma vez que o que é mais importante nesse caso não é o fenômeno em si mas as transformações decorrentes do contato com ele ou mesmo com a informação sobre ele. A tendência para os próximos anos é de que a idéia de contato com civilizações alienígenas esteja cada vez mais presente no dia-a-dia dos extraterrestres, caracterizando-se assim numa condição propícia a uma “situação de contato”.
De fato, com o processo de desenvolvimento tecnológico cada vez mais democratizado e rápido, com as comunicações sobre o tema tornando-se quase que instantâneas, na base da pirâmide do contatado pode estar inevitavelmente inserida toda a civilização terrestre num espaço de tempo relativamente curto, fazendo jus à expectativa de contato. Lembremos o conceito de identidade contrastiva de Roberto Cardoso de Oliveira, que parece significativo para a nossa reflexão.
Ele nos permite a pergunta: Quando teremos nossa identidade de civilização planetária terrestre afirmada? Se considerarmos a idéia de identidade contrastiva, isso só vai acontecer quando nos vermos diante de uma outra civilização planetária e pudermos visualizar objetivamente nossas diferenças. “A identidade contrastiva parece constituir-se na essência da identidade étnica, isto é, a base da qual esta se define. Implica na afirmação de nós diante dos outros. Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, fazem-no como meio de diferenciação em relação a alguma outra pessoa ou grupo com que se defrontam.
“É uma identidade que surge por oposição, não se afirma isoladamente. No caso da identidade étnica, ela se afirma negando a outra identidade, \’etnocentricamente\’ por ela visualizada”. Para Cardoso de Oliveira, “o etnocentrismo (como sistema de representações) seria a comprovação empírica da emergência da identidade étnica em seu estado mais \’primitivo\’. Como analisa Giralda Seyferth, “porque através dos nossos valores não só julgamos os valores dos outros, mas também os outros”.
O mediador direto na relação entre os dois grupos aqui considerados A(B=C (civilização terrestre versus civilizações alienígenas) é o contatado. É através dele que o movimento ufológico e por conseguinte a civilização terrestre visualiza a si mesma como grupo de oposição às civilizações alienígenas. O movimento ufológico e mesmo a categoria contatado não poderiam existir sem as narrativas de contato com esse outro. E é esse outro em contato, seja através do Fenômeno UFO, dos contatos diretos com seus tripulantes, independente de qual seja sua natureza, que permite a identidade social do movimento ufológico e de suas categorias.
É também a elaboração ou interpretação que se faz em tor
no das narrativas, que podem ser reproduzidas e passadas adiante. A experiência – seja qual for sua natureza – depende de disposição individual, não é reproduzível ao bel-prazer. E só é passada adiante na forma de narrativa, apesar dos contatados trazerem consigo propostas de reprodução de sua experiência coletivamente. A impossibilidade de implementação dessas propostas inviabiliza uma situação de contato efetiva com nossos possíveis contatantes, e somos levados a considerar a fase atual como um estágio primário dessa possível situação de contato.
DESENVOLVIMENTO DAS CIVILIZAÇÕES – O contatado se depara com o outro e se afirma em relação de oposição a ele. Trata-se da afirmação de uma identidade negativa, porque ele aceita passivamente ser instrumento de mediação e entende a civilização terrestre como inferior no processo natural de desenvolvimento das civilizações. De acordo com A. L. Epstein, “de um lado, existe uma identidade étnica positiva, baseada na importância do próprio grupo, e que se expressa pela etnicidade”. Por outro lado, existe o que Epstein conceituou como identidade étnica negativa – que é comum nas situações coloniais.
“Essa identidade negativa existe onde a imagem do indivíduo for baseada na interiorização da avaliação dos outros. A identidade étnica negativa está presente onde grupos étnicos ocupam uma posição de inferioridade ou marginalidade na hierarquia social”.
O contatado se expressa na relação com os seus contatantes de forma passiva. Recebe e acolhe uma orientação superior. Dois aspectos contribuem para a acolhida passiva dessa orientação: a superioridade tecnológica e a capacidade de influenciar dos contatantes, manipulando a vontade do contatado. Este se afirma como pertencente à civilização terrestre, mas, paradoxalmente, nega os valores dessa mesma civilização assumindo os de outra. Ou, interiorizando os valores contidos na avaliação que a civilização contatante faz dele, como alguém escolhido ou enviado à Terra para cumprir a missão de mediador entre as partes. As orientações recebidas, as mensagens de alerta, os dons paranormais e de cura e outros elementos são instrumentos a serem utilizados na missão que recebe.
Esses meios fazem com que o contatado se veja incluído numa categoria superior. Para ele não há afirmação de identidade negativa pois, afinal, ele “pertence” à civilização contatante. Mas é através dele que a civilização terrestre é vista como inferior e introjeta valores da civilização contatante. Será este processo de contatação um procedimento universal? Terá ele a função de amenizar o choque cultural provocando mudanças que beneficiem os grupos em contato? Após aceitar sua experiência, o contatado passa a viver sua missão de pregação até o “calvário”. Cumprida sua missão na Terra, ele tem a promessa de que retornará ao seu lar cósmico e será recebido com todas as honras.
Mas a missão do contatado será impulsionar as transformações sociais necessárias, conforme os propósitos das civilizações contatantes. Os propósitos da civilização contatada não são considerados. Ela sequer é consultada sobre quaisquer ações da civilização contatante. Apesar disso, o nível de interação entre contatado e entidades alienígenas atinge um alto grau de intimidade e lealdade.
Aconteceu no passado e acontece ainda hoje com negros e índios. Eles afirmaram sua identidade étnica negativamente ao aceitar uma condição social inferior, marginal, que lhes foi imposta. Hoje, lutam para sair dessa condição e assumir uma condição de igualdade com o branco. O homem branco, na condição de sociedade contatante, procurou eficientemente utilizar os valores culturais de certas etnias para facilitar sua atuação ideológica. As religiões cristãs, por exemplo, cooptaram elementos da cultura contatada para fazer prosélitos. Hoje ainda faz uso dos mitos indígenas para impor o mito ocidental da criação e a moral cristã. Mas foi pelo uso da força, no entanto, que ampliaram seus territórios e subjugaram finalmente outras culturas e povos, eliminando-as em muitos casos.
Será este um procedimento natural e inexorável no processo de contatação de grupos humanos de origens diferentes? O conceito de etnicidade surge para tentar solucionar o problema das minorias, dando-lhes o espaço social de direito e preservando seus valores, hábitos e costumes, próprios de sua cultura original. A civilização contatante nesse caso impõe os seus valores utilizando-se de representações sociais do contatado, ou seja, partindo dos referenciais do contatado, acrescenta novas variáveis tornando complexo o modelo, por vezes distorcendo-o por inteiro. A civilização contatada introjeta esses valores e um posicionamento de mudança vai acontecendo sem o controle ou a revelia das instituições sociais. Os indivíduos são quem fazem as mudanças em si mesmos e constroem seu próprio caminho.
Nas situações de contato entre brancos e índios e entre brancos e negros sempre se procurou fazer o possível e o impossível para que as culturas contatadas, índios e negros, assumissem os valores da cultura contatante. Porém, tanto esta prática de contato, quanto aquela com civilizações alienígenas nos levam a uma mesma direção
CULTURA CONTATADA – Muitos indivíduos dentre o grupo social contatado podem resistir aos valores que lhes são apresentados. Porém, será o suficiente para evitar a inexorabilidade do processo? Nas situações de contato entre brancos e índios e entre brancos e negros sempre se procurou fazer o possível e o impossível para que a cultura contatada, índios e negros, assumisse os valores da cultura contatante. Valores estes julgados pelo contatante como universais, portanto, com o direito à predominância. Tanto a experiência dos contatados com alienígenas como a prática de contato empreendida entre nós no período das conquistas nos apontam à mesma direção.
Como etnia contatante de outras etnias, sempre atuamos numa perspectiva de conquista e dominação, sem reconhecermos que o respeito pelas diferenças deveria derivar da relação com outros grupos. Nossa ação guerreira chegou ao limite imposto peIa natureza ent
re a Terra e o espaço cósmico. Se vivemos uma situação de contato, os mecanismos de contatação parecem mais sutis, porém mais eficientes e avassaladores.
Com a diferença de que é sobre nós que esses mecanismos de contatação, como abduções, implantes, hibridização etc, são aplicados. Ainda que consideremos tais mecanismos como facilitadores do contato, pois sua utilização sutil pode ter o propósito de descobrir, além das condições físicas e biológicas, as representações do grupo contatado, esse contato não deixa de apontar numa perspectiva de dominação. Não ameniza os radicalismos de uma situação de contato, tal como a conhecemos.
Pode até constituir em agravante nas relações. Pode ser muito mais um desejo do que uma possibilidade razoável de que estejamos vivendo um processo de preparação para uma situação de contato menos traumática. Não é possível pensar em situação de contato sem choque cultural, nem entre grupos de mesma origem planetária e muito menos entre grupos de origens planetárias diferentes.
O professor de Antropologia pela Universidade de Brasília Wilson Geraldo de Oliveira, 36, desenvolve há vários anos pesquisas sobre as manifestações do Fenômeno UF0 em sua região. Consultor das revistas UF0 e UF0 Especial e membro do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores (CBPDV), atualmente é coordenador do Grupo de Estudos Ufológico; (GEU), vinculado ao Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB, com o qual realiza uma série de eventos para a divulgação da Ufologia pelo país. Wilson defende que as pessoas que ingressam no estudo da fenomenologia ufológica atravessam diversas fases de aceitação, que seriam o rito de passagem, antes de fazerem parte de fato de algum grupo ufológico.