Grupo internacional fez reconstrução mais abrangente da fauna do Brasil da época. Animais viveram em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás. As máquinas do tempo continuam confinadas à ficção científica, mas um grupo internacional de pesquisadores acaba de chegar o mais perto possível de uma viagem ao passado do Brasil, durante a última fase da Era dos Dinossauros. Eles concluíram a reconstrução mais abrangente já tentada da fauna do país entre 90 milhões e 70 milhões de anos atrás, reunindo todos os vertebrados fósseis conhecidos dessa época.
Os animais reunidos pela “máquina do tempo” dos paleontólogos não viveram em todo o Brasil. Eles são oriundos do chamado grupo Bauru, o conjunto de rochas mais rico do país em termos de resquícios dessa época. Essas formações rochosas são encontradas no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás. É bem provável, no entanto, que as regiões vizinhas – como a capital paulista e Belo Horizonte – abrigassem os mesmos bichos. Além de formar um quadro geral da vida no grupo Bauru, o estudo também permite comparar a fauna da região com os de outras regiões da América do Sul no mesmo período, o Cretáceo Superior, explica Leonardo Avilla, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele é um dos autores da pesquisa ao lado de Carlos Roberto Candeiro, também da UFRJ, e de colegas na Argentina e na Austrália.
O que chama a atenção no conjunto de animais terrestres de então é a mistura bizarra de criaturas “modernas” e “primitivas”. Quem andasse por uma lagoa ou riacho de Minas, por exemplo, teria uma boa chance de topar com o Baurubatrachus pricei, ao que tudo indica um parente próximo dos sapos da América do Sul atual. É possível que por ali também estivesse a Bauruemys, uma tartaruga aparentada às tracajás, cujos ovos são considerados iguarias na Amazônia de hoje. “Mas o [grupo] Bauru era um ambiente semi-árido, bem diferente da Amazônia”, explica Carlos Candeiro. Apesar disso, há uma associação entre as tartarugas e rochas formadas num ambiente de água doce, provavelmente porque esse semideserto sofria chuvas fortes e inundações periódicas. Completando a aparente conexão amazônica, havia até a Pristiguana, um lagarto que, para alguns cientistas, seria primo das atuais iguanas – daí o nome, que significa “iguana antiga”.
No entanto, basta deixar de lado esses bichos mais modestos e procurar grandes predadores para perceber alguns fatos bizarros. Para começar, há crocodilos para todo lado, mas nenhum deles faz companhia às tartarugas na água – são todos bichos terrestres, com patas eretas. Alguns quase parecem lobos em pele de réptil. A diversidade é tão grande que chega a ser difícil de explicar: há crocodilos para todos os gostos, do grandalhão (3 m) e de dentes afiados Baurusuchus salgadoensis ao pequenino (1,5 m) e de olhos grandes Mariliasuchus amarali. “Podemos argumentar que eles deveriam divergir em algum aspecto ecológico, como horário de predação noturno ou diurno ou tipo de presa”, diz Avilla. “Alguns poderiam ser mais generalistas [comendo pequenos animais ou até plantas, coisa que nenhum crocodilo faz hoje]”.
As grandes vedetes de qualquer reconstrução dessa época, os dinossauros, também estão bem-representados. Entre os herbívoros, os predominantes são os titanossauros, grandalhões com até 15 m, pescoço longo e quatro patas maciças que lembram as de elefantes. Seu couro era protegido por calombos ósseos, os osteodermas.Tais criaturas deviam fugir de caçadores como o Pycnonemosaurus, um dino bípede de até 8 m de comprimento, cerca de um terço menor que o famigerado tiranossauro. Também há indícios de dinossauros carnívoros menores e velozes, provavelmente aparentados ao Velociraptor da série “Parque dos Dinossauros”.
Lacunas importantes. No geral, trata-se de uma fauna que apresenta uma mistura curiosa de espécies em comum com a Argentina e com a África. É como se o Brasil funcionasse como uma ponte entre a parte sul e a parte norte do supercontinente Gondwana (que incluía a América do Sul, a África, a Índia e a Antártida e foi se fragmentando ao longo do Cretáceo). Restam, porém, algumas lacunas importantes. Conhece-se um único mamífero da região até hoje – representado por um pedacinho de mandíbula que, de tão fragmentado, não pôde ganhar um nome definitivo de espécie ainda. Não se sabe nem se ele era placentário (como os humanos) ou marsupial (como os cangurus e gambás). E não há sinais dos ornitísquios, dinos herbívoros com uma espécie de “bico” que eram muito comuns no resto do mundo nessa época.Para a dupla de paleontólogos, talvez seja uma questão de procurar melhor esses restos. “Faltam estudos que se concentrem em pequenos animais e também nas plantas do Bauru”, conclui Avilla. O trabalho foi publicado na revista científica “Cretaceous Research”.