Claude Vorilhon, nascido em 30 de setembro de 1946 em Vichy, na França, foi criado pela mãe, uma avó e uma tia. Gostava de poesia, música e principalmente de automobilismo, paixão que o fez virar piloto de corrida e depois jornalista esportivo. Editor de uma revista especializada, casado e pai de dois filhos, no dia 13 de dezembro de 1973 sua vida mudaria completamente. Enquanto caminhava no coração da cratera do vulcão Puy de Lassolas, próximo a Clermont-Ferrand, centro-sul da França, notou a aproximação de um “engenho prateado, no formato de um sino abaulado, com aproximadamente sete metros de diâmetro”. Uma porta no estilo alçapão se abriu e um “homúnculo radiante” de 1,20 metro de altura, com pele verde pálida e olhos amendoados, desceu por uma escadinha sem corrimão e aproximou-se dele. Tranqüilizado pela atitude pacifista do visitante, Vorilhon questionou-o em francês: “De onde você vem?” O pequeno ser respondeu-lhe: “De muito distante, de um outro planeta. Criamos toda a vida na Terra cientificamente, inclusive o homem, à nossa imagem. Vocês nos confundiram com deuses. Nós vos amamos como nossas próprias crianças e mandamos sabedoria através dos profetas. Vocês deformaram o nosso ensino e o utilizaram para lutar… Agora que são capazes de compreender quem somos, gostaríamos de estabelecer um contato numa embaixada oficial”.
O ET se identificou como sendo Elohim [Palavra hebraica que Vorilhon traduziu arbitrariamente por “aqueles que vieram do céu”] e disse que viajara até ali especialmente para encontrá-lo e para dizer que ele, Claude Vorilhon, havia sido “escolhido para uma difícil missão”, para ser “o profeta final que irá transmitir aos humanos o que eu vou lhe falar e, a partir das reações deles nós veremos se poderemos oficialmente revelarmo-nos. Eu sei que você recentemente leu a Bíblia. Venha para o interior de minha nave, lá nós estaremos mais confortáveis para conversar”. Lá dentro o ET revelou-lhe a verdadeira origem da humanidade e proclamou que daquele ponto em diante ele seria conhecido como Rael [Mensageiro].
Aceitando a incumbência de preparar o caminho para o retorno dos Elohim a Jerusalém, em 2025, mudou em definitivo o nome para Rael e fundou o Movimento Raeliano Internacional, passando a divulgar a mensagem que lhe foi confiada, a “desmistificar a origem da vida na Terra pela simples interpretação e adaptação dos textos bíblicos à linguagem de nossos tempos” e a explicar a estreita união que liga a humanidade desde os seus primórdios a essa civilização extraterrestre. Vorilhon afirmou que, em 1975, foi levado num disco voador ao planeta dos Elohim, onde lhe foram apresentados terráqueos famosos como Jesus, Buda, Joseph Smith e Confúcio. Os Elohim lhe ensinaram que não só a raça humana, mas toda a vida na Terra foi criada a partir do DNA de alienígenas, há cerca de 25 mil anos. Rael também aprendeu que a clonagem é o caminho para a imortalidade, e que Deus e alma não existem. Segundo ele, nossos criadores alienígenas querem que sejamos belos e atraentes, e vivamos uma vida sensual e hedonista, livre das interdições da moralidade tradicional judaico-cristã. Ao levarmos a sério as asserções de Rael, devemos acreditar que a vida surgiu na Terra por causa de um grupo de cientistas rebeldes que resolveu brincar de deus.
Exploração de outros planetas — Pelo menos é isso que ele dá a entender, senão vejamos: “Há muito tempo, em um planeta distante, o desenvolvimento da tecnologia tornou cientificamente possível a criação da vida. Comissões de ética, nomeadas por esse governo distante, baniram a realização desse tipo de experimento naquele planeta. Às equipes científicas foram fornecidos material e meios tecnológicos para a exploração de outros planetas, objetivando dar continuidade a esses projetos supostamente perigosos à sua população. Nosso planeta, a Terra, foi um dos lugares onde esse tipo de pesquisa foi realizada, particularmente a síntese da vida em laboratório”.
O trabalho de engenharia genética permitiu-lhes a concepção de todas as formas de vida imagináveis para um planeta que podia oferecer uma gama de possibilidades, uma vez que era virgem. “Depois da criação das formas de vida elementares, a partir da síntese do DNA, eles criaram formas de vida mais complexas. Primeiro foi a vida vegetal. Então foram criados os animais aquáticos, os quais foram concebidos cuidadosamente de modo a obter-se o correto equilíbrio ecológico. Vieram em seguida os pássaros de todas as variedades. E finalmente o homem, criado à imagem e semelhança deles. Não obstante as estritas determinações provenientes de seu governo, depois da criação dos animais terrestres, alguns cientistas estavam tentados a reproduzir um ser que tivesse conduta e forma humana. Esses trabalhos, desenvolvidos sob sigilo total, foram bem sucedidos depois de um longo período de tentativas e protótipos. A opinião pública no seu planeta ficou escandalizada quando tais fatos foram descobertos”.
Os habitantes daquele planeta foram obrigados a aceitar a falta de ética de seus cientistas: “A opinião pública daquele planeta foi forçada a aceitar que os primeiros humanos eram uma realidade”. Esses devaneios de Rael possuíam ao menos o mérito de explicar de onde nossos cientistas haviam herdado a tendência de infringir preceitos éticos. Rael sugeria que os Elohim o consideravam especial e o escolheram devido ao seu código genético: “Lembrem-se que os Elohim possuem a carta de identidade genética de cada ser humano da Terra, e isso desde que foram criados os primeiros homens. Eles possuem 100% da carta genética de bilhões de indivíduos que povoaram a Terra. É portanto fácil para eles, possuindo meio código genético, encontrar um outro que, ao ser combinado, passe a ter certas qualidades que permitirão ao ser que nasça levar a cabo uma missão em um dado momento. Isso era válido há dois mil anos, ainda é válido hoje em dia, e é por isso que eu estou aqui”. E é por isso que Rael pregava que a humanidade podia atingir a imortalidade por meio da clonagem e defendia a hierarquia entre as raças humanas, a eugenia, ou o melhoramento pela manipulação genética.
Ignorância científica — A seita raeliana não passava d
e mais uma entre tantas denominações sem maior expressão a disputar ferrenhamente fiéis no concorrido mercado pseudo-religioso, até que, no início de junho de 1997, apenas dois meses depois do suicídio coletivo dos membros da Heaven’s Gate, ganharia o mundo ao anunciar, inicialmente em sua página na internet, a absorção da Valiant Venture – criada em março e alegadamente composta por cientistas franceses, suíços e canadenses, que prometiam um clone humano por US$ 200 mil – pela recém-fundada empresa Clonaid. Desde que uma equipe britânica criara a ovelha Dolly, no começo daquele ano, a clonagem de seres humanos vinha sendo aventada, apesar dos riscos inerentes e empecilhos éticos envolvidos. Para Roger Pedersen, especialista em técnicas de reprodução da Universidade da Califórnia (UCLA), o negócio da seita implicava em estelionato porque “a clonagem humana é uma tecnologia que não existe. Eles, simplesmente, estão vendendo algo que não existe”.
Apostando na ignorância científica, na falta de raciocínio lógico e senso crítico do público, mormente na de casais milionários com problemas de fertilidade e homossexuais desejosos em encomendar um bebê clonado, os raelianos já tinham acumulado consideráveis fama, fortuna e seguidores – por volta de 50 mil em 85 países, a maioria no Canadá, nos Estados Unidos, na Suíça e na França – quando, em outubro de 2000, num golpe publicitário para atrair investidores, geraram celeuma e perplexidade ao alardearem que estavam prontos e prestes a clonar seres humanos.
Decorridos pouco mais de um ano e seis meses, em meados de abril de 2002, uma semana depois do controvertido médico italiano Severino Antinori ter anunciado que o clone que implantara em uma mulher já estava com oito semanas de gestação, a seita virou manchete novamente ao anunciar que já havia implantado embriões clonados de uma dezena de pessoas em mulheres, no que seria a “primeira onda” de experimentos. No final de abril, os raelianos soltaram uma nota dizendo-se propensos a clonar o nobre alemão Ottomar Rudolphe Vlad Drácula, herdeiro do conde romeno que inspirou o vampiro da literatura. Drácula não podia conceber filhos e queria gerar um fidalgo para continuar a linhagem da família.
Em 27 de dezembro de 2002, a bioquímica francesa Brigitte Boisselier, que desde 2000 dirigia a empresa Clonaid, anunciou, diante de dezenas de repórteres em Hollywood, estado da Flórida, o nascimento, no dia anterior, de uma menina batizada de Eva, clonada a partir do material genético fornecido por uma norte-americana de 31 anos. Boisselier, no entanto, não informou o local de nascimento nem qualquer outro detalhe, tampouco forneceu provas do sucesso do experimento. Um segundo bebê clonado, este do material genético de uma lésbica holandesa, teria nascido de parto normal na noite de 03 de janeiro de 2003, num país no norte da Europa, garantiu Boisselier, novamente sem fornecer provas.
Ressuscitar Cristo — A Clonaid apresentava um amplo histórico de anúncios espetaculares que nunca foram confirmados e que, com o tempo, se revelaram meros factóides, o que também parece ter sido o caso dos bebês clonados. O jornalista norte-americano Michael A. Guillen, incumbido de supervisionar os testes de DNA em Eva, desistiu da tarefa na última hora, denunciando que tudo fora inventado. Ela, por sua vez, anunciou que outros três bebês clonados deveriam nascer no final de janeiro ou começo de fevereiro. A Food and Drug Administration [Agência do governo norte-americano que regulamenta as atividades relativas a alimentos e medicamentos], que realiza inspeção de fábricas e armazéns, proibiu a seita – fechada pelo órgão em 2001 – de realizar experiências de clonagem humana em território norte-americano, o que a teria levado a transferir seus laboratórios para outros países.
A comunidade científica internacional reagiu com um misto de perplexidade, preocupação e ceticismo, ratificando o soerguimento de barreiras éticas e legais em observância estrita às normas de biossegurança. A quase totalidade duvidava que algum laboratório, quanto mais a Clonaid, detivesse o conhecimento e a competência técnica necessários para produzir um clone humano e condenava a clonagem para fins reprodutivos devido a problemas que iam das altas taxas de ineficiência da técnica de fusão celular, a alta mortalidade dos fetos e abortos espontâneos em fases adiantadas da gestação até doenças congênitas como obesidade, envelhecimento precoce e artrite. Em suma, os clones apresentavam anomalias severas o bastante – atrasos no desenvolvimento, problemas cardíacos, pulmonares e no sistema imunológico – para tornar o procedimento algo demasiadamente arriscado e não recomendável. Foram necessários nada menos do que 277 embriões para que se obtivesse a ovelha Dolly, que ainda assim nasceu com uma estrutura celular ligada ao envelhecimento 20% menor que a de outras ovelhas da mesma idade.
A diferença residia nas estruturas chamadas telômeros [Compostos por fragmentos de DNA e proteína na ponta dos cromossomos], cujo comprimento estava diretamente ligado à duração da vida da célula. O erro foi cometido e admitido, entre outros, por dois ícones da clonagem por transferência nuclear: Ian Wilmut, criador da Dolly no Instituto Roslin, na Escócia, e Rodolf Jaenisch, geneticista do renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, nos Estados Unidos. Ambos defenderam em um artigo na revista Science que os problemas eram tantos e de tal monta que não valia à pena a aplicação da técnica em seres humanos. A simples intenção de fazer isso naquele estágio incipiente de desenvolvimento soava como um crime hediondo, uma afronta à dignidade humana.
As objeções não se restringiam apenas ao aspecto reprodutivo. A clonagem terapêutica, destinada à produção de células-tronco – que podem dar origem a qualquer tipo de célula do organismo – a partir de embriões humanos, era vista com reservas até por especialistas em reprodução humana. Afinal, esse tipo de experimento abria caminho definitivo para a clonagem reprodutiva, uma espécie de dogma central para os raelianos, para quem a vida na Terra fora criada por ETs, de modo que os seres humanos não passariam de clones dessas criaturas. O “avatar” e “profeta do Terceiro Milênio” Rael afiançava que Elohim ressuscitara Jesus Cristo por meio da clonagem – portanto, a vida eterna seria acessível a todos e facilmente alcançada –, prometia poderes ilimitados e riquezas aos seus seguidores e, enquanto tudo isso não acontecia, oferecia uma área de lazer sem culpas para o hedonismo e a experimentação sexual, desde que aderissem incondicionalmente à seita, contribuindo com o dízimo [10% dos seus rendimentos].
Orgias sexuais — Para entrar na seita a pessoa tinha de renegar outras religiões e submeter-se a uma espécie de batismo em que tocavam em sua testa com a mão direita, num rito que eles chamavam de “transferência celular”. Nas sessões de “meditações sensuais” na UFO Land [Terra dos UFOs], no Canadá, todos ficavam nus, meditando e fazendo outros exercícios, tocando o corpo etc, a fim de alcançarem o “orgasmo cósmico” numa espécie de masturbação coletiva. Os parceiros sexuais para as experiências podiam ser livremente escolhidos, fossem homossexuais ou não. Eles acreditavam que essa experiência sexual em grupo desenvolvia a capacidade telepática. A escolha de múltiplos parceiros sexuais era encorajada. O movimento raeliano até recrutava pessoas sexualmente disponíveis – sozinhas, solteiras, divorciadas – para participarem dessa experiência sexual gratuitamente. Mike Kropveld, chefe do Info-Cult, grupo de monitoramento com sede em Montreal, disse que “eles até tiveram uma conferência sobre masturbação em Montreal há muitos anos”. Um ex-raeliano, Pete Cooke, que permaneceu cinco anos na seita, foi recrutado por eles num strip club, o Kit Kat, em Montreal. São famosas as “free love orgies” [Orgias de amor livre] entre os adeptos.
A maior parte do dinheiro vinha do serviço de clonagem, que qualquer cidadão poderia usufruir desde que depositasse nas contas da seita uma bagatela, que oscilava entre US$ 200 mil e US$ 500 mil – como se só uma elite de milionários tivesse direito de ser beneficiada por essa técnica, avalizando a satisfação de seus caprichos. A partir de US$ 40 mil, qualquer um podia ser acionista da Clonaid Corp, empresa avaliada em US$ 100 milhões, que estava domiciliada no arquipélago das Bahamas, um paraíso fiscal nas Antilhas, próximo da costa leste dos Estados Unidos. E ainda assim diziam ser uma organização sem fins lucrativos! A Clonaid tinha ainda outras ramificações, como por exemplo a Clonapet, para clonar animais de estimação falecidos. Em 2002, uma investigação do governo norte-americano descobriu um laboratório secreto da Clonaid instalado próximo de um estábulo, em Virgínia. O lugar estava infestado de moscas. Um jovem estudante de pós-graduação tentava extrair óvulos de um ovário de vaca obtido num matadouro vizinho.
A Clonaid servia para nos alertar quanto ao que poderia advir no futuro próximo se não fossem estabelecidos rígidos controles sobre a engenharia genética de forma a impedir fanáticos religiosos e lunáticos de conquistarem mais controle sobre o planeta. Ao controlar e colocar essa tecnologia a serviço de seus propósitos obscuros, com os quais a maior parte da sociedade certamente não estava de acordo, os raelianos incorriam nos mesmos crimes praticados pelos nazistas em sua sanha de seleção e depuração racial. De acordo com o filósofo Jürgen Habermas, no ensaio La Constelación Posnacional, “o clone se assemelha ao escravo na medida em que pode relegar a outras pessoas uma parte da responsabilidade que ele mesmo deveria carregar. Para um clone, na definição de um código genético irrevogável, se perpetua o juízo que outra pessoa lhe impôs antes de seu nascimento”. Cabe lembrar ainda que a clonagem elimina um fator básico essencial, que foi e continua sendo determinante para a extinção de várias espécies e para a sobrevivência e o fortalecimento da espécie humana: a diversidade. A natureza é avessa à repetição, tanto que nunca gerou dois seres exatamente iguais. Ocorre que quanto maior a variedade de uma espécie, maiores são as chances de sobreviver e evoluir.
Culto aos deuses astronautas — Um porta-voz da seita raeliana no Brasil pontificou, irresponsavelmente, que não era nem nunca foi perigoso para o homem brincar de Deus. A história infelizmente demonstra o contrário, que, além de perigoso, essa brincadeira resulta em desastres. Demonstrando total desconhecimento da legislação brasileira, ou desafiando-a, Boisselier disse que pretendia, com o apoio do reduzido séquito local – cerca de 50 pessoas –, abrir um laboratório de clonagem humana em nosso país, onde a prática é proibida desde janeiro de 1995 pela Lei de Biossegurança 8.974 e pela instrução normativa 8, de 1997, da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Valendo-se dos argumentos propostos na década de 60 por mito-historiadores e astroarqueólogos da linha do realismo fantástico, tais como Jacques Bergier, Louis Pauwels, Robert Charroux, Peter Kolosimo, Erich von Däniken etc, os raelianos pregavam que os deuses do passado não eram seres divinos, e sim astronautas vindos de outros planetas. Ora, se estavam imbuídos dessa concepção materialista, por que motivos sustentavam uma religião que paradoxalmente se proclamava atéia? E se os objetivos eram unicamente científicos, como garantiam, por que Rael fazia tanta questão de ser adulado e idolatrado, vestindo-se e comportando-se como um ser abençoado, um profeta, um guru, um messias, um avatar, e exigindo ser chamado de vossa santidade?
Os adoradores dos deuses astronautas acreditam que entidades extraterrestres desembarcaram na Terra em tempos primordiais e criaram a vida humana, segundo “a sua imagem e semelhança”, mediante avançadas técnicas de engenharia genética. Eles jamais teriam deixado de acompanhar a evolução de seus filhos, manipulando-a sempre que necessário e de tempos em tempos enviando emissários cósmicos para guiá-los. A expectativa é de que intervenham assim que a história atingir determinado estágio ou patamar, trazendo a salvação a uns poucos escolhidos e instaurando uma nova ordem, utópica e ideal, muito além das imperfeições mundanas. Essa noção pretende-se espiritualista, mas no fundo é puramente materialista, pois os fiéis não esperam mais do que a aterrissagem de discos voadores repletos de extraordinários produtos tecnológicos e bens de consumo dos quais possam usufruir as benesses.
Os exageros de um autor como Däniken e sua fixação pela Teoria dos Deuses Astronautas, advêm do equívoco primário – ou má-fé – de simplesmente encaixar determinadas lendas, mitologias e histórias de textos antigos em suas teorias preconcebidas, vendo e explicando o passado sob a ótica do presente, projetando no passado os valores e as concepções de suas próprias culturas. Como bem postulou o pesquisador Lobo Câmara, no livro A Farsa da Nova Era: Nem Apocalipse, Nem Era de Aquário [Edição do autor, 1998]: “Acreditar na possibilidade de que já fomos visitados na Antiguidade por seres de outros planetas é uma coisa, mas tentar explicar tudo através dessa visão, como fizeram Däniken e outros autores, é muito para a cabe&cce
dil;a! É alimentar o gosto pelo fantástico até chegar ao ponto da alienação e da ignorância deliberada!”
Atribuiu-se aos deuses astronautas o mesmo papel dos conquistadores europeus. À humanidade primitiva e selvagem restava apenas ser colonizada. O eurocentrismo de Däniken fica patente ao justificar a intervenção de uma cultura pretensamente superior sobre uma em suposto estado de anomia e abulia, destituída de elaboração estrutural básica e de princípios morais e civilizatórios. Subestimando propositadamente a capacidade inventiva dos povos do passado, Däniken incorreu em uma nova forma de racismo, o chamado “racismo espacial”, conforme denunciou o arqueólogo norte-americano W. Rathje.
O jornalista e arqueólogo Fernando G. Sampaio foi mais incisivo, acusando-o abertamente em seu livro A Verdade sobre os Deuses Astronautas [Editora Movimento, 1973] de fazer apologia ao nazismo: “Däniken comprova que também não entende nada de antropologia, além de ter pouca consciência humana. Senão, vejamos: ‘Nossos astronautas tentariam ensinar aos nativos os mais simples rudimentos de civilização, a fim de tornar possível o estabelecimento e aceitação de certa ordem social. Algumas mulheres, especialmente selecionadas, seriam fertilizadas pelos astronautas. Assim surgiria uma nova raça – Heil Hitler! –, capaz de saltar alguns degraus da evolução natural e desenvolver-se num estágio superior, sem passar pelas fases intermediárias’. Däniken, como se vê, estaria à vontade entre Alfred Rosemberg, Herman Gausch, Julius Streicher e Hans F. K. Günther, antropólogo da Universidade de Jena, principais teóricos do racismo do Terceiro Reich, com suas afirmações de que ‘o homem não nórdico toma uma posição intermediária entre o homem nórdico e o macaco’ [Gausch, Novos Elementos de Investigação da Raça, Berlim, 1934]. Em suma, o pensamento de Däniken é puramente fascista. E isso é extremamente perigoso quando suas idéias vendem milhões de exemplares e são assimiladas por um número incalculável de pessoas”.
Acolhendo os seres extraterrestres — O antigo símbolo raeliano era a swastika nazi, uma cruz suástica no centro da estrela de David ou hexagrama, que figurou na capa do livro de Rael intitulado Accueillir Extraterrestres [Accueillir, em francês, significa “acolher”]. Em 1991, alteraram o símbolo, colocando no centro dele uma galáxia. Dirigentes da Missão Interministerial de Vigilância e de Luta Contra as Manipulações Sectárias [Miviluds, ex-Mils], da França, qualificavam o movimento raeliano como “seita perigosa”, sobretudo pelo fato de que alguns membros da estrutura foram condenados por agressões sexuais e corrupção de menores. Para o sociólogo francês Frédéric Lenoir, “o movimento não é uma seita mortal, porque seu objetivo não é a destruição da pessoa, mas é perigoso por sua ideologia, principalmente por causa da eliminação, pelas manipulações genéticas, das raças consideradas inferiores”.