Lafayette Ronald Hubbard (1911-1986) era um bem-sucedido escritor de romances e histórias de ficção científica pulp-fictions [Baratas, descartáveis e geralmente sensacionalistas] para revistas como Astounding Science Fiction, nas décadas de 30 e 40. Em 1950, sua imaginação parece ter se fundido com a realidade, ou talvez tenha extraído da ficção as mirabolantes técnicas de diagnóstico especulativo, das enfermidades mentais e de outras doenças de cunho psicológico, ao compor Dianética: A Ciência Moderna da Saúde Mental, o primeiro rebento da emergente indústria da auto-ajuda no pós-guerra.
No livro, que já vendeu mais de 20 milhões de cópias em 52 idiomas, Hubbard sustenta que a mente humana se divide em metade analítica e metade não-analítica [Reativa] e que somos almas puras, seres espirituais chamados de thetans [Tetanos], ameaçados pelos engrams [Bloqueios, desvios ou “marcas” na memória resultantes de traumas pré-natais sofridos pelo embrião no ventre materno]. Anunciava que todos poderíamos nos libertar das aberrações e psicoses se enfrentássemos os incidentes que criam em nossas mentes os engrams, encarados não apenas como produtos desta vida, mas também de vidas passadas, remontando a milhares de anos. Hubbard instruiu psicoterapeutas a retrocederem a mente do paciente até os primeiros instantes da concepção para “descarregar” os traumas da mente inconsciente. O thetan “não limpo” equivaleria ao estado da alma pecadora, ao inferno. A libertação somente seria alcançada por meio de um árduo processo terapêutico, uma extensa série de cursos conhecida como “treinamento” e “auditoria” – na essência, uma espécie de exorcismo –, da qual se deduz que a salvação do mundo depende da produção de “sujeitos limpos”. A consciência aplicada finalmente atingiria os Níveis Operativos Thetan, ou Níveis OT, ao se concluir os cursos mais avançados.
Bastaram quatro anos para que essa “psicoterapia” assumisse o caráter definitivo de seita, convenientemente adaptada à índole dos tempos científico-tecnológicos. A Igreja da Cientologia foi fundada com ministros no topo da hierarquia. Mas, como em qualquer religião, abrigava em seu cerne uma magia: ao executar os rituais da “tecnologia” religiosa de Hubbard, o fiel seria capaz de vencer qualquer dificuldade no mundo. A cientologia mantinha escritórios de cadastro para empregos e oferecia às empresas análises gratuitas de personalidade, uma espécie de teste chamado Oxford, que classificava os funcionários e descartava os que qualificava como “pessoas a serem suprimidas”. Algumas empresas de grande porte chegaram a adotar o teste, que, entre outras coisas, examinava os hábitos mais elementares, como o de roer as unhas, até o nível geral de felicidade do candidato ao posto.
Terapia totalitária — Com o carro-chefe da “reengenharia”, a seita conquistou posições importantes nas empresas por intermédio de conselheiros, que procuravam contato com os principais diretores. As regras internas recomendavam aos setores mais pujantes da economia a sempre trabalhar com os líderes. Cultuava-se o sucesso e cultivava-se um misto de ideologia do trabalho de origem calvinista, com o pior tipo de malthusianismo ou darwinismo social, em que só os mais aptos e capazes sobreviveriam, prosperariam e obteriam cada vez mais dividendos e bens materiais. Sua perspectiva era a de ampliar a eficácia de cada um dentro da sociedade capitalista, numa espécie de paraíso monetário privado. O objetivo principal era ganhar dinheiro e fazer as pessoas ganharem e gastarem dinheiro com a seita, já que o preço cobrado pelos serviços era altíssimo. Desembolsava-se, somando os livros, vídeos e equipamentos exigidos, em torno de US$ 100 mil para se atingir o último nível, o OT 8, na escala de evolução da Igreja, ou seja, o equivalente aos gastos com uma graduação em uma universidade. Só as obras completas de Hubbard custavam US$ 12 mil.
Usando a tática de manter as pessoas dependentes – ampliando aos poucos suas satisfações –, a cientologia as preparava para a “iluminação”, que significava tornar-se clean. Apesar de ser considerada uma igreja pelo governo estadunidense, ela fugia, em muito, do conceito popular de religião, por não possuir ritos nem uma figura central a quem adorar a não ser o próprio homem, que, pelos recursos que a organização se propunha a delegar, chegaria ao nirvana, como no budismo, já que para eles o espírito residiria no cérebro humano.
Essa “ciência do conhecimento”, como seus seguidores arbitrariamente a designavam, não passava, em suma, de uma mescla de budismo, ocultismo, magia, hipnose, telepatia, técnicas de controle da mente, marketing, estratégias empresariais, crenças fantásticas que beiravam o delírio e liberdade em matéria de sexo e drogas. Uma das metas era conquistar adeptos famosos – atores de Hollywood, em especial –, para que estes atraíssem novos e de preferência bem-sucedidos adeptos, somando-se aos oito milhões que não faziam parte das “forças cinzentas”, como carinhosamente designavam os que – sensatamente – se mantinham fora do movimento.
Rede de consciência de cultos — A eficiência em matéria de recrutamento de novos adeptos não condizia com o seu nível de aceitação e reconhecimento. A comunidade médico-psiquiátrica dos Estados Unidos sempre criticou a suposta terapia e alguns políticos chegaram a pedir a extinção da seita, acusando-a de ser totalitária e de praticar lavagem cerebral. Enredada em diversas pendengas judiciais de ex-adeptos que, entre outras acusações, a denunciavam por enriquecimento ilícito e utilização de táticas ilegais para aumentar seus faturamentos, a cientologia enfrentava constantes recriminações públicas de antigos membros e era combatida em praticamente todos os países em que se instalou. Já no início dos anos 70, a Receita Federal estadunidense descobriu, durante uma auditoria, que Hubbard estava desviando milhões de dólares da Igreja para suas contas bancárias pessoais na Suíça. Anos depois, o Federal Bureau of Investigation (FBI) desvendou uma operação clandestina, de adeptos da cientologia, visando obter documentos do governo relativos à organização. Eles contavam com a ajuda de membros que trabalhavam na Receita, na Guarda Costeira e no DEA, o órgão governamental de combate ao tráfico de drogas.
Em 1980, 11 altos
representantes da cientologia, incluindo a mulher de Hubbard, foram detidos por roubar documentos e grampear os telefones de mais de 100 organizações privadas e governamentais, numa tentativa de interromper as investigações em curso sobre a Igreja. Em outubro de 1996, nos Estados Unidos, 23 de seus líderes começaram a ser julgados. A família de um suicida que integrava a Igreja acusava a alta cúpula da suposta religião de tê-lo induzido ao suicídio. Um empresário alemão, Rudolf Willems, de Stuttgart, chegou a investir US$ 400 mil de sua empresa na produção de livros religiosos da seita. Falido, cometeu suicídio. O presidente da cientologia italiana, Gabriele Segalla, e mais 74 membros foram processados em Milão, no norte da Itália, por estelionato, extorsão, associação criminosa e prática ilegal da medicina. Em diversos sites na internet, os ex-cientologistas mais vociferantes e desiludidos divulgam relatos pessoais de danos emocionais e ruína financeira.
Cultos destrutivos — Países como a Alemanha, Bélgica, França, Israel, Itália, Espanha e México negaram status de religião à seita, tratada como mero empreendimento comercial. Os Estados Unidos também negavam à Igreja a isenção de impostos, mas acabaram cedendo em 1993, quando a seita avançava célere na América Latina, desdenhando a multidão de deserdados. No Brasil, se instalou estrategicamente em um bairro de classe média da capital paulista.
Um dos mais ferrenhos opositores da cientologia, desde os anos 80, era a Cult Awareness Network [Rede de Consciência de Cultos, CAN], um grupo que promovia campanhas vigorosas contra o que chamava de cultos destrutivos, por praticarem o controle da mente. A CAN fulminou os hare krishnas, a Seita Moon, os Meninos de Deus, o Ramo Davidiano e inúmeras outras seitas nos Estados Unidos. A raiva era recíproca, pois a Igreja de Hubbard considerava a CAN um grupo de ódio anti-religioso. A história do embate entre os dois grupos é repleta de acusações mútuas de fraude e intimidação, assim como uma série infindável de ações judiciais. O apóstata clássico é o crente transformado em destruidor. Hoje considera corrupto tudo o que um dia julgou. Curiosamente, acredita que não foi ele que mudou, mas o culto. Diz que se tornou totalitarista, militarista, opressivo. No tempo dele, quando estava lá para garantir o pensamento ideológico certo, era uma força benigna.
Por trás de uma porta de vidro à prova de balas, em Hamburgo, atuava a inimiga número um da cientologia: Ursula Caberta. A mulher que um líder cientologista alcunhou de “a nova Goebbels” foi retratada como uma bruxa com garras afiadas na revista cientológica Freiheit [Liberdade]. Fundada em 1992, a unidade que chefiava fornecia informações sobre cientologia ao público e oferecia aconselhamento às vítimas da seita, bem como investigava as empresas a ela filiadas. “Para mim, é como o pensamento de Hitler”, justificava. “Ele achava que os arianos governariam o mundo. A filosofia de Hubbard é igual. As pessoas diziam que Hitler era um pouco maluco. Agora dizem o mesmo de Hubbard. Nós, alemães, sabemos o que quer dizer quando as pessoas pensam que alguém é só ‘maluco’, o que vai significar se essa coisa algum dia virar realidade”.
A Prefeitura fundou uma unidade da seita porque, no final dos anos 80, as autoridades de Hamburgo começaram a receber queixas de molestamento de inquilinos em prédios comprados por cientologistas. Os inquilinos acusavam os novos proprietários de querer expulsá-los para vender os apartamentos com lucros substanciais. Evocando Hitler e os indizíveis horrores do Holocausto, Caberta indagava se os herdeiros do amargo legado do Terceiro Reich não estariam, mais uma vez, seguindo um caminho potencialmente trágico.
Patrulha Intergaláctica — O mundo secular e particular de Hubbard não deixava para menos e apresentava uma hierarquia igualmente pomposa. Em 1969, ele passou a dirigir a cientologia a partir de sua frota de iates chamada Sea Organization [Organização Mar], já que, durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como tenente na Marinha e apaixonou-se pela burocracia naval. O corpo diretivo da Igreja se chamava Org Mar. Seus membros usavam uniformes e ostentavam patentes navais. Desde então, os contatos com o fundador foram ficando cada vez mais raros, até para os próprios membros, que se comunicavam com Hubbard por intermédio de dois mensageiros.
Como um extravagante personagem de si mesmo, Hubbard afirmava que tinha sido comandante da Patrulha Intergaláctica do Setor 9, então denominado Elron Elray, e que teria assumido a forma humana de Siddharta Gautama, ou seja, nada menos que o próprio Buda, há 3.500 anos. Outra não menos desvairada afirmação de Hubbard era a de que nos últimos 50 anos – coincidindo com o tempo de criação da organização – nada menos do que 200 mil extraterrestres, os chamados mar-kabianos, haviam imigrado clandestinamente para a Terra e se apossado dos corpos de inúmeras personalidades do mundo dos negócios, da política e das sociedades secretas, com o objetivo de destruir a cientologia.
A cientologia nas telas do cinema
por CTS
O filme Phenomenon [Fenômeno], dirigido por Jon Turteltaub, e tendo John Travolta – um dos mais entusiastas adeptos da cientologia – no papel principal, estreou nos cinemas norte-americanos em julho de 1996, disputando espaço nas poucas salas que não estavam exibindo Independence Day. Na contracorrente da ufomania ditada por Hollywood, o filme impôs logo na terceira semana de exibição um surpreendente segundo lugar nas bilheterias. Travolta interpreta George Malley, um simplório mecânico de uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos, cuja vida se resume a cultivar alface no quintal e a conquistar o amor da carpinteira interpretada por Kyra Sedgwick. Até que, numa bela noite, a do seu 37º aniversário, Malley olha para o céu estrelado e cai duro ao ser fulminado por uma cintilante luz branca. Ao recobrar os sentidos, percebe que virou uma espécie de super-homem nietzscheano. Sua memória havia se tornado excepcional e sua percepção, infinitamente mais aguçada. Malley passa então a prever terremotos, decifrar códigos militares e ser capaz de aprender a falar português fluentemente em 20 minutos, além de ganhar todas as partidas de xadrez que disputava com o médico da cidade, interpretado por Robert Duvall. E também não consegue mais dormir – lembrando o super-homem de Nietzsche, segundo o qual dormir é distrair-se do mundo, desligar-se
dos acontecimentos.
Poderes paranormais — É a partir daí que Phenomenon faz apologia velada à terapia de Hubbard. O filme revela que a luz que derrubou Malley não veio do espaço. Tratava-se de um efeito visual causado por um tumor desconhecido que tomou conta de seu cérebro e providencialmente lhe conferiu poderes paranormais. Malley passa a buscar, dentro dele mesmo, as respostas para suas dúvidas. Quer entender o que o mantém em sintonia com a natureza, tornando-o capaz de mover objetos com a mente.
Já Battlefield: Earth [A Reconquista: Campo de Batalha Terra], dirigido por Roger Christian e com roteiro baseado no livro de Hubbard, publicado em 1982, estreou em junho de 2000 com o claro intuito de divulgar os ideais da cientologia. Ao custo de US$ 75 milhões, a maior parte desembolsada pelo co-produtor Travolta, o filme foi muito mal nas bilheterias e acabou massacrado pela crítica, que não perdoou a frívola tentativa de embutir mensagens subliminares a favor da seita na trama, a história nonsense, o roteiro inverossímil, a direção sem criatividade, os figurinos ridículos e as afetadas e constrangedoras interpretações dos atores.
Combate final — O filme se passa no ano 3000, quando a Terra foi atacada por seres extraterrestres gigantes e impiedosos, os chamados psychlos [Uma alusão à psiquiatria, que, para os cientologistas, é um mal a ser combatido]. Os poucos humanos que restaram vivem em uma espécie de sociedade primitiva, escondidos e sem noção do que aconteceu com o planeta. Um desses sobreviventes, Jonnie Goodboy Tyler [Barry Pepper], se cansa da situação e decide enfrentar os invasores e libertar seu povo. Ele acaba aprisionado por Terl [John Travolta], o inescrupuloso chefe de segurança do exército psychlo, que pretende extrair todo o ouro do planeta. Para ajudá-lo na tarefa, ele seleciona um grupo de escravos humanos, tendo Tyler como líder. Num lance fortuito, Tyler aciona um computador e recebe, diretamente em sua mente, uma overdose de dados, que o habilitam a arquitetar os planos para fazer o que a humanidade não conseguiu em mil anos: expulsar os invasores da Terra. Em uma das cenas mais ridículas, os rebeldes concluem, em volta de uma fogueira, que a única maneira de libertar a Terra é destruindo o planeta inimigo com uma ogiva nuclear. É claro que os sortudos encontram mais tarde um míssil, intacto e pronto para ser usado no combate final.