“O cosmos é tudo o que existe, que existiu ou que existirá. Nossas contemplações mais despretensiosas dele nos induzem a um calafrio na espinha, uma perda de voz e sensação de vazio, como em uma memória distante de uma queda a grande altura. Sentimos que estamos próximos do maior dos mistérios”. Com essas palavras, quase poéticas, se inicia uma das mais importantes obras daquele que é conhecido como o maior divulgador científico de todos os tempos, Carl Sagan. Ele é freqüentemente lembrado como cético e, infelizmente, sempre mencionado nos meios ufológicos como um “chato” empedernido e sem imaginação, desses que não acreditam em nada e arrumam qualquer argumento, mesmo que absurdo, para desqualificar o que chamam de pseudociências – entre as quais incluem a Ufologia.
Mas é completamente errado pensar assim. É muito preocupante que membros da Comunidade Ufológica Brasileira, além de destratarem o nome e a obra de Sagan, ainda critiquem seu “excessivo cientificismo” quanto ao Fenômeno UFO. É lamentável que essas pessoas – muitas das quais poderiam ser chamadas de “excessivamente crentes” – não conheçam mais a fundo a obra de Sagan e cometam a injustiça de colocá-lo na mesma categoria de outros indivíduos desqualificados, críticos contumazes da Ufologia. Sagan, sem dúvida, acreditava na existência de vida extraterrestre. No próprio capítulo inicial de sua premiada série Cosmos [1980], mostrou que existem centenas de bilhões de galáxias, cada uma contendo em média centenas de bilhões de estrelas. Já na época em que a série para TV e o livro homônimo eram produzidos, no final dos anos 1970, o autor defendia que deveriam existir, talvez, tantos planetas quanto estrelas nas galáxias.
Afirmando que na parte do universo que conhecemos deve existir dez bilhões de trilhões de planetas, Sagan defendia a existência de vida extraterrestre claramente. “Face a esses números esmagadores, qual a probabilidade de que uma única estrela comum, o Sol, seja acompanhada por um planeta habitado? Por que seríamos nós, aconchegados em alguma esquina perdida do cosmos, tão afortunados? Para mim, parece bem mais provável que o universo esteja repleto de vida”. Quantos foram os astrônomos, nos últimos anos, mesmoface a tantas descobertas extraordinárias na área de planetas extrassolares e organismos extremófilos [Capazes de viver em circunstâncias onde antes não se acreditava possível], a fazer afirmações como esta? Assim foi Sagan, quase sempre “profetizando” fatos que depois seriam constatados.
Com a descoberta de mais de 200 planetas existentes fora do Sistema Solar e de várias espécies de organismos vivendo na Terra em condições há alguns anos consideradas impossíveis – até o momento em que este artigo está sendo elaborado –, a maioria dos cientistas atuais já aceita tranqüilamente a existência de vida extraterrestre e o fato de que, em nosso sistema, o planeta Marte e os satélites Europa e Titã, respectivamente de Júpiter e Saturno, são fortes candidatos a hospedá-la. Aliás, Sagan foi um dos primeiros astrônomos a apontar que poderia haver oceanos nestas luas. Hoje, muitos cientistas falam abertamente da possibilidade de vida extraterrestre em planetas e satélites de outros sistemas estelares, e até exoplanetas gigantes já foram descobertos dentro do que chamam de “zona habitável” do espaço, mas Sagan foi o precursor disso. Se tais planetas possuírem corpos ao redor, é altamente provável que tenham condições para abrigar água líquida, e portanto, serem berços de vida.
Qual seria a probabilidade de que uma única estrela comum, como o Sol, esteja acompanhada por somente um planeta habitado? Por que seríamos nós tão afortunados? Para mim, parece bem mais provável que o universo seja repleto de vida
– Carl Sagan, cientista, autor e revolucionário pensador
Única civilização na galáxia — Infelizmente, apesar de admitirem a existência de vida extraterrestre noutros planetas, os cientistas atuais não têm a mesma ousadia que Sagan tinha há duas décadas, e se limitam a admitir que civilizações alienígenas são bem mais raras. Alguns dizem até que podemos ser a única civilização existente na galáxia, enquanto outros, mais pessimistas, ainda afirmam que, diante do tempo necessário para o desenvolvimento de seres inteligentes com condições tão específicas, é improvável que existam civilizações alienígenas.
Talvez alguns leitores se lembrem de quando, na segunda metade dos anos 1990, uma edição especial da revista Superinteressante abordou o tema extraterrestre, e nela havia uma entrevista com o astrônomo Frank Drake. Surpreendentemente, em outro artigo da edição, em que foram comentadas as então recentes descobertas de exoplanetas, o autor conjecturava de forma absolutamente anacrônica que a Terra seria mesmo um caso único, como planeta pequeno e rochoso que é, já que todos os planetas extrassolares até então encontrados eram gigantes gasosos! Como se houvesse tecnologia na época para detectar planetas menores. Esse foi um monumento ao ceticismo, exercido sem qualquer raciocínio e nem um pouco científico, um comportamento que jamais Sagan teria.
Arca de Noé — E mesmo entre os homens da ciência de hoje e o Carl Sagan de décadas atrás também há um abismo. Ele não tinha medo de tecer especulações ousadas nem defender abertamente a existência de civilizações alienígenas. No capítulo 12 de Cosmos, intitulado Encyclopaedia Galactica, o astrônomo abordou a famosa Equação de Drake [Que estima a quantidade de planetas habitáveis no universo], falou longamente do Projeto SETI e fez conjecturas que, se conhecidas pela comunidade ufológica, espantariam muitos dos detratores que o astrônomo tem. Sobre civilizações alienígenas, por exemplo, Sagan afirmou: “Se houver uma somente um pouco atrás de nós – uns 10 mil anos, por exemplo –, ela não terá nenhuma tecnologia avançada. Mas se ela estiver somente um pouco a frente de nós – que estamos explorando o Sistema Solar –, seus representantes já deverão estar entre nós”. Após um anunciado desses, resta alguém que queira comparar Sagan com os fechados e empedernidos céticos de hoje?
Outro de seus inúmeros livros também deve ser lembrado aqui. O Mundo Assombrado pelos Demônios [Companhia das Letras, 1996], que considera “a ciência como uma vela no escuro”, traz alertas absolutamente pertinentes quanto ao perigoso rumo que nosso mundo está tomando, com exagerado misticis
mo, crescente falta de senso crítico, e puro e simples fanatismo religioso. Nele, Sagan lembrou de fatos que são realidade ainda hoje. Como o de que, nos Estados Unidos, infelizmente, ainda exista gente disposta a acreditar que os dinossauros pereceram por não caber na Arca de Noé. Ou que ignore todas as provas astronômicas, astrofísicas, geológicas, biológicas e apresentadas por tantas outras disciplinas, de que o Sistema Solar tem 4,5 bilhões de anos. Ou que o universo tem mais de 13 bilhões de anos. Algumas pessoas preferem acreditar que, segundo cálculos de um obscuro estudioso da Bíblia, o mundo tem apenas poucos milhares de anos, e foi criado por Deus da mesma forma como descrito nas Escrituras. Essa é uma interpretação fundamentalista e obscurantista que não é defendida nem pelo Vaticano.
Imaginem se o sonho dos ufólogos – e o pesadelo dos céticos – se realizar e um fabuloso disco voador pousar nos jardins da Casa Branca, na frente do prédio das Nações Unidas ou ainda na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Infelizmente, é muito provável que veremos fanáticos religiosos dizerem que a aterrissagem “é coisa do demônio”. Tivemos exemplos muito próximos desse infeliz tipo de doutrina quando algumas pessoas criticaram, por exemplo, a edição UFO Especial 36, que teve o tema Alienígenas na Ficção Científica, porque um dos textos afirmou que o homem teria vindo do macaco. Os ataques comprovaram que tais críticos sequer leram o excelente artigo ali publicado sobre evolução e formação da vida [Evolução: Ficção e Realidade Juntas, de Átila Oliveira]. Lamentavelmente, mesmo na comunidade ufológica, existem pessoas que não aceitam o fato incontestável da evolução, preferindo acreditar nas teorias mais bizarras.
Gurus espertalhões — Quanto ao fanatismo ou ufolatria, também já tivemos nossa cota de gurus espertalhões que, mesmo comprovadamente envolvidos em crimes e denunciados por suas fraudes, ainda mantêm seu lucrativo séqüito de seguidores. Para completar, infelizmente, sempre haverá no meio ufológico as tristes disputas de ego, como quando um caso já muito antigo e amplamente conhecido é revisado e revelado como falso, ou explicado como um fenômeno natural mal investigado na época. Esses são problemas crônicos da Ufologia que, talvez, sejam a causa principal de sua rejeição nos meios acadêmicos.
Sim, Sagan, em O Mundo Assombrado pelos Demônios, é extremamente crítico quanto à pesquisa ufológica. Mas, em vez de simplesmente destratarmos o grande cientista, não deveríamos nos perguntar por que essa figura, de mentalidade tão aberta, nunca se mostrou mais favorável à Ufologia? Sagan tinha uma postura muito mais aberta às possibilidades do que certos famosos cientistas brasileiros atuais, alguns com espaço em programas de grande audiência na TV, inspirados descaradamente em Cosmos, mas chegam a cometer erros absolutamente lamentáveis – entre os quais o desprezo da Ufologia sem uma justificativa minimamente razoável.
Em sua obra, no tocante às abduções, Sagan perguntava como poderia haver civilizações tão incrivelmente avançadas no universo, capazes de realizar viagens interestelares, mas que, ao mesmo tempo, seriam tão atrasadas em biologia, necessitando seqüestrar centenas ou milhares de seres humanos por ano para atingir seus objetivos? E questionava como poderiam ser tão incompetentes a ponto de não conseguirem eliminar essas experiências da memória de suas vítimas, numa alusão aos casos de missing time parciais, utilizados pelos ufólogos para pesquisa das abduções alienígenas. Estas são perguntas absolutamente válidas, mas não temos notícias de que algum ufólogo já as tenha respondido.
Poeira na televisão — Quanto aos cientistas atuais e sua empedernida repulsa à Ufologia, numa atitude contraria à de Sagan, um deles merece ser comentado aqui. Trata-se do físico e astrônomo Marcelo Gleiser, o de maior sucesso atualmente, sendo destaque em diversas revistas nacionais recentes e que até estrelou uma série produzida para o programa Fantástico, o Poeira das Estrelas, nitidamente inspirada em Cosmos. No último capítulo da série, Gleiser desferiu um ataque cético à pesquisa ufológica, mas foi infeliz em seu conteúdo. No episódio final, exibido na noite de 05 de novembro – que mostrou uma concepção artística de uma das criaturas capturadas em Varginha, em 20 janeiro de 1996 –, Gleiser divulgou como fato consumado que ainda não houve confirmação da existência de civilizações alienígenas o fracasso, até o momento, das tentativas de comunicação com elas através de radiotelescópios, como o de Arecibo, em Porto Rico.
O cientista alegou não haver evidências de vida extraterrestre por não se ter obtido uma resposta a um sinal emitido ao espaço em 16 de novembro de 1974. Como se os ETs só conhecessem este método de comunicação e tivessem alguma obrigatoriedade de atender aos nossos anseios. O referido sinal, chamado de Mensagem Interestelar de Arecibo, foi escrito por Carl Sagan e Frank Drake e pode ser conhecido no livro Cosmos, do primeiro. Trata-se de uma descrição pictográfica que contém a imagem do ser humano, do próprio radiotelescópio de Arecibo, dos constituintes essenciais do nosso tipo de vida e informações sobre o Sistema Solar. A mensagem foi enviada ao aglomerado globular M13 [Messier 13, na Constelação de Hércules], distante cerca de 25 mil anos-luz da Terra. São justamente estes números que tornam difícil entender como um astrônomo tão bem preparado como Gleiser poderia esperar que uma suposta civilização alienígena em M13 fosse captar o sinal de Arecibo, se ele, a contar de 1974, levaria 25 mil anos para chegar ao destino! E caso venha a ser respondido, outros 25 mil anos para retornar à Terra…
A menos que uma nave alienígena, passando a uma distância muitíssimo menor da Terra, possa captar e decifrar a mensagem, e enviar uma resposta, certamente teremos que esperar muito tempo por ela. Como Marcelo Gleiser com certeza deve saber como funciona o universo e a dinâmica da velocidade
da luz, talvez seja à esta possibilidade que ele se referiu no programa, o que equivale a dizer que vôos interestelares são possíveis, ou que é plenamente aceitável que a Terra esteja sendo visitada por outras civilizações. Por enquanto, aguardamos um pronunciamento mais claro do astrônomo, para que esclareça seu equívoco em Poeira nas Estrelas. Sagan teria sido bem mais preciso, como, aliás, foi em todas as suas obras.
Ao contrário do que se pensa, Sagan tinha interesse por UFO há muito tempo. Pelo menos desde 1964, quando tratava do assunto com seu colega Jacques Vallée, famoso ufólogo francês radicado nos Estados Unidos. Mesmo muito cético quanto à idéia de se atribuir aos UFOs uma prova de estarmos recebendo visitas extraterrestres, considerava que a ciência deveria examiná-los a fundo, também em vista do grande interesse público pelo assunto. Em 1966, fez parte do comitê ad hoc que analisou o famoso Projeto Blue Book, da Força Aérea Norte-Americana (USAF), concluindo que o mesmo carecia de embasamento científico. Isso levou à implantação de outro programa oficial de investigações ufológicas, o Comitê Condon, da Universidade do Colorado, que ainda hoje é objeto de controvérsias por sua conclusão de que não havia nada anômalo nos relatórios sobre UFOs coletados pela USAF e analisados pelo Blue Book.
“Mole contra os ufólogos” — Em 1969, durante o simpósio da Associação Americana para o Avanço da Ciência, ufólogos pioneiros, como James McDonald e J. Allen Hynek, debateram a existência de UFOs com céticos contumazes, como os astrônomos William Hartman e Donald Menzel. Sagan teve papel destacado na realização do evento, apesar das objeções de Edward Condon, que chefiou o comitê homônimo, que o acusava de ser “mole contra os ufólogos”. Condon queria que ele fosse mais crítico, mas Sagan manteve sua conduta científica. Ele considerava pouco provável que os UFOs tivessem algo de extraterrestre e chegou a estudar o funcionamento de correntes pseudo-religiosas envolvidas com Ufologia. Mas não se dedicou ao assunto por muito tempo.
Se houver somente uma civilização um pouco atrás de nós (uns 10 mil anos), ela não terá tecnologia avançada. Mas se estiver somente um pouco a frente de nós (que estamos explorando o Sistema Solar), seus representantes deverão estar entre nós
– Carl Sagan, cientista, autor e revolucionário pensador
Falhas metodológicas — Se a Ufologia não conseguiu atrair uma pessoa como Carl Sagan – frisemos novamente, com mentalidade infinitamente mais aberta que muitos cientistas atuais, que contraditoriamente o reverenciam, mas não seguem seu exemplo – para seus domínios, aproveitando sua capacidade e projeção, isso é lamentável. Muitos de seus praticantes, antes de simplesmente adotarem a tática de atacar o grande divulgador científico, deveriam aprender com as falhas metodológicas da Ufologia e aprimorar a disciplina.
O próprio Hynek, quando tentou aproximar seu Center for UFO Studies [Centro para Estudos de UFO, CUFOS] da Mutual UFO Network [Rede Mútua de Pesquisas Ufológicas, MUFON], visando organizar um cadastro nacional de casos e avistamentos, foi combatido por outras organizações, que temiam perder “seus casos” para a coalizão que se formava. Mais uma vez o ego de alguns se sobrepôs ao esforço de muitos, em detrimento do progresso da Ufologia – infelizmente, algo muito comum também na Ufologia brasileira. Claro que disputas assim também existem no meio científico. Por exemplo, financiamentos e convites para importantes congressos e simpósios são disputados de maneira nem sempre ética, e muitas vezes a ciência é deixada de lado, em função de pesquisas mais lucrativas.
O status quo individual dos cientistas conta muito. Mas felizmente, não é por isso que a ciência, como algo coletivo, deixa de avançar. Seus métodos, a experimentação e a busca por evidências e fatos concretos podem e devem ser utilizados também no âmbito da Ufologia. A própria MUFON utiliza uma metodologia criteriosa, formando especialistas em investigações de campo antes que eles comecem a atuar – e não apenas arregimenta associados para engrossar seus quadros. Os investigadores de campo, aliás, contam com manuais completos e detalhados para procederem a coleta de informações e evidências mais relevantes de cada caso. Isso é aplicar ciência à Ufologia.
Evidentemente, como tudo no Brasil é muito mais difícil, diante das dificuldades em implementar projetos de livre iniciativa e fomentar a busca por conhecimentos, ainda engatinhamos nessa prática e enfrentamos a crônica falta de recursos e espaço na mídia. Seria fundamental elaborar um manual de conduta para os ufólogos, para reger sua atuação nas mais variadas situações. Por exemplo, se convidados para programas de audiência nacional, deveriam representar adequadamente o pensamento geral da Ufologia Brasileira. Deveríamos ao menos ter uma relação de casos de consenso, aqueles que devem ser citados pelas evidências contundentes que apresentam – apenas para citar dois exemplos, a Operação Prato, de 1977, e a Noite Oficial dos UFOs, de 1986.
Demitido da Universidade de Harvard — Mas estamos longe disso, e portanto, voltemos à Sagan. Nascido em Nova York, em 09 de novembro de 1934, ele freqüentou a Universidade de Chicago, formando-se em física. Em 1960, obteve o título de doutor em astronomia e astrofísica. Trabalhou no Observatório Smithsonian, de 1962 a 1968, e foi professor da prestigiada Universidade de Harvard até o mesmo ano, sendo demitido por suas idéias ousadas, incômodas para a conservadora instituição. Sagan mudou-se então para a Universidade de Cornell, em Ithaca. Ali, liderou o Laboratório de Estudos Planetários e, de 1972 a 1981, foi diretor do Centro de Física de Rádio e Pesquisa do Espaço.
Consultor da NASA desde os anos 1950, Sagan esteve envolvido em inúmeros projetos da agência espacial. Além de instruir os astronautas escalados para irem a Lua, participou da maioria das missões planetárias não tripuladas que eram realizadas. Trabalhou na Missão Mariner 9, de 1971, a primeira sonda a orbitar Marte, durante a qual foram conseguidas as primeiras evidências de que havia um clima “mais ameno” no Planeta Vermelho, com possibilidade da existência de &aacu
te;gua em sua superfície. Sagan participou da descoberta de que o maior cânion de Marte – muito maior que o Grand Canyon, nos EUA – foi quase com certeza escavado pela água corrente, e por isso foi batizado de Vallis Marineris. Foi ele quem concebeu a idéia de enviar mensagens em veículos despachados para o espaço profundo, que pudessem ser entendidas por eventuais extraterrestres – entre elas as placas instaladas nas sondas Pioneer 10 (1972), a primeira a visitar Júpiter, e Pioneer 11 (1973), a primeira a ir para Júpiter e Saturno.
Bactérias marcianas — Carl Sagan teve participação decisiva também na Missão Viking, de 1976, que teve seus dois módulos pousando de forma segura em Marte, na primeira vez que tal feito foi obtido com sucesso. Movidos por geradores nucleares, os módulos de pouso das Viking 1 e 2 funcionaram por anos no planeta vizinho, consistindo numa iniciativa pioneira de busca sistemática por vida em outro planeta. Em Cosmos, o cientista comentou os resultados das experiências marcianas como “profundamente inconclusivos”, embora eles continuem sob férrea discussão na comunidade científica ainda hoje. Em agosto de 1996, já doente, Sagan falou que o anúncio da descoberta de possíveis fósseis de bactérias de Marte, encontradas no meteorito ALH 840001, que se chocou contra a Antártida, se confirmada, seria um dos marcos da ciência em todos os tempos.
Refinando a técnica de envio de mensagens através das naves Pioneer, elaborou com uma conceituada equipe o disco dourado com informações afixadas nas duas sondas, Voyager 1 e 2, lançadas com destino aos maiores planetas do Sistema Solar em 1977. O disco continha um manancial de informações sobre a espécie humana e a Terra. A história da elaboração dessa sofisticadíssima mensagem está relatada no livro Murmúrios da Terra [Francisco Alves Editora, 1978], outra peça essencial na biblioteca de qualquer ufólogo. Sons, imagens, músicas e muitos dados técnicos sobre nossa cultura, tecnologia e biologia compõem a extraordinária mensagem. Na obra, Sagan descreve uma situação inusitada. Na época de lançamento da mensagem nas Pioneer, houve protestos pelo fato de a mesma conter a imagem de um casal nu representando a espécie humana. Alguns alegaram que a NASA “estava enviando pornografia ao espaço”, e feministas acusaram a agência de machista, pois a mulher estaria em posição subalterna ao homem, que é mostrado com a mão erguida em sinal de saudação. Para tentar agradar a todos, na sonda seguinte, a Voyager, a mensagem levou o mesmo casal, mas agora é a mulher que saudava os aliens com a mão erguida.
Flutuadores e perfuradores — Realmente, mesmo na nação mais avançada da Terra, muitos ainda não compreendem as implicações da pesquisa espacial. Em outro interessante trecho de Murmúrios da Terra, Sagan comenta a adição de uma descrição de nosso DNA, base de construção de tudo que é vivo na Terra. O cientista admitiu, inclusive, que o mesmo modelo poderia servir para a vida extraterrestre, ou então que ela fosse algo totalmente diferente da nossa. “Os humanos ainda não sabem que todos são feitos de DNA”, comentou Sagan sobre nossa ignorância. Todas as figuras, músicas, sons e saudações, em vários idiomas, do disco dourado da Voyager estão listados no livro.
Sagan também esteve envolvido com as sondas Mariner, com destaque para a Mariner 2, que comprovou as altas temperaturas de Vênus. Foi o primeiro a tecer teorias sobre um oceano abaixo da capa de gelo de Europa, uma das luas de Júpiter, fato confirmado pela missão Galileo, anos depois. Junto a um colega de Cornell, Edwin Ernest Salpeter, elaborou teorias sobre a vida nas nuvens de Júpiter, que seria composta por seres imaginários como flutuadores e perfuradores – que viveriam eternamente em suspensão na atmosfera jupiteriana e teriam até quilômetros de extensão. Sagan comentou e ilustrou esse trabalho no segundo capítulo de Cosmos, Uma Voz na Fuga Cósmica.
Em uma época em que a idéia de planetas extrassolares e vida alienígena eram ridicularizadas, Sagan já defendia as atividades do Projeto SETI, e finalmente conseguiu que a revista Science publicasse um texto sobre ele em 1982, enviando uma petição assinada por vários cientistas. Já nos anos 80 e 90, alertava para o fenômeno do aquecimento global, do qual tantos ainda duvidam. Muitos o combateram quando afirmou, em pleno período da Guerra Fria, que um conflito nuclear provocaria um inverno que eliminaria quase todas as formas de vida do planeta.
O cientista sempre defendeu a Equação de Drake como um método legítimo de se estimar a existência de civilizações alienígenas. Ele a explica detalhadamente no capítulo 12 de Cosmos, Encyclopaedia Galactica. Embora cauteloso, Sagan emanava um inconfundível otimismo de que um dia chegaríamos às estrelas e encontraríamos outras raças. Ao contrário dos cientistas atuais, há mais de 20 anos Sagan já especulava como seria um contato com outras culturas cósmicas, teorizando sobre como estariam distribuídas no universo. Ele chegou a sugerir que, se uma civilização tivesse surgido um pouco antes da humanidade terrestre, num mundo a até 200 anos-luz de distância, mesmo a velocidades inferiores a da luz tal raça já poderia estar chegando à Terra. Mas por que ainda não vimos sinais dela? Onde os ufólogos estariam falhando?
O astrônomo especulou até quanto à existência de uma possível “lei de não interferência” cósmica, que impediria que outras civilizações interferissem nas mais jovens e emergentes, como a nossa. Em Viajando no Espaço e no Tempo, oitavo capítulo de Cosmos, Sagan apresentou projetos de possíveis naves interestelares, como a Órion, movida por bombas nucleares, e a Daedalus, da Sociedade Interplanetária Britânica, além do projeto do Jato Espacial Bussard.
Leonardo Da Vinci — Sagan afirmou que era importante que tais projetos fossem imaginados, mesmo que se revelassem tão diferentes das naves efetivamente construídas – como o projeto de helicóptero de Leonardo Da Vinci em relação aos atuais. No mesmo capítulo, mostrou vários sistemas solares hipotéticos, afirmando que já naquela época havia sinais, obtidos no estudo da estrela Barnard – distante 6 anos-luz da Terra –, de que a mesma era “puxada” por dois grandes planetas. Infelizmente, tais estudos não eram conclusivos, e mesmo atualmente não existem informações a respeito desse sistema. Novamente, Sagan mostrava-se infinitamente mais adiantado que seus colegas
astrônomos, de antes e de agora, para os quais era “improvável” a existência de planetas extrassolares.
Ainda quanto à Equação de Drake, Sagan postulou que as civilizações alienígenas passariam por uma difícil “infância tecnológica”, durante a qual teriam que vencer uma alta probabilidade de se autodestruírem. Esta é exatamente a fase que atravessamos hoje em nosso planeta. E no capítulo final de Cosmos, Quem Responde Pela Terra?, o cientista descreveu detalhadamente a infeliz situação da época em que reinava a Guerra Fria, com a franca possibilidade de um conflito nuclear devastador, e como os preconceitos e a busca desenfreada e imediatista de lucro poderiam ameaçar a existência da vida planetária. Junto à sua esposa Ann Druyan e várias personalidades, Sagan participou de inúmeros protestos contra a corrida armamentista, chegando inclusive a ser preso. Foi também um dos maiores críticos da Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI), do presidente Ronald Reagan, o chamado programa Guerra nas Estrelas.
Incansável divulgador do papel da ciência e do conhecimento como ferramentas para combater a ignorância, o fanatismo e a estupidez, Carl Sagan escreveu várias outras obras, além das citadas, mas atingiu maior notoriedade junto ao público leigo quando lançou sua série de documentários para a TV, Cosmos. Agnóstico por toda a vida, em Contato [Companhia das Letras, 1997] o cientista tratou abertamente do confronto entre a fé e o saber, especulando sobre como seria a descoberta de uma forte evidência da existência de “algo mais” por trás da realidade. Isso é descrito de forma maravilhosa na obra.
Estática no cinema e na vida real — O interessante é que, tanto em Contato quanto no filme homônimo, estrelado por Jodie Foster [1997], os seletos terrestres escolhidos para uma hipotética viagem a outro planeta – no caso do filme, um mundo ao redor da estrela Vega, na Constelação do Cocheiro – são pressionados pelas autoridades a não revelar sua experiência a ninguém. Sagan estaria denunciando o acobertamento ufológico em seu livro? Isso se vê perfeitamente quando é revelado que a cientista Ellie Arroway, interpretada por Jodie, ao fazer sua viagem àquele mundo, teria gravado apenas algumas frações de segundo de estática com seu aparelho de bordo – quando, na verdade, gravara muitas horas de um conteúdo que as autoridades não pretendem revelar à população.
Nick Sagan, filho de Carl, também incursiona pela trilha deixada pelo pai, mas tem inclinação à ficção científica, tendo escrito vários episódios da franquia Jornada nas Estrelas. No episódio Terra Prime, da quarta temporada da série Enterprise, a Estação Memorial Carl Sagan aparece em uma rápida tomada. Na realidade, é assim como passou a ser denominado o local, em Marte, onde repousa o robô Sojourner, para lá enviado em 1997. Na série, o local foi adicionado ao cenário marciano por computação gráfica e uma placa em granito com o nome de Sagan é visível. O cientista ainda serviu como consultor na preparação do livro e do filme 2001, Uma Odisséia no Espaço [1968], dirigido por Stanley Kubrick. Também participou da petição em favor da exibição da série Jornada nas Estrelas pelas redes de TV norte-americanas.
Existem ainda rumores acerca da participação de Carl Sagan em uma das formações do famigerado grupo de acobertamento ufológico Majestic 12, denunciado pelo físico nuclear canadense Stanton Friedman. Também conhecido apenas como MJ-12, o grupo controlaria todas informações sobre UFOs que circulariam nos Estados Unidos e possivelmente no mundo inteiro. Mas, como muitas das afirmações correntes no “universo conspiracionista” da Ufologia, esta também carece de fundamento.
Intercâmbio cultural com aliens — Enfim, Carl Sagan foi, sem a menor dúvida, uma das mentes mais brilhantes do final do século XX, talvez o maior divulgador científico de todos os tempos, além de pacifista e extraordinário pensador. Tinha ainda um raciocínio muito mais aberto que o da absoluta maioria dos cientistas que o sucederam, tratando ousadamente de temas tão distintos e polêmicos quanto o inverno após uma guerra nuclear, as possibilidades de vida extraterrestre, planetas extrassolares e como seria um intercâmbio cultural com uma civilização alienígena. Suas obras influenciam a ciência e a mídia até hoje, e seguramente seguirão fazendo isso por muitos anos ainda. Sagan também defendia ardorosamente o entendimento entre as nações e a pesquisa espacial, ao mesmo tempo que criticava a inutilidade da corrida armamentista.
O cientista foi um grande crítico da Ufologia, é verdade, mas em suas obras finais – como Contato – ele se atreveu a fazer especulações inusitadas para um acadêmico, como acobertamento governamental aos UFOs e viagens mais velozes que a luz, por meio dos chamados buracos de minhoca [Wormholes]. Tudo isso nos faz pensar que sua morte precoce, em 20 de dezembro de 1996, nos privou de outras obras ainda mais fascinantes que ele produziria – além de comprovar que ele permanecia com a mente aberta para novas idéias. Sua crítica à Ufologia, em vez de estimular ataques ao seu trabalho, deveria servir de alerta aos ufólogos, de motivo de reflexão para todos nós. Especialmente quanto à nossa incapacidade de cooptar alguém tão notável para apoiar a causa ufológica.
O pensamento desse grande cientista, principalmente quando denunciava o fanatismo, a ignorância e o extremismo de certos segmentos da Ufologia, precisa ser conservado e praticado. Sua luta pela ciência era a mesma que os ufólogos travam há décadas, buscando revelar a verdade sobre nossos visitantes, cuja presença talvez ainda não tenha se concretizado devido à ignorância e à estupidez tanto criticadas por ele. Em tempos plenos de barbarismo, fanatismo, gurus espertalhões, tentativas de cerceamento da livre manifestação e tantas outras mazelas, vale lembrar o que dizia Sagan: “Sabemos quem responde pelas nações, mas quem o faz pela espécie humana? Quem responde pela Terra?”