O astronauta Marcos Pontes, de 40 anos, vibrou ao ler a notícia de que o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, tinha enviado uma carta para a agência espacial chinesa visando a possibilidade de um brasileiro integrar uma missão tripulada da China. O major-aviador, que está há cinco anos participando do Programa Espacial Internacional da Nasa, em Houston, nos Estados Unidos, disse estar pronto para a missão. Pontes elogiou a iniciativa chinesa de enviar ao espaço uma missão tripulada e destacou que o fim da Guerra Fria abriu novas fronteiras para a corrida espacial, elimando preconceitos ou disputas entre os países. Sobre o programa espacial brasileiro, Marcos Pontes lembra que acidentes como o ocorrido recentemente na base de Alcântara infelizmente acontecem, e que o governo precisa incentivar e dar maior suporte ao programa, caso queira incrementar a indústria nesse setor. O astronauta falou à BBC Brasil, por telefone, de Houston. BBC Brasil – Como foi vista pelos astronautas a possibilidade de mais um país entrar na corrida espacial, com o lançamento do primeiro foguete chinês tripulado, o Shenzhou V ? Márcio Pontes ? Isso foi visto com bastante alegria. Dentro desse programa internacional, existe um consenso geral sobre o assunto. A gente imagina o planeta como uma idéia única. Aquela idéia de corrida espacial que se tinha durante a Guerra Fria, aquilo se transformou em uma coisa mais saudável. A gente vê isso como mais uma possibilidade do homem chegar ao espaço. E isso é uma coisa boa. Como o senhor reagiu ao ler a notícia de que o ministro Roberto Amaral pediu ao programa espacial chinês para que um brasileiro integrasse uma missão chinesa? Márcio Pontes ? Eu gostei muito quando li essa notícia (risos). Esse um astronauta aí sou eu! Eu gostei muito dessa possibilidade. Eu estou aqui a serviço do país. Então, tento fazer o melhor possível dentro do programa para dar os maiores benefícios para o Brasil. Se o ministro vê essa possibilidade de vôo na China, eu acho excelente. E como piloto, uma possibilidade de vôo não se desperdiça. E se chegasse hoje a notícia que a China aceitou abrir espaço para um brasileiro? Márcio Pontes ? Uh, eu acho isso muito bom. Eu sou treinado para vôos na estação espacial e no ônibus espacial. Eu tenho algum conhecimento no Soyuz (nave espacial russa). A parte chinesa, obviamente eu não conheço nada, e eu teria que ter um treinamento de operação do equipamento chinês. Mas de forma geral eles não fogem muito a regra. Em cerca de seis meses, um ano, eu iria fazer um vôo com muito prazer. Como o senhor ficou sabendo da notícia? Márcio Pontes – Eu recebi a notícia por uma amiga que trabalha na agência (internacional espacial) e agora trabalha no serviço de relações públicas do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Eu pensei: puxa, essa é mesmo uma possibilidade. Confesso que fiquei muito animado, animado mesmo. Existe algum tipo de preconceito em relação a missões de países como a China ou mesmo a Rússia? Marcos Pontes – A China é um país interessante. Ela tem uma cultura muito antiga e a parte de tecnologia em um boom de uns tempos para cá. Os avanços são grandes – na China, Taiwan e Hong Kong – com investimentos gigantescos. Tecnologia é sempre ligada a investimento. Se você tem investimento você tem desenvolvimento de tecnologia adequada. Na Rússia eles tem uma tecnologia espacial que muitas vezes supera as tecnologias daqui (Nasa). Em termos de estação espacial eles têm um conhecimento muito grande. Eles tiveram a Mir (estação espacial)durante tanto tempo no espaço. O sistema russo, embora quando você olha eles parecem muito antigos, meio feios, mas eles são sistemas robustos, falham pouco. Então, são sistemas confiáveis. O senhor acha que o acidente em Alcântara pode atrasar o programa espacial brasileiro. O senhor acha que nós vamos conseguir ter um missão tripulada em quanto tempo? Marcos Pontes – Olha, eu acompanho muito o programa espacial brasileiro porque eu sou o responsável por esse acordo da estação espacial. Eu vou com boa freqüência ao Brasil, pelo menos uma vez por mês, e acompanho de perto tudo que está acontecendo. A parte do acidente de Alcântara é uma coisa lamentável, mas uma coisa que acontece em desenvolvimento de sistemas como esse. Infelizmente, esse tipo de coisa acontece. Nosso programa espacial é de 1961, você vê que é bastante tempo que a gente vem lutando com orçamento baixo, lutando com falta de pessoal e com salários baixos. Eu acredito que um acidente desse, se é que uma coisa dessa pode ter um lado bom, pode chamar a atenção das autoridades para um programa como esse, que é um programa nacional. Daí a chegar a um programa de voo tripulado é um caminho muito longo. Uma coisa é um vôo sem tripulação ?? É uma coisa difícil, mas não impossível. Só é preciso de vontade política. Qual seria então a melhor opção para o programa espacial brasileiro se desenvolver? BBC Brasil – Particularmente, o mais viável, o mais inteligente a fazer no Brasil é desenvolver os lançadores, os satélites, as bases de lançamento sendo desenvolvidas no país. Como a estação espacial participa desse programa, participa através da promoção do país e da industria brasileira junto aos outros 15 países que integram o Programa Espacial Internacional da Nasa. Agora, para desenvolver essa parte de vôo tripulado é melhor desenvolver acordos de cooperação com outros países, como com a China e mesmo a Russia ou os Estados Unidos. Fazer um desenvolvimento de sistema em conjunto é mais rápido e mais barato. Integrar uma missão tripulada da China pode ser o caminho para o Brasil dar um “empurrão” no programa espacial brasileiro? Marcos Pontes – Pode ser um caminho para dar uma nova fase. Estação espacial é um caminho que abre perspectiva em termos de cooperação de pesquisas científica com 15 paises que são líderes nessa área. Outra coisa interessante é que coloca um investimento relativamente grande, cerca de US$ 80 milhões para abastecer a indústria brasileira. Esse é um diferencial desse programa porque 100% do dinheiro é para ser empregado na indústria brasileira. E não só isso, começando a produzir peças para estação espacial, ela se qualifica automaticamente para produzir material para esses outros 15 países. A partir a industria pode fazer contratos de exportação com outros países e ganhar dinheiro, gerando empregos, independentemente da estação espacial. Mas o Brasil ainda precisa ter um pouco mais de incentivo para alcançar essas metas? Marcos Pontes – É super necessário isso. A gente tem os programas, a gente tem pessoal, mas para manter esse negócio funcionando a gente precisa primeiro do incentivo do governo, para colocar essa máquina funcionando. E aí, essa própria máquina ela vai rodar sozinha e gerar recursos. Por exemplo, quando Alcântara tiver produzindo comercialmente já vai estar gerando dinheiro. Mas tudo precisa desse empurrão inicial para pegar esse motor, e tem que ser feito com vontade porque esse motor é pesado.