A norma da boa conduta literária recomenda que uma história só seja publicada se os seus protagonistas a autorizarem, ainda mais em se tratando de dois religiosos, um temendo comprometer-se junto a seus patrícios, outro visando resguardar seu anonimato. Para complicar, no fulcro das discussões há um ser supostamente extraterrestre que escolhe seus contatados a dedo, avisando-lhes de suas intenções, mas que não tem como passar seu recado a este escritor. Diante desse impasse, percebe-se a dificuldade de engendramento de uma discussão dialética em torno de um personagem mítico como Ashtar Sheran.
A solução, neste caso, seria a divulgação dos dois pensamentos, procurando reproduzir, da melhor forma possível, o relato dos envolvidos sem, no entanto, identificá-los. Assim, começaremos nossa análise partindo do ponto de vista de duas senhoras que têm visões religiosas distintas do que significa Ashtar Sheran. Portanto, com exceção do nome — Ashtar —, pseudônimos serão usados para preservar as protagonistas, que chamaremos de Senhora X e Senhora Y. Uma defende com veemência que a origem do ser em questão, bem como os serviços oferecidos por ele, seriam satânicos e maléficos à humanidade. A outra, por sua vez, vai por um caminho totalmente oposto, encarando Ashtar quase como um santo de Deus, da mesma estatura que Jesus. Ambas são cristãs praticantes: a Senhora X é protestante e a Senhora Y se diz uma “católica esotérica”. É interessante notar que a maior parte das mensagens canalizadas por médiuns e supostos contatados são de cunho notadamente cristão. Vamos aos relatos.
Casos entre mundos
Diz a Senhora X: “Revelação do Senhor Deus: Olhai e vede, vós que tendes sabedoria! No vosso meio está um Anjo de Luz (Ashtar Sheran) transfigurado. Este é, na verdade, o mesmo que os terrenos chamam o gênio da lâmpada maravilhosa de Aladim. Este deus (Alá), que de uma lâmpada fala ao homem terreno, lhe prometendo servidão eterna, bem como bens terrenos, operando em sua presença maravilhosa em agradecimento por ter este o libertado de sua prisão milenar, é o mesmo que vos aparecerá agora, nos céus da Terra para consolidar sua aliança com os que o libertaram. Todos os feiticeiros, prostitutos, homicidas, idólatras e qualquer que ame e cometa a mentira, que antes assim procederam pecando, contra as palavras de Deus nos mandamentos, não dando crédito à redenção em Cristo Jesus, ao poder deste Ashtar Sheran será entregue se cumprir o que está no Apocalipse. Amém!” [Apocalipse 20:7-8; 20:11-15]
Neste relato de visão e audição, vejam que não é Ashtar Sheran quem passa sua mensagem à Senhora X, mas, segundo ela, o próprio Deus, muitas vezes confundido com Jesus ou com o Espírito Santo do Senhor. Esse atributo de “falar com Deus” é comum entre os protestantes de determinadas vertentes, notadamente os mais fervorosos. A Senhora Y, por sua vez, diz o seguinte: “Precisamos nos preparar para o porvir. Quando recebemos aquela mensagem gravada em fita do comandante Ashtar Sheran [A mais famosa e amplamente divulgada na Internet], soubemos que se aproximava a hora do retorno de Jesus! Sou uma pessoa especial, consigo ver e escutar o que poucos percebem. Não posso sair por aí falando, pois me taxariam de louca. Mas percebo que é chegada a hora porque posso pressentir a frota de naves do Ashtar. Muitos não conseguem ver nada, mas às vezes elas entram em certo padrão de vibração e aí eu posso vê-las. Do que me foi passado, o que posso lhe dizer é que precisamos urgentemente constituir um centro, uma residência energética e física aqui em Brasília para que sirva de posto avançado e sede para proporcionar a essas naves condições delas nos resgatarem assim que as turbulências começarem.
Um segmento defende com veemência que a origem de Ashtar, bem como os serviços oferecidos por ele, seriam satânicos e maléficos à humanidade. Outro vai por um caminho totalmente oposto, encarando-o quase como um santo
Depois que toda a limpeza estiver concretizada, retornaremos para uma terra modificada, onde a paz reinará e apenas uma religião existirá. Em uma de minhas visões vi que a polícia perseguia pessoas pelas ruas, e somente 1.200 seriam salvas por meio de uma luz que nos sugava dessa sede até uma das naves. Lá ficaremos até que as profecias do Apocalipse se concretizem. Estamos muito próximos disso, já que em 2012 se dará o ato final. Existem muitos seres negativos querendo retardar o resgate e atrapalhar ao máximo o trabalho dos seres de luz, que estão sob o comando de Ashtar Sheran. Mas os negativos estão sentindo que já começaram a perder essa batalha e não vão querer entregar o que eles conseguiram nesses milhares de anos dirigindo o planeta”.
“Operação resgate”
Diferentemente da Senhora X, a Senhora Y se diz uma privilegiada por ter visões e manter contato direto com o comandante das naves, sendo por ele avisada de que uma “operação resgate” está preste a ser executada e só alguns “escolhidos” se salvarão. É importante ressaltar que tanto neste como em outros casos, há uma relação cronológica entre contatos, fatos ocorridos — geralmente catástrofes — e situações que podem vir a ocorrer como resultado de conflitos armados e outras mazelas causadas pelo homem à natureza. Certas mensagens alarmistas são tão sugestivas que chegam a assustar os mais suscetíveis e os menos avisados.
Ideias apocalípticas
Em comum, ambas acreditam que estão em contato com essa entidade e alicerçam suas revelações no livro do Apocalipse. Nenhuma das duas tende a abandonar completamente suas religiões, adotando-o como a única divindade. Ashtar Sheran configura-se assim mais como uma via para a concretização de profecias ou especulações apocalípticas do que propriamente para a estruturação de uma nova religião. Os que o consideram como um enviado das hostes divinas esperam que ele venha na forma de um guerreiro da era espacial, protetor e defensor do planeta. Já para aqueles que o encaram como um enviado das “hostes negras”, ele não passaria de um anjo caído, uma criatura maléfica, anticristã. De nossa parte inferimos que Ashtar Sheran configura-se mais como um grande quebra-cabeça psicossocial e não um caminho para uma nova religião. Al&ea
cute;m do que, não existem elementos suficientes para provar sua existência, tampouco de qualquer outro ser extraterrestre plenamente identificado. Daí não se depreende, em absoluto, que esses seres não existam, pois a Ufologia, nesses últimos 65 anos, vem coletando evidências da ação de tais inteligências na Terra.
Quando os deuses viraram ETs e depois voltaram a ser deuses…
A presença de deuses sempre foi uma constante no passado de todas as culturas do planeta. Tanto que, quando da chegada dos conquistadores espanhóis, em 1532, os incas acreditaram que eram os deuses que retornavam cumprindo uma antiga promessa. Os espanhóis souberam usar excepcionalmente bem essa crença, tendo lhes bastado um punhado de homens e umas poucas armas para dizimar uma civilização portentosa e várias vezes mais poderosa. Será que os deuses eram apenas produtos do imaginário coletivo ou seres de outros mundos ou dimensões?
O avanço de nosso conhecimento científico nos proporcionou a capacidade de compreender as tecnologias usadas pelos deuses, que antes tomávamos por magia. Erguemos grandes cidades, onde nos salvaguardamos das mudanças climáticas, aplacamos a fome, comunicamo-nos instantaneamente com qualquer lugar do mundo, nos locomovemos pelos céus em aeronaves e em foguetes pelo espaço. Ou seja, nós mesmos nos transformamos nos deuses do passado, equiparando seus poderes. Assim, é natural que haja um enfraquecimento gradual da crença nos antigos deuses. Ademais, sempre surgem novas ideias e interpretações, redundando na dissidência de facções, divisão de grupos e rivalidades entre os líderes. A ambição pelo poder leva à criação de novas seitas, as quais procuram, para atrair o máximo possível de adeptos, estarem afinadas com as preocupações do momento, tais como agora a salvação do meio ambiente, a destruição da camada de ozônio e o resgate cósmico em caso de destruição global.
Os novos sacerdotes são os contatados devidamente “chipados” pelos comandantes estelares que os usam como porta-vozes e os persuadem a obedecê-los e a adorá-los como se fossem as velhas divindades do passado. Alienados de sua própria realidade, esses contatados colocam seus destinos inteiramente nas mãos de novos deuses, agora chamados de “irmãos maiores”, que os conduzirão ao caminho da verdadeira libertação desse nosso mundo de “baixas vibrações” e trarão a redenção para toda a humanidade. — Luciano Stancka e Silva