Em meio a todo processo de divulgação ufológica que tomou conta da mídia nacional após a publicação da Portaria 551/GC3, do dia 09 de agosto passado, no Diário Oficial da União, que regulamentou como devem ser tratados no país os registros de observações ufológicas, algo no mínimo decepcionante ocorreu na noite do domingo daquela mesma semana, 15 de agosto. Foi ao ar naquela data, como quadro inicial do programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, uma matéria que supostamente conteria revelações esclarecedoras de casos de destaque da Ufologia Brasileira — pelo menos era assim que se via nas chamadas.
No entanto, a matéria, supostamente de cunho investigativo e assim afirmado desde sua abertura, privilegiou depoimentos cujas bases deveriam, no mínimo, ter merecido maior verificação, em detrimento de casos ufológicos bem conhecidos e documentados, e até expostos como legítimos pelo mesmo programa, no passado. O quadro foi iniciado com uma rápida referência à já citada portaria, como se o fato não merecesse qualquer importância, demonstrando claramente, por parte da direção do programa, uma postura diferente e muito particular frente ao momento atualmente vivido pela Ufologia Brasileira. Já se evidenciava naquele momento a linha editorial que seria impressa ao longo da reportagem. Mas vamos às tais “revelações” do programa Fantástico.
Inconsistências nas fotos
O primeiro caso apresentado pelo programa foi o das históricas fotos da Barra da Tijuca, de maio 1952, cujas análises, feitas décadas atrás, já tiveram resultados amplamente divulgados e revelaram incoerências gritantes. Como se sabe, as imagens foram obtidas pelo fotógrafo Ed Keffel, na época vinculado à revista O Cruzeiro, coisa que está longe de ser uma descoberta do referido programa dominical, como se pretendeu insinuar. É fato conhecido e batido. A própria Ufologia Brasileira já descartou o caso, especialmente devido a inconsistências em uma das fotos do suposto disco voador fotografado por Keffel, como sabem aqueles que acompanham a temática ufológica.
O próximo fato apresentado e supostamente “desvendado” pela produção do programa, foi a chamada Operação Prato, o projeto sigiloso de investigação ufológica desenvolvido pelos militares da área de inteligência do I Comando Aéreo Regional (COMAR I), de Belém, para examinar a grande onda de observações de discos voadores no estado do Pará, ocorrida no segundo semestre de 1977. A missão militar, tida como a maior em todo o mundo com este propósito, conhecida até hoje, foi criada pelo brigadeiro Protásio Lopes de Oliveira. Como já foi amplamente divulgado em inúmeras reportagens e documentários, inclusive no exterior, os próprios militares envolvidos na referida investigação, comandados pelo então capitão Uyrangê Hollanda, além de registrarem inúmeros casos de avistamentos narrados pelas populações dos municípios atingidos pela onda, acabaram por se tornar testemunhas diretas do fenômeno.
Também se sabe, e foi ineditamente revelado pela Revista UFO, que Hollanda e seus comandados conseguiram obter cerca de 500 fotografias e vários filmes registrando a presença de objetos voadores não identificados das mais variadas formas e dimensões. Toda esta história começou a ser divulgada em larga escala e com detalhes realmente impressionantes, logo após a entrevista que este autor e o editor A. J. Gevaerd gravaram com o próprio comandante da operação, antes de seu falecimento, em 1997 [Veja UFO 114 a 117, agora disponíveis na íntegra em ufo.com.br].
“Descobertas” do Fantástico
Pois bem, a produção do Fantástico resolveu agora dar divulgação a um curioso depoimento que a mídia da própria região onde os fatos ocorreram não deu a menor atenção no passado, mas que pode ser encontrado no site ufológico Vigília [Endereço: www.vigilia.com.br], que, apesar de ter sido alertado quanto à extrema fragilidade e incoerência das informações prestadas, na época da publicação da referida matéria, insistiu em manter sua “descoberta” no ar. Estamos falando do depoimento do senhor Fernando Costa, filho do sargento Flávio Costa, membro destacado do I COMAR e espécie de “braço direito” do comandante da Operação Prato.
Fernando simplesmente teve a coragem de declarar que teria sido o responsável, na época dos fatos, quando era pouco mais do que um adolescente, de fazer a revelação dos filmes fotográficos obtidos pelos homens de Hollanda em um laboratório fotográfico improvisado no quarto da empregada de sua residência, como se isso tivesse sido imposto pelo próprio pai. Como se já não bastasse o absurdo, ainda declarou à Vigília — que tomou o depoimento como verdadeiro sem uma mínima checagem, e agora também o fez o Fantástico — que teriamanipulado e adulterado muitas fotos no processo de revelação, “ampliando qualquer ponto luminoso impresso no filme, para que ficasse parecido com um disco voador”.
O filho do sargento Flávio Costa disse que os pontos que ampliou e manipulou nada tinham a ver com os objetos observados e fotografados pelo grupo de investigadores militares, mas que foram publicados como verdadeiros UFOs então, o que lhe causava grande alegria, segundo festeja. Fernando Costa justifica tal atitude com a alegação de que esta teria sido uma forma de reagir às imposições do pai, que o obrigava a ter uma vida militar cheia de disciplina. Disse ainda que esta foi a maneira encontrada para “sacanear” o pai, em suas próprias palavras.
Operação altamente sigilosa
Em outras palavras o que hoje Fernando Costa pretende nos fazer acreditar é que seu pai, depois de ver os UFOs junto com seus companheiros de investigação, obter fotografias dos mesmos durante uma operação altamente sigilosa, chegava em casa e entregava este material da mais alta importância para ele revelar. E quer nos fazer crer também que, depois de tamanha manipulação, nem seu pai, nem os outros militares que haviam sido testemunhas dos UFOs na selva — além de terem sido os responsáveis pela obtenção das fotos —, nunca perceberam que as imagens supostamente reveladas por Fernando Costa não correspondiam ao que havia sido visto por cada um deles.
É possível dar credibilidade a isso? O site Vigília deu. O Fantástico deu. A Revista UFO não apenas não deu como ainda rechaçou isso com veemência na artigo Mais Uma Falácia Cética é Desmontada [Veja UFO 155, agora disponível em ufo.com.br].
Outra questão relevante, também óbvia para qualquer pessoa que resolva pensar um pouco, é como Fernando Costa conseguiria saber o que era UFO ou não nos negativos revelados, se ele próprio não participava das atividades da Operação Prato? Este é outro detalhe que passou longe da “investigação” do Fantástico, e lamentavelmente não mereceu qualquer forma de questionamento. Nova questão que devemos ressaltar — e que também serve para firmar um julgamento sobre toda essa história — diz respeito à origem das fotos que Fernando Costa alega ter manipulado em seu absurdo e inacreditável pronunciamento. Ele declara que se divertia ao ver as imagens por ele forjadas publicadas em livros de Ufologia, esquecendo-se que havia apenas um único livro de Ufologia na época a tratar da Operação Prato, Vampiros Extraterrestres na Amazônia, do consultor da Revista UFO Daniel Rebisso Giese [Edição Particular, 1985], e não mais do que uma meia dúzia de lá para cá, todos contendo mais ou menos as mesmas fotos — que Fernando Costa quer que acreditemos que ele forjou. Ora, o que não sabia o rapaz — nem Vigília ou o Fantástico tentou apurar — é que a maioria daquelas imagens, que se supunham obtidas pelos militares envolvidos com a Operação Prato e que teriam surgido através de um “vazamento” de documentação ocorrido na década de 80, dentro da área do I Comando Aéreo Regional (COMAR I), nem sequer era da referida missão militar. Como revelaram pesquisas recentes realizadas pelo editor A. J. Gevaerd, a maior parte das fotos publicadas à exaustão fora feita por fotógrafos e jornalistas do Pará que cobriam a onda ufológica na época, e que acabaram confiscadas pela Aeronáutica e publicadas como se dela fossem. Sim, os UFOs da grande onda de avistamentos naquela região da Amazônia foram observados por centenas de pessoas das mais diferentes qualificações, e fotografados inclusive por jornalistas, além dos próprios militares.
Imagens confiscadas pela FAB
Assim, ao contrário das declarações de Fernando Costa e da “verdade” exposta pelo programa Fantástico, toda história está amplamente documentada e pode ser checada na forma de depoimentos e documentos cuja credibilidade já foi mais do que corroborada. Isso tudo levou a Operação Prato a um nível de importância sem paralelo na história da Ufologia Mundial. A fábula de Fernando Costa também já foi ressaltada em entrevista da Revista UFO com o jornalista Carlos Mendes, de Belém, que participou diretamente da cobertura da onda ufológica dos anos 70 e é profundo conhecedor de alguns de seus detalhes mais impressionantes. Mendes declarou à esta publicação que Fernando Costa já o havia procurado para contar sua “história”, mas que evidentemente não levou a sério suas declarações, percebendo que estava apenas procurando seus 15 minutos de fama. É lamentável que coisas deste tipo aconteçam.
Mas o Fantástico não parou na Operação Prato e deu seguimento à sua “investigação” trazendo depois um rápido depoimento do advogado Ubirajara Franco Rodrigues, ex-co-editor e ex-consultor da Revista UFO desde sua fundação, e autor da obra O Caso Varginha [Código LIV-008 da coleção Biblioteca UFO. Confira na seção Shopping UFO desta edição e no Portal UFO: ufo.com.br], que recentemente causou polêmica ao desmerecer fatos importantes da Ufologia Brasileira e até mesmo de suas próprias investigações do caso mineiro, em entrevista publicada nas edições UFO 153 e 154. Embora curto, o depoimento de Rodrigues foi o suficiente para que este pudesse expor mais uma vez sua atual posição negativa sobre o caso Varginha.
Alegações vazias
Segundo declarou ao Fantástico, “não existem provas nem indícios” que permitam uma interpretação que leve em consideração a presença de uma nave e possíveis seres extraterrestres em Varginha. Como é do conhecimento dos leitores dessa revista, o advogado mineiro, em 1996, liderou as investigações sobre o incidente. Falava publicamente com entusiasmo e até veemência sobre a seriedade e a importância das testemunhas, que alegavam inclusive ter avistado uma nave aparentemente com problemas a baixa altitude e emitindo uma fumaça branca, que, segundo os observadores, teria rumado em direção àquela cidade mineira, hoje tão famosa.
Junto com o também ufólogo Vitório Pacaccini, Rodrigues estimulou testemunhas a se pronunciarem publicamente a respeito de detalhes específicos do caso, e chegou até a apresentar e a denunciar para a imprensa uma suposta tentativa de suborno sofrida pelas principais testemunhas civis, justamente as mesmas que, segundo suas palavras no passado, tanto o haviam impressionado, motivado o início de suas investigações — as mesmas testemunhas que relataram ter visto um dos seres. Isso para não falarmos das inúmeras referências que fez às testemunhas militares, cujos depoimentos foram gravados em vídeo, um deles inclusive por este autor, endossando a idéia da presença e queda de uma nave alienígena que teria espalhado alguns seres pela região, conforme documentei em uma entrevista concedida e preservada em meus arquivos.
O advogado Ubirajara Franco Rodrigues ainda deve possuir, já que na época presenteou este autor com uma cópia, um detalhado depoimento de um membro da Força Aérea Brasileira (FAB), devidamente gravado pelo pesquisador Vitório Pacaccini, fazendo referências justamente à intensa atividade ufológica registrada no sul de Minas Gerais por ocasião dos fatos relacionados ao incidente, em janeiro de 1996. Rodrigues tem todo o direito de modificar suas avaliações e sua postura pública frente ao caso, com já o fez, assim com
o em relação à Ufologia em geral, naturalmente. Mas não é tão simples assim.
Mudança de opinião sem explicação
Ele ainda não explicou porque, depois de defender com tanta veemência que algo de muito importante havia acontecido em Varginha, chegando a afirmar a existência de sinais claros de um processo de acobertamento, ele mesmo, de maneira contraditória, mais à frente, manteve sigilo sobre uma “visita” que teria feito às instalações da Escola de Sargento das Armas (ESA), da vizinha cidade de Três Corações, a unidade do Exército que, justamente segundo suas investigações e as de Pacaccini, havia tido ampla participação no caso. O fato aconteceu por ocasião de um inquérito policial militar para o qual tanto Rodrigues como Pacaccini foram convidados a depor, afim de prestar esclarecimentos. “É muito estranho que, depois deste fato, Rodrigues tenha mudado de posição progressivamente, e mantido realmente silêncio quanto a todo o episódio”, declarou o editor de UFO A. J. Gevaerd.
Como é do conhecimento geral da Ufologia Brasileira, pelo menos daqueles que acompanham a Revista UFO, a existência de tal inquérito foi denunciada e revelada publicamente há alguns anos por este autor [Veja edição UFO 156, agora disponível na íntegra em ufo.com.br]. O fato de maior gravidade no contexto do caso, depois da misteriosa morte do policial Marco Eli Chereze, não foi mantido em sigilo, entretanto, apenas por alguns pesquisadores, mas pelo próprio Exército, o que configura uma curiosa situação. De qualquer forma, agora motivado por medidas relacionadas à campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, o órgão acaba de reconhecer a existência desse inquérito, e a Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) espera para breve ter acesso à documentação relativa a este procedimento.
Mais falácias do programa
Outro episódio da Ufologia Brasileira que também foi alvo do programa dominical foi o Caso da Ilha Trindade, que envolve as famosas fotos de um disco voador obtidas pelo fotógrafo baiano radicado em Niterói Almiro Baraúna. Tive a oportunidade de estar inúmeras vezes com o fotógrafo, e a felicidade de entrevistá-lo poucos anos antes de sua morte, gravando em vídeo um depoimento mais do que detalhado em que ele reafirma a veracidade e a legitimidade das quatro fotografias que fez em 16 de janeiro de 1958, a bordo do navio Almirante Saldanha, da Marinha Brasileira, fundiado nas proximidades da Ilha de Trindade. Baraúna foi convocado por um dos militares presentes para documentar a presença do UFO sobre a ilha.
Pois bem, a “investigação” do Fantástico conseguiu agora — mais de meia década depois do caso — descobrir uma senhora que alega ter ouvido do próprio Baraúna a afirmação de que tudo não passou de um truque fotográfico desenvolvido com o emprego de duas colheres, tendo uma geladeira como fundo. Emília Bittencourt, esta nova e surpreendente testemunha, só não explicou se o fotógrafo também levara a referida geladeira para a embarcação da Marinha, pois, como também está documentado e registrado na própria história do incidente, divulgada mundialmente, as fotografias foram feitas na presença de dezenas de testemunhas militares no convés do navio.
Como também se sabe bem, o filme fotográfico foi revelado logo em seguida no próprio laboratório fotográfico da embarcação, apesar das limitações que apresentava, e o UFO que havia sido observado, de forma discóide, foi prontamente identificado e reconhecido em quatro das seis fotos batidas por vários desses militares que aguardavam ansiosos para saber se o fotógrafo havia conseguido documentar o disco. Por duas vezes durante os poucos segundos que durou a observação, ele foi literalmente desequilibrado pela movimentação da tripulação da embarcação, não conseguindo enquadrar o objeto ao acionar o obturador da câmera.
Desfazendo qualquer dúvida
Essas informações, além de serem do conhecimento geral da Comunidade Ufológica Brasileira e Mundial, foram divulgadas na época nos principais jornais do país. Mas, diante de toda a polêmica que ocorreu então, o Estado-Maior da Armada (EMA) realizou um detalhado processo de investigação, providenciando sucessivas análises dos negativos e realizando interrogatórios que envolveram 48 depoimentos, quase todos de militares da tripulação da embarcação, dentro de um inquérito sigiloso em que Baraúna foi figura de destaque, sendo convidado a participar de uma série de avaliações e estudos.
O relatório final dessa investigação acabou classificado como confidencial e foi mantido longe dos olhos da população. Mas em 16 de abril de 1958, três meses depois do incidente, através de nota oficial emitida pela Marinha, jornais, rádios e programas de televisão afirmavam com destaque especial que toda aquela polêmica chegava ao fim, pois o EMA acabava de reconhecer oficialmente que um objeto em forma de disco havia realmente sido observado em Trindade, e fotografado na presença de inúmeras testemunhas.
Esta é a história dos fatos, aqui registrada de maneira bem resumida. E justamente por isso não foi surpresa para a Equipe UFO que, depois de ser contatada pelo editor A. J. Gevaerd, a sobrinha do fotógrafo em questão, Mara Baraúna, através de e-mail, tenha veementemente negado a suposta confirmação de fraude que lhe fora atribuída na narrativa do Fantástico. “O único contato que tive com a produção do Fantástico foi para declarar que não queria participar do programa. Jamais dei a declaração que me foi atribuída”, declarou Mara. Os fatos relacionados ao caso, como agora este desmentido, transformam o depoimento da senhora Emília Bittencourt em algo profundamente lamentável. E pela segunda vez, dentro da mesma matéria, o principal atingido pelas “descobertas” do programa global não pôde se defender pessoalmente. Baraúna morreu em Niterói, em 2000, e Uyrangê Hollanda em Iguaba Grande, norte do Rio de Janeiro, em 1997.