A publicação, em julho de 1999, do documento Os UFOs e a Defesa: O Quanto Devemos Estar Preparados?, relatório final da Comissão Cometa e também conhecido como Dossiê Cometa, foi decisiva para se chegar ao que se viu em 22 de março passado: a França liberando ineditamente relatórios oficiais sobre discos voadores pela internet. A Comissão foi mais uma iniciativa do país para avaliar casos ufológicos e o impacto que sua revelação teria para a população. Ela vem na seqüência de ações concretas que a França toma desde 1976, quando foi a primeira nação do planeta a admitir que os UFOs são reais e não terrestres. Quase uma década e meia antes disso, em 1962, as autoridades tinham criado o Groupe D’Étude des Phénomènes Aérospatiaux [Grupo de Estudos de Fenômenos Aeroespaciais, GEPA], uma iniciativa limitada de investigação ufológica.
O Dossiê Cometa provocou grandes controvérsias em todo o mundo [Veja matéria na UFO 73]. Uma delas girou em torno da natureza da Comissão Cometa, se era uma iniciativa governamental ou privada. Na verdade, era uma iniciativa privada mantida com auxílio governamental. Entretanto, o estilo e o formato de seu funcionamento, assim como o conteúdo de seu relatório final, dão a ela uma aparência oficial aos olhos do mundo. Ainda mais quando se considera que vários membros da Comissão ocuparam – alguns ainda ocupam – postos importantes nos setores de defesa, ciência e indústria francesas. De qualquer modo, um dos principais efeitos que a liberação do Dossiê Cometa causou foi renovar, na França, o interesse pela pesquisa oficial que o governo realiza sobre o Fenômeno UFO.
É bem conhecido em todo o globo que foi a França quem criou a primeira organização oficial – ou quase oficial – para o estudo dos UFOs, ainda em 1977, apenas um ano após o presidente Giscard d’Estaing anunciar em rede nacional de TV que os UFOs existiam e sua procedência era não terrestre, também ineditamente. A entidade tinha um raio de ação bem maior que o anterior GEPA e foi inicialmente chamada de Groupement d’Etude des Phénomènes Aérospatiaux Non identifiés [Grupo de Estudos de Fenômenos Aeroespaciais Não Identificados, GEPAN] e posteriormente renomeada para Service d’Expertise des Phénomènes de Rentrées Atmosphériques [Serviço de Investigação de Fenômenos de Reentrada Atmosférica, SEPRA], 11 anos depois, em 1988. Entre uma data e outra, muita coisa aconteceu na França, mas a história real de como o governo criou suas comissões de pesquisa ufológica não é bem conhecida, nem mesmo no país, principalmente porque está rodeada de controvérsias.
Acobertamento à francesa? — Suspeitou-se por muito tempo que o GEPAN ou SEPRA fossem apenas uma satisfação que o governo daria ao público em geral, para distraí-lo das verdadeiras implicações que o Fenômeno UFO apresenta – algo similar ao que o governo norte-americano fez ao instituir o antigo Projeto Livro Azul. Neste caso, o Projeto tinha a função de fingir que o governo dos Estados Unidos estudava verdadeiramente os UFOs, dando respostas evasivas à população e levando-a a crer que nada de concreto havia sobre o assunto. Enquanto isso, uma investigação real e de grande seriedade era conduzida secretamente em outro lugar. A população francesa, a princípio, achou que o que se pretendia com o GEPAN ou SEPRA era exatamente a mesma coisa, mas este foi um engano logo desfeito.
Embora tenham sido vistas daquele modo na ocasião, ambas as comissões governamentais francesas estabeleceram, cada uma a seu tempo, um esforço genuíno para montar um procedimento real e consistente para se investigar os UFOs em seus mais intrincados aspectos. Os levantamentos realizados pelos funcionários franceses designados para a tarefa funcionaram muito bem, mas depois de um certo tempo o alcance de suas atividades fora reduzido, o que não afetou grandemente sua produção. Ainda hoje existe uma rotina incessante de pesquisas ufológicas e a comissão dedicada ao estudo do Fenômeno UFO na França tem plenas capacidades de monitorar avistamentos, aterrissagens, perseguições de aviões, detecções de radar etc – ainda mais agora, após a revelação dos documentos gerados nas últimas três décadas.
No começo dos anos 90 as atividades francesas de investigação ufológica oficial tomariam um impulso adicional, quando o engenheiro Jean-Jacques Velasco, que dirigiu o SEPRA por vários anos, tornou pública sua opinião pessoal a cerca da realidade física dos UFOs. Suas declarações positivas quanto à materialidade do Fenômeno UFO e sua procedência não terrestre contrastou de imediato com a atitude predominantemente cética dos cientistas e intelectuais franceses, alinhados – acreditem – com um bom número de ufólogos do país, que têm uma postura exageradamente reservada quanto à natureza do fenômeno. A Comunidade Ufológica Mundial comemorou o fato amplamente, em especial nos Estados Unidos. Lá, Velasco foi de imediato convidado a participar de um seminário inédito conduzido pelo cientista Peter Sturrock, em setembro de 1997, bancado pelo milionário e filantropo norte-americano Laurance Rockefeller. Sturrock fora contratado por Rockefeller para reunir um grupo de cientistas de várias disciplinas, além de experts no Fenômeno UFO, para examinarem as melhores evidências da realidade ufológica e de sua natureza extraterrestre.
O seminário ocorreu a portas fechadas, em Pocantico Hills, próximo de Nova York, e seus resultados, um espesso relatório compilado por Sturrock, foram publicados com o nome The UFO Enigma: A New Review Of the Physical Evidence [O Enigma UFO: Nova Revisão das Evidências Físicas, Warner Books, 1999]. Velasco tomou parte com destaque deste trabalho, mas em seu país ele era constantemente criticado, ora por ufólogos, ora por céticos. No primeiro caso, por sua atuação considerada “excessivamente científica” quanto aos UFOs. No segundo, por ser “exageradamente permissivo” às idéias de que eles existem mesmo. Isso ocorreu também a outros integrantes da Comissão Cometa – e ao grupo todo – desde a publicação do Dossiê Cometa, numa prova de que é difícil satisfazer a ambos os lados envolvidos na questão. Esta é uma situação peculiar
e uma boa razão para se olhar a história das comissões francesas e tentar registrá-la corretamente, um dos objetivos deste trabalho exclusivo à Revista UFO.
Antes da criação do GEPAN — Enfim, acima estão descritos alguns dos principais momentos e fatos referentes ao estudo oficial dos UFOs na França. Todas as informações relativas ao GEPAN e ao SEPRA estão disponíveis na internet e foram confirmadas pessoalmente a este autor por Jean-Jacques Velasco. Mas a trajetória dos esforços governamentais franceses de pesquisa ufológica começa bem antes da criação do GEPAN, em 1977. Depois da Segunda Guerra Mundial, os avistamentos de UFOs sobre os cenários do conflito, cada vez mais abundantes, passaram a ser coletados, analisados e arquivados na sede do Estado-Maior da Força Aérea Francesa, num departamento chamado de Bureau Prospective et Etudes [Escritório de Estudos a Longo Prazo, BPE], a mesma função que hoje é de responsabilidade da Agência Espacial Francesa.
No começo dos anos 50, os gendarmes [Como são chamados os policiais da Gendarmerie Nationale, a polícia francesa] também começaram a registrar sistematicamente relatos de avistamentos de UFOs feitos pela população, enviando uma cópia de cada caso à Força Aérea. Os gendarmes são policiais militares que atuam sob autoridade do Ministério da Defesa e, assim, era muito natural que cooperassem com a Força Aérea neste esforço. Em pouco tempo, várias forças policiais já estavam atuando no sentido de registrarem ocorrências envolvendo fenômenos ufológicos, para posterior investigação. Durante esses anos iniciais, alguns militares do país chegaram a expressar abertamente seu interesse pelos discos voadores, que na França são chamados de soucoupes volantes [Pires voadores]. Por exemplo, o tenente Jean Plantier, em 1953, propôs uma teoria para explicar o método de propulsão dos UFOs através da antigravidade, em um artigo publicado na revista oficial da Força Aérea. Tal iniciativa foi encorajada pelo general Lionel Max Chassin, que se tornou, após se aposentar, o presidente do primeiro grupo civil de investigação ufológica, o citado GEPA, em 1962.
Em seu livro Forbidden Science [Ciência Proibida, North Atlantic Books, 1992], Jacques Vallée – provavelmente o ufólogo francês mais conhecido de todos os tempos, ao lado do pioneiro Aimée Michel – aludiu ao interesse de alguns cientistas do país pela problemática representada pelas constantes observações de UFOs. Junto de Michel, Vallée se reuniu em 1966 com Yves Rocard, considerado o pai da bomba atômica francesa e um dos maiores especialistas em física do país, egresso da prestigiada Ecole Normale Supérieure. Rocard era conhecido por ter acesso aos níveis mais altos do governo – seu filho Michel era político esquerdista e influente no governo de François Mitterrand, nos anos 80 – e Vallée queria sondá-lo quanto ao assunto. O ufólogo deu a Rocard cópias dos principais casos investigados pelo Livro Azul, mas Rocard não tomou nenhuma iniciativa. No entanto, pouco depois, Vallée soube que a idéia de estabelecer um grupo de pesquisa oficial sobre UFOs no país estava realmente sendo considerada naquela época pelo próprio governo, embora não esteja claro se sua visita a Rocard tivesse sido o elemento impulsionador.
Preocupação das autoridades — Jean-Luc Bruneau, ex-inspetor geral da Comissão de Energia Atômica (CEA) francesa no fim dos anos 60, agora aposentado e vivendo perto de Paris, também se envolveu com a questão e deu detalhes de como altas autoridades se preocupavam com a questão ufológica. Ele confirmou que foi solicitado pelo então ministro Alain Peyrefitte, da Pesquisa Científica, para projetar e coordenar a instalação de um grupo de estudos de vida extraterrestre e UFOs. Na época, Bruneau foi transferido do CEA para trabalhar diretamente com Peyrefitte no projeto. Em seguida, a proposta de se criar a entidade acabou atraindo o interesse do pessoal militar do presidente Charles de Gaulle, com a aprovação dele e contando com apoio do professor Rocard. Ainda de acordo com Bruneau, de Gaulle passou a se preocupar com a questão em 1954, quando ocorreu o avistamento de um UFO sobre a cidade de Tananarive, em Madagascar, um caso citado no Dossiê Cometa. Como se vê neste novo exemplo, o interesse das autoridades francesas pela fenomenologia ufológica vem de longe.
Na realidade, o presidente de Gaulle aprovou a idéia de a França ter seu próprio grupo de estudos ufológicos por querer uma iniciativa que funcionasse independente das norte-americanas, especialmente quando a Comissão Condon, da Universidade do Colorado, foi criada para artificialmente confirmar as “descobertas” do Blue Book, em 1966. De Gaulle não aceitava a maneira como as autoridades norte-americanas lidavam com a questão, e assim o projeto confidencial desenvolvido por Bruneau, a convite do ministro Peyrefitte, seria aprovado para instalação ainda em 1967. Ele propôs que a comissão tivesse três objetivos primordiais, a serem alcançados com o auxílio de peritos em vários campos.
O primeiro era examinar a probabilidade da existência dos UFOs e estabelecer a procura por inteligências extraterrestres. Em seguida, determinar que tipo de relações o governo francês poderia ter com tais seres. Por fim, conhecer os veículos que estavam entrando no ambiente terrestre – em outras palavras, estudar as manifestações de discos voadores, que na França eram chamados de “fenômenos aeroespaciais não identificados”.
Bruneau insistiu naquela linha de ação – que depois também seria adotada pelo GEPAN – porque, em sua visão, o Fenômeno UFO poderia incluir tanto objetos materiais e imateriais. Ele também recomendou que o estudo se tornasse, inicialmente, um projeto do Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES) – uma espécie de “NASA francesa” –, e depois um projeto de toda a Europa. Bruneau recorda ainda que, naquela época, as opiniões quanto à investigação ufológica nos círculos científicos franceses estavam bastante divididas – ninguém se arrisca a fazer a mesma estimativa na França hoje. Mas, infelizmente, seu projeto foi adiado por causa da grave crise política no país em maio de 1968, e depois nunca levado adiante, acabando por ser abandonado. Assim, essa foi uma oportunidade perdida na história, que precedeu o GEPAN em quase 1
0 anos. Entrevistado recentemente por este autor, Bruneau ainda pensa que o projeto, como foi concebido originalmente, poderia ter incluído peritos qualificados, como o professor Rocard, nos campos da astrofísica, exobiologia, medicina, psicologia, aviação e forças armadas. “Teríamos provado a origem dos UFOs muito antes da criação do GEPAN, em 1977”, disse.
Momento decisivo em 1973 — Em 1973, uma importante onda de avistamentos que varreu a Europa, e principalmente a França, atraiu o interesse da mídia. O então jornalista e depois ufólogo Jean-Claude Bourret teve grande participação na disseminação dos fatos através de uma série de programas de muito sucesso que realizou para a rede nacional France Inter, chamado UFOs: Nenhum Pânico! A repercussão foi tão significativa que, em 02 de fevereiro de 1974, Bourret conseguiu uma entrevista com o então ministro da Defesa Robert Galley, da gestão de d’Estaing, que reconheceu abertamente haver casos inexplicados envolvendo UFOs nos relatórios dos gendarmes. Numa atitude elogiável e alinhada com a de autoridades que o precederam nesta questão, confirmando a maneira realista como a França encara o tema, Galley chegou a aconselhar que a população “mantenha a mente muito aberta” quanto aos UFOs. Mais tarde, em 1976, ele seria o político encarregado por d’Estaing para fazer em rede nacional de TV um comunicado sobre a realidade dos discos voadores.
Outro fato que ajudou a popularizar o Fenômeno UFO no país foi a tradução para o francês do primeiro livro do astrofísico norte-americano J. Allen Hynek, The UFO Experience [A Experiência Ufológica, Regnery, 1972]. Hynek tornou-se uma celebridade nos EUA após sair do Blue Book, do qual foi consultor, afirmando que o projeto tinha interesses escusos de acobertar a problemática ufológica. Em meio à comoção que se criava na França quanto aos cada vez mais conhecidos discos voadores, as declarações de Hynek tiveram um impacto certeiro e seu livro chamou muita atenção. Ele chegou a ser defendido na TV nacional francesa pelo astrônomo Pierre Guérin, quando enfrentou manifestações contrárias à sua posição, por parte de alguns jornalistas céticos. A temperatura ia esquentando no país, desenhando o que viria poucos anos depois.
Revelação pública — Em 1974, outra importante decisão foi tomada para se tratar sistemática e cientificamente o Fenômeno UFO na França. A partir daquele instante, os relatórios de casos ufológicos coletados em todo o país pela Gendarmerie [Polícia], sob a autoridade do comandante major Oswald Cochereau e do capitão Guillaume Kervandal, passariam por um tratamento de investigação mais amplo e transparente, a ser efetuado pelo já citado CNES. Dois anos depois, mais uma iniciativa para se concretizar a investigação oficial dos UFOs seria empreendida. Em 1976, um comitê do Instituto de Altos Estudos de Defesa National, presidido pelo general Jacques Richard, fez recomendações para a criação imediata de uma organização dedicada ao estudo e investigação dos fenômenos ufológicos, o que viria a ocorrer no ano seguinte. Mas, ainda em 1976, aconteceria o momento que marcou a Ufologia Mundial, com a revelação pública de que a França reconhecia os UFOs e sua natureza não terrestre.
A decisão de se criar o GEPAN, em 1977, seria reforçada pela ação do engenheiro Claude Poher, então chefe da divisão de Sistemas e Projetos do CNES, que se dedicava pessoalmente e extra-oficialmente ao estudo de UFOs. Poher ficou interessado pelo tema depois de ler o relatório final da Comissão Condon, tendo sido surpreendido por achar no documento uma grande quantidade de casos espantosos que foram dados como “explicados” pelos norte-americanos. Ele seria uma voz potente para engrossar o movimento que levaria o governo a instituir sua entidade oficial de investigação ufológica. Antes disso, ainda em 1975, e com grande repercussão, Poher publicou seu estudo estatístico de casos de UFOs na França em uma reunião do Instituto Americano de Astronáutica e Aeronáutica.
Forças poderosas atuando — Chegava 1976 e de maneira decisiva Poher, com o apoio do IHEDN, idealizou o funcionamento de um grupo oficial para pesquisar o Fenômeno UFO dentro da estrutura do CNES e propôs sua criação ao presidente da instituição, o engenheiro Hubert Curien. Poher estava seguro de que o grupo teria amplo respaldo popular e plena cooperação da Força Aérea Francesa, da Gendarmerie, da Diretoria de Aviação Civil e do Escritório Nacional de Meteorologia – forças poderosas que viabilizariam o projeto do engenheiro, garantindo seu sucesso. Assim, poucos meses depois, já em 1977, o governo francês determinou que o CNES estabelecesse o grupo de estudos proposto pelo engenheiro e seus antecessores, em caráter permanente. Isso foi feito e surgira desta forma o GEPAN, tendo Claude Poher como seu primeiro diretor – ele administraria a entidade até 1979, ainda que, em 1978, ela viria a ser renomeada de SEPRA.
Na sessão inaugural das atividades do GEPAN, Curien pediu aos integrantes da entidade recém criada para agirem de maneira independente e vanguardista. “Estudem os relatórios de observações de UFOs com mente aberta e disposição científica”, disse. Este não era um comunicado oficial da presidência do CNES ao GEPAN, mas seria uma clara indicação do respaldo que a entidade viria a ter. Curien pedira para que os integrantes da entidade agissem com responsabilidade científica, mas que também se preparassem para se deparar com fatos inusitados ao realizar seus levantamentos da presença alienígena na Terra. De acordo com fontes seguras, Curien e o diretor-geral do CNES, Michel Bignier, adotaram uma atitude neutra na questão ufológica e deixaram o GEPAN agir com liberdade. A entidade logo receberia também o apoio do secretário do inspetor geral da CNES Jean M. Gruau. E para assessorar as atividades do grupo, um conselho científico composto de 12 membros – não confundir com o MJ-12 – também foi criado, para o qual a entidade teria que se reportar pelo menos uma vez por ano.
O per&
iacute;odo Poher — Durante o período de 1977 a 1979, o GEPAN teve um staff de seis a sete pessoas trabalhando em tempo integral. Também obteve a cooperação de outros cientistas e peritos de dentro e fora do CNES. Sua primeira tarefa foi analisar uma grande quantidade de relatórios de avistamentos de UFOs registrados e repassados à entidade, principalmente pela Gendarmerie – eram mais de 300 casos entregues em 1974 e cerca de 100 novos episódios que os gendarmes colheram entre 1975 e 1976. A média anual de ocorrências ufológicas registradas na França variaria nos anos seguintes entre 100 e 200, caindo para 20 ou 30 nos últimos anos, segundo informações recentes obtidas de Jean-Jacques Velasco. A diminuição pode ser justificada pela perda parcial do interesse pelo assunto por parte da população nos anos recentes.
A primeira reunião do conselho científico do GEPAN ocorreu em dezembro de 1977, quando se analisou um relatório de casos ufológicos agrupados em dois volumes, com um total de 290 páginas. De acordo com um ex-integrante da entidade, a documentação incluiu três apresentações gerais, três relatos com investigações detalhadas, o exame de duas fotografias de UFOs e cinco análises estatísticas de amostras de vários casos. O conselho tirou suas conclusões e fez recomendações que levaram o GEPAN a empreender estudos complementares sobre os materiais apresentados, que foram examinados em uma segunda reunião, em junho de 1978.
Naquela ocasião, a documentação já chegava a cinco volumes, somando 670 páginas. O primeiro volume era uma síntese das atividades escrita por Poher, os de número 2 a 4 continham 10 investigações de campo detalhadas, e o quinto continha outros estudos e casos generalizados. O ex-integrante da entidade que forneceu estes detalhes lamentou que os relatórios nunca tenham sido publicados, e que só os membros do GEPAN tinham idéia do significado do trabalho feito por Poher e sua equipe. Mesmo que a França não tenha nada equivalente à Lei de Liberdade de Informações norte-americana, é possível que agora, após os anúncios de 22 de março, estes documentos venham a ser liberados.
Na ocasião do início das atividades do GEPAN, Velasco era assistente de Poher e viria a presidir a entidade no futuro. É ele uma boa fonte de informações e confirmou que, no citado estudo estatístico realizado em 1978, foram avaliados 678 relatórios de observações de UFOs classificados em quatro categorias. As duas primeiras – casos perfeitamente identificados e casos provavelmente identificados – somavam 26% do total de ocorrências. A terceira era a dos episódios com informação insuficiente, chegando a 36%, e a quarta a de situações em que, após todas as análises possíveis, os objetos permaneceram não identificados, atingindo a elevadíssima cifra de 38% [Os números mudaram um pouco nos últimos anos. Veja box nesta edição]. Estas eram as ocorrências envolvendo artefatos considerados de origem não terrestre. O relatório contendo tais informações foi aprovado pelo conselho científico do GEPAN, que em troca pediu a aplicação de novos campos científicos em alguns estudos, como metodologia estatística, modelos de propulsão – inclusive a teoria da magnetohidrodinâmica (MHD) – e psicologia de percepção.
Colaboração dos ufólogos civis — É interessante citar que Claude Poher também tentou cooperar com ufólogos privados ao longo da trajetória do GEPAN. Tanto que, em setembro de 1978, a entidade organizou uma reunião de cerca de 100 investigadores provenientes de mais de 40 grupos civis de estudos ufológicos – muito mais do que existe na França hoje –, para examinar algumas evidências e pedir cooperação. No princípio, o esforço de Poher parecia promissor, mas depois constatou-se que seria pouco prático e que administrar a colaboração dos ufólogos civis seria muito difícil, e a idéia não durou muito tempo. Naturalmente, a desistência desse processo geraria muitas críticas, que se juntariam a outras já bem afiadas, originadas de céticos e adeptos de teorias conspiracionistas. A denominada “tendência psicossocial” da Ufologia estava surgindo na França e cresceria bastante nos anos seguintes.
Em 1979, Poher emitiu uma declaração que viria novamente chacoalhar certos círculos científicos franceses, apesar de ser algo esperado. Ele afirmou ter chegado à conclusão de que os UFOs eram um fenômeno real e que os estudos realizados até então apontavam para a hipótese de serem veículos de origem extraterrestre penetrando em nosso meio ambiente. O então diretor do GEPAN apresentou seus resultados neste sentido ao conselho científico da entidade, para confirmação. A posição do conselho não foi tornada pública, mas as afirmações de Poher encontraram forte oposição na mídia. Contrariado, ele então tirou uma licença de um ano do CNES para cumprir um velho projeto pessoal: velejar ao redor do mundo com sua família em um barco que tinha construído. Desde seu retorno ao cargo que ocupa na entidade, não fez nenhuma outra declaração pública sobre UFOs, mas, em 2003, aposentado, publicou o livro de física teórica Gravitation et Universons, Énergie du Futur [Gravitação e Universons, Energia do Futuro, Éditions du Rocher], que, segundo ele, poderia explicar o método de propulsão dos UFOs.
A era Alain Esterle — Com o afastamento de Poher, o novo homem à frente do GEPAN passou a ser o jovem cientista Alain Esterle, um afiado pensador graduado na prestigiosa Ecole Polytechnique, que rapidamente ampliou os recursos – e os resultados – da entidade para patamares ainda mais elevados. O staff do grupo cresceu para 10 pessoas e a passagem de Esterle por ele, até 1983, foi um período muito produtivo e com a emissão de uma série de Notas Técnicas, monografias em formato de livro que lidavam com os aspectos mais contundentes do Fenômeno UFO ou com casos específicos. Pelo menos dois importantes avistamentos aconteceram na gestão Esterle, sendo estudados e apresentados publicamente pelo GEPAN, em 1983. O primeiro foi o famoso e clássico caso com evidências físicas ocorrido em Trans-en-Provence, em janeiro de 1981, tema da Nota Técnica 16, intitulada Analyse d’Une Trace. O outro foi um episódio muito intrigante de aterrissagem de um UFO de pequenas proporções em um jardim particular de Nancy, em outubro de 1982, com notáve
is efeitos sobre vegetais. Esta ocorrência deu origem à Nota Técnica 17, Amarante, que recebeu este nome em função do tipo das plantas afetada.
O Caso Trans-en-Provence, apesar das críticas sarcásticas dos céticos franceses, permanece ainda hoje como uma das melhores investigações de UFOs já publicadas no país. Uma versão inglesa do estudo foi veiculada em 1990 no prestigioso Journal Scientific Exploration, nos Estados Unidos, e um estudo complementar das plantas atingidas, feito pelo renomado biólogo Michel Bounias, foi publicado diretamente em inglês, em 1994, no Journal for UFO Studies, do Center for UFO Studies [Centro de Estudos de UFOs, CUFOS], fundado pelo citado J. Allen Hynek. O acontecimento também foi apresentado no mencionado livro de Peter Sturrock, The UFO Enigma. Toda essa divulgação evidencia a qualidade do trabalho desenvolvido pela equipe de Alain Esterle no GEPAN.
Mas os casos publicados por Esterle, tanto na França quanto no exterior, eram tão impactantes que acabaram sendo considerados “muito provocantes” por cientistas e autoridades civis e militares, incluindo os diretores do próprio CNES. Na ocasião, a instituição atravessava problemas orçamentários, e a polêmica gerada por Esterle acabou se transformando num argumento decisivo para que fossem cortadas verbas para investigações ufológicas já planejadas. Em conseqüência disso, Esterle deixou a diretoria do GEPAN para ocupar outro posto no CNES. Foi nesta fase, em 1983, que a entidade passou a ser presidida por seu assistente (e também de Claude Poher) Velasco. Sob sua administração, os recursos disponíveis e pessoal destacado para o trabalho foram reduzidos ainda mais. E durante os anos seguintes, o conselho científico do GEPAN não se reuniu nem uma única vez sequer, apesar de repetidas solicitações para que o fizesse por parte de seus membros e outros estudiosos externos. Um deles era Christian Brichambaut, inspetor geral do poderoso Escritório Nacional de Meteorologia. Uma última reunião do conselho aconteceria em 1987, pouco antes de sua morte.
Colaboração dos ufólogos civis — Em 1988, 11 anos após sua criação e depois da gestão de três diferentes diretores, o GEPAN foi discretamente encerrado e substituído por nova entidade, curiosamente chamada de Service d’Expertise des Phénomènes de Rentrées Atmosphériques [Serviço de Investigação de Fenômenos de Reentrada Atmosférica, SEPRA], que nunca se referiu ao termo UFOs, tratando o fenômeno como “reentrada atmosférica”, numa referência a satélites e destroços de foguetes que voltam à Terra após algum defeito no espaço. O próprio Velasco tinha proposto isso para tirar a atenção da imprensa sobre as atividades da entidade e para permitir, assim, que se realizasse um discreto monitoramento dos avistamentos de UFOs no país. Desta forma, conseguiu economizar na pesquisa ufológica que realizaria para o então SEPRA, atuando de um modo muito limitado com a mesma reduzida equipe por alguns anos – Velasco contava apenas com um assistente de pesquisas e um secretário, um efetivo que seria reduzido ainda mais, deixando-o só em meio ao trabalho de investigação ufológica.
O conselho científico criado na áurea fase do GEPAN fora completamente silenciado e nenhuma nova Nota Técnica foi publicada. Por outro lado, todos os acordos feitos para cooperação com a Força Aérea Francesa, a Gendarmerie, a Diretoria de Aviação Civil e outros organismos permaneceram válidos. E o SEPRA ainda receberia algum apoio confidencial de várias pessoas e organizações. Em pouco tempo de operações da nova entidade, ficou claro que uma política de poucas atividades tinha sido implementada, e continuou sendo aplicada até há algum tempo, numa situação que causou grande decepção entre os ufólogos, em contraste com as grandes expectativas dos primeiros anos do GEPAN.
Porém, as acusações de que o SEPRA estaria acobertando os fatos com sua nova rotina de trabalho não vingaram, pois o que Velasco queria era discrição, não negação do fenômeno, e é fácil compreender suas razões. Afinal, ninguém jamais cogitou o completo encerramento das pesquisas ufológicas. A prova disso é a publicação, em 1993, de um livro do próprio Velasco com o jornalista Jean-Claude Bourret, OVNI: La Science Avance [UFOs: A Ciência Avança, Robert Laffont], no qual o primeiro admite a realidade física dos UFOs e fala da “grande probabilidade” de sua origem extraterrestre. Velasco deu ênfase a que era sua posição pessoal sobre o fenômeno, e naturalmente fora autorizado pela CNES para publicar o livro. Além disso, teve um aval científico de aprovação à obra, um prefácio escrito pelo astrofísico Jean-Claude Ribes, presidente da Sociedade Astronômica Francesa. Ribes enfatizou que era um livro “verdadeiramente científico, escrito com ajuda de peritos”.
Sem aval oficial — OVNI: La Science Avance mostra que a comunidade científica francesa não era majoritariamente hostil à questão ufológica, como se julgava. O mesmo pode ser dito dos militares do país, que permaneceram calados sobre o assunto até a publicação do Dossiê Cometa, produzido em 1999 pela Comissão Cometa. Mesmo assim, os cientistas e militares que expressaram opiniões pessoais positivas quanto ao Fenômeno UFO, até recentemente, seguiram sendo uma pequena minoria, atuando em organizações governamentais ou civis. Já o Dossiê Cometa não tem nenhum aval oficial de aprovação – os membros da Comissão eram indivíduos independentes que decidiram publicar um relatório de suas atividades na esperança de dar vida nova aos estudos oficiais de UFOs na França. Neste contexto, os ataques mordazes dos ufólogos ao documento, que ocorreram imediatamente à sua liberação, são completamente infundados e precipitados.
Renascimento — Os anos seguintes para os estudos ufológicos oficiais da França foram de quase total paralisação, e
um período de grande confusão acerca do destino que teria o SEPRA. Em 1999, o Dossiê Cometa recomendava energicamente que a entidade, já bastante reduzida, voltasse a receber fundos e a ter mais pessoal qualificado, fazendo com que a direção do CNES decidisse, entre 2000 e 2001, voltar à carga. Foi feita uma auditoria nas atividades da entidade por uma pessoa externa aos seus quadros – François Louange, especialista em análise fotográfica que tinha participado de outros estudo sobre UFOs no CNES – e estabelecidas suas necessidades para que voltasse a ter a rotina de antes. Um ano depois, em 2002, com o parecer favorável de Louange – alinhado como o da Comissão Cometa, mas independente dela – à reativação e às melhoras do SEPRA, ele foi restabelecido. Tal fato ecoou na imprensa francesa, notavelmente num grande artigo do maior jornal do país, o Le Figaro, de novembro de 2002.
Mas, surpreendentemente, a própria diretoria do CNES que havia reativado o SEPRA decidiu fechá-lo em janeiro de 2004! O que teria acontecido? Por anos esta resposta parecia uma incógnita, mas agora a conhecemos bem: Jean-Jacques Velasco, então responsável pela entidade, estava finalizando, junto de Nicolas Montigiani, o livro OVNI: L’Evidence [UFO: A Evidência, Carnot, 2004], com uma boa dose de informações provocativas. Existiu um jogo de palavras neste título, porque o significado primordial da palavra evidence em francês é obviedade. Velasco quis dizer que a realidade dos UFOs era coisa óbvia e que a origem extraterrestre deles também – exatamente como fez a Comissão Cometa. Isso foi demais para as autoridades francesas, e então o SEPRA teve suas atividades encerradas sem qualquer explicação. Porém, mais tarde seus dirigentes perceberam que a abrupta decisão apenas traria mais problemas, em face aos já crescentes protestos dos ufólogos franceses. Por exemplo, a revista conservadora Ciel et Espace publicou em junho de 2004 um artigo com o título O CNES sepulta os UFOs, um ataque certeiro à entidade. Mas este não seria o fim da história.
Num novo artigo do Le Figaro, de 31 de julho de 2004, foi revelado que o CNES tinha tido sua reputação questionada por fechar o SEPRA da maneira como o fez, e que já estava planejando reativá-lo sob novo nome, com novo diretor e… uma nova sigla. Isto acabou sendo feito em setembro de 2005, com a criação de uma nova entidade, o Groupement d’Etude et d’Information sur les Phénomènes Aérospatiaux Non identifiés [Grupo de Estudos e Informações sobre os Fenômenos Aeroespaciais Não Identificados, GEIPAN]. Era o mesmo velho nome GEPAN, porém com um I – de informação – entre as letras. A mudança visava enfatizar a expressão PAN, que significa fenômenos aeroespaciais não identificados em francês, em detrimento da boa e conhecida sigla UFO [Veja box]. As autoridades francesas têm se referido de maneira abundante ao Fenômeno UFO usando esta nova expressão, e parece que essa é uma política proposital.
Publicação na internet — Logo que reativada, a entidade passou a ter também um novo objetivo. Desde o início das operações do GEIPAN foi estabelecida como sua primeira meta liberar num site da internet todos os arquivos acumulados em todas as fases da pesquisa ufológica oficial do CNES. Isto chegou a ser prometido para o segundo semestre de 2006, mas não ocorreu. Em dezembro passado, nova informação divulgada mundialmente dava conta de que a entidade faria a referida liberação a qualquer momento entre janeiro e fevereiro de 2007, mas ela acabou novamente adiada para março, quando, no dia 22, de maneira surpreendente, o CNES comunicou em seu site [www.cnes.fr] a publicação do primeiro lote de informações antes secretas, com cerca de 400 arquivos de um total de 1.650 armazenados na entidade. O montante inclui cerca de 6 mil depoimentos e um volume de aproximadamente 100 mil páginas em formato A4 – não 100 mil arquivos, como já se declarou equivocadamente. Os documentos abrangem o período até 2005, e o restante do material que a entidade compilou até o presente virá a seguir, ainda este ano. Há também arquivos que serão disponibilizados dos anos 50 e até mesmo um de 1937. Desde então, o novo homem à frente dos estudos ufológicos oficiais da França, agora sob forma do GEIPAN, é o engenheiro Jacques Patenet, de 59 anos.
Patenet coordena a entidade sob a supervisão de um comitê de direcionamento com cerca de 15 membros, chamado Comitê de Controle do GEIPAN e encabeçado por Yves Sillard, agora aposentado após uma brilhante carreira na chefia do CNES e outros postos importantes no país. Ainda é muito cedo para se dizer o que resultará das atividades desta nova organização, hoje sob os holofotes de todo o planeta. Mas por enquanto ela está tendo um efeito bastante positivo na renovação do interesse dos franceses quanto aos UFOs, com numerosos artigos sobre o assunto sendo publicados em revistas e jornais populares, além de entrevistas de cientistas e ufólogos a rádios e TVs.
Por exemplo, o importante periódico semanal L’Express dedicou em 22 de março seis páginas ao assunto de forma muito positiva, logo após o anúncio feito pelo CNES. A revista garantiu que a instituição liberaria todos os seus documentos gradativamente. Eles não são exatamente secretos, como errônea e apressadamente se publicou em vários países, e podem representar um esforço excepcional por parte do governo francês para mostrar ao mundo que não estamos sozinhos. A esperança da Comunidade Ufológica Mundial é de que outros países sigam o exemplo e promovam uma ampla abertura em todo o mundo.