O poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade dizia que “a fantasia, fonte de ficção e de mitos, tem o sentido de fabricar espíritos e deuses”. Mas por que o homem tem o hábito de criar histórias, necessidade ou prazer? Napoleão Barroso Braga, jornalista e historiador, afirma que esta atitude humana é uma tentativa de defesa. Entre os animais, o comportamento é guiado pelo instinto, quase sempre o de sobrevivência, o que dá origem a modalidades sociais e divisões de castas, como acontece entre as formigas e as abelhas. Já entre os humanos, dotados de inteligência e raciocínio lógico, é permitido inventar, o que nos tempos mais remotos da humanidade contribuiu para o surgimento das lendas. Na avaliação da historiadora Maria José Borges Lins e Silva, tais criações nada mais são do que mecanismos de defesa do homem na tentativa de explicar fenômenos e fatos inexplicáveis. Transmitidas de geração a geração, as históricas fantásticas vão ganhando contornos regionais e sofrem constantes adaptações.
No arquipélago de Fernando de Noronha, por exemplo, reconhecido pelas belezas naturais, até mesmo os turistas mais céticos se encantam com as histórias místicas repletas de simbolismos. A região é o cenário de uma das lendas mais populares do Brasil, a Alamoa, também chamada de Mulher de Branco. Segundo a pesquisadora Maria José B. Lins e Silva, a história surgiu no século XVII, em meio à ocupação holandesa. Moradores do arquipélago contam que se trata de uma fada que, descontente com a invasão humana do lugarejo até então inexplorado, resolveu vingar-se. Para tanto, aparece aos homens como uma mulher extremamente sedutora, que os atrai à encosta da Porta do Pico – no Morro do Pico, um dos principais cartões postais da ilha, com 330 m de altura. Lá chegando, transforma-se em uma caveira aterrorizante, que empurra a vítima serra abaixo. Conforme os ilhéus, até 50 km de distância da Porta do Pico é possível avistar estranhas luzes nas noites mais calmas.
O nome Alamoa é uma adaptação da palavra alemã, segundo explica Maria José. Para os habitantes de Fernando de Noronha, a assombração só pode ser germânica, devido à sua aparência alourada. Mais recentemente, a fada também passou a ser chamada de Mulher de Branco, e a ser vista até pelas mulheres, como conta a doméstica Maria Zenilda, que testemunhou uma aparição logo que chegou à região, há 27 anos. “Ela estava toda de branco, era bem baixinha e usava um chapéu bem grande. Eu estava deitada na rede quando ela apareceu. Fiquei louca para falar e saber o queria, mas não consegui. Senti falta de ar. No outro dia, quando fui contar a história, me falaram que aqui existe a Mulher de Branco. Daí entendi o que tinha visto”. Como em outras lendas, a Alamoa também é descrita como um ser místico que traz sorte ou azar e divide opiniões. Alguns acreditam na versão da fada maligna, porém outros acham que se trata de uma boa entidade.
Zenilda, que crê na segunda hipótese, descreve empolgada e com riqueza de detalhes a aparição. Ela acredita que o contato com a Mulher de Branco mudou sua vida para melhor. Ainda assim, lamenta não ter tocado a aba do chapéu da Alamoa, o que, segundo uma versão da lenda, traria sorte. “Tudo poderia ter sido muito melhor. Pena que não consegui”. Nancy Veríssimo, moradora e empresária da região, acredita na existência da entidade mesmo sem nunca tê-la visto. Para ela, a semelhança dos relatos de quem diz já ter se deparado com a Alamoa atesta a veracidade das aparições. “A Alamoa vem sempre nos passar alguma mensagem para melhor a entendermos”, afirma. Mas para tanto, conforme Nancy, é preciso que a testemunha acredite que o contato ajudará a propagar coisas boas. “Se você procurar entender a mensagem, vai perceber que ela veio trazer coisas boas, mas se a pessoa não tentar tirar algo de bom disso tudo, o contato acaba sendo negativo”, explica.
Estranhas luzes observadas — Também são comuns no arquipélago relatos de avistamentos de estranhas luzes, como o do guia turístico José Oliveira da Silva, morador de Noronha há 18 anos. “Estava na Praia da Caíra, às 05h00, esperando o peixe chegar, quando vi uma luz no céu do tamanho de uma bola. Ela subia e descia, crescia e diminuía, como se estivesse dançando. Depois de certo tempo, o clarão desapareceu sem deixar rastro”, lembra. Wallacy Albino, consultor da Revista UFO e um dos primeiros ufólogos brasileiros a pesquisar a casuística ufológica de Fernando de Noronha, afirma que tais ocorrências são comuns na região e despertam o interesse dos moradores e turistas que visitam o arquipélago. Na matéria Discos Voadores em Fernando de Noronha [Veja UFO 63], Albino já descrevia que “é difícil encontrar alguém que reside no local há anos sem que tenha uma única experiência para contar”. Para vários estudiosos, a lenda da Alamoa surgiu como uma forma de os moradores descreverem observações de UFOs e seres extraterrestres, com suas limitações de compreensão do fato e carregadas de simbolismo folclórico e superstição.
São diversos os moradores, segundo Albino, que relatam detalhadamente fenômenos ufológicos acontecidos nas ilhas. Entre eles está o garçom Cícero Acioli. Ele conta que estava em um bar na Praia do Cachorro, com mais alguns moradores e turistas que visitavam o arquipélago, numa noite de Natal, quando o vocalista de uma banda de forró apontou para o céu e disse que estava caindo uma chuva de meteoros. Acioli já havia visto outras chuvas de meteoros, mas nenhuma semelhante àquela. Segundo ele, as luzes faziam evoluções rápidas e sincronizadas no céu, como se formassem uma esquadrilha. “Elas não se cruzavam, como acontece nas quedas de meteoro. Estavam todas alinhadas e o mais incrível é que não caíram, mas cruzaram o céu e desapareceram”, descreveu Acioli. Noronha conta com diversas características naturais que favorecem o avistamento de tais fenômenos, como a visibilidade sem obstáculos de 360 graus do horizonte. O arquipélago tem apenas 20% de seu território habitado e possui uma iluminação precária, o que facilita a visualização de qualquer ponto luminoso movendo-se no céu. “Talvez por isso seja tão comum ouvir relatos de pessoas que dizem ter visto luzes sobrevoando a ilha, entrando e saindo do mar, além de casos envolvendo a Alamoa”, explica Albino.
Fenômenos rotineiros — Anderson Ricardo da Silva, radialista e integrante do Projeto TAMAR [De preservação das tartarugas marinhas], diz que quase todos os dias é possível avistar UFOs no céu de Noronha, geralmente a partir das 22h00. “E não é só uma que aparece, mas várias luzes que dão a impressão de terem sido colocadas em lugares estratégicos do c&
eacute;u, como se cada uma tivesse seu ponto de observação. Em qualquer praia dá para ver pelo menos duas ou três delas durante à noite. Essas luzes têm o formato de um disco na horizontal e ficam piscando nas cores azul e branca”, contou o radialista.
Fernando de Noronha guarda ainda outro impressionante enigma, o Paredão Abissal, resultante das erupções vulcânicas e variações climáticas. Suas características instigam cada vez mais mergulhadores a explorar os mistérios submersos da ilha. Eles são unânimes em afirmar que o arquipélago é o melhor local do Brasil para a prática de mergulho. “É pura emoção e adrenalina mergulhar em Noronha. Como se já não bastasse a beleza, ainda há as histórias dos moradores e dos pescadores. Para quem se interessa por Ufologia, é como realizar uma viagem igualmente cósmica”, descreve Albino. O historiador Napoleão Barroso Braga diz que o arquipélago por si só já representa quase um mito geológico, geo-histórico e social, com lendas e episódios “emanando” pelo ambiente. O arquipélago é resultante do último vulcanismo que aconteceu no Brasil há aproximadamente 12 milhões de anos. Hoje se sabe também que é um local privilegiado para se fazer observações de objetos voadores não identificados.
Registros históricos confirmam — Noronha foi palco de vários momentos importantes da história brasileira. A ilha ficou abandonada pelos portugueses por mais de dois séculos. “Aqui sempre se viveu muito isolado. Os negros diziam que estavam fora do mundo. Eles não se sentiam no planeta porque o mundo só chegava através de navios que traziam cartas e comida, tudo o que mais precisavam na época”, conta a historiadora Maria José. Por ser afastado dos grandes centros, o arquipélago foi usado no século XVIII como presídio para condenados a longas penas. Foram eles que construíram a maioria dos monumentos e o sistema viário que interliga vilas e fortes. Na época, Noronha tornou-se o maior sistema fortificado do Brasil, habitado apenas por homens. “A escuridão, o isolamento e o erotismo foram fatores que fizeram os ilhéus criarem a Alamoa. Qualquer clarão, estrela cadente ou fenômeno luminoso que aparecia no céu era transformado em história”, explica Maria José. Inclusive, claro, as visitas de UFOs. Há no momento um esforço por parte de pesquisadores do Grupo de Estudos Ufológicos da Baixada Santista (GEUBS), do qual Wallacy Albino é presidente, de se compilar os registros históricos destas observações, partindo inclusive dos depoimentos dos antigos homens que cumpriram pena no local.
A luz de lampião, segundo a historiadora, só chegou em Noronha com os italianos, na Praia da Conceição, e foi recebida como se fosse mágica por aqueles homens que estavam isolados no local havia pelo menos 20 anos. Já a energia elétrica, que chegou ao local em 1929, não pôde ser utilizada de forma satisfatória por um bom tempo, pois o consumo era restrito devido ao alto custo e, posteriormente, com o objetivo de se evitar o racionamento, durante a Segunda Guerra mundial. Novamente, condições de iluminação precária propiciam a observação de fenômenos luminosos à noite. “A imaginação humana, com todos esses acontecimentos, aliada à falta de conhecimento, é capaz de transformar qualquer luz em uma Alamoa”, conclui a historiadora. No passado, os Estados Unidos chegaram a erguer na região uma base militar, com a qual esperavam conter os nazi-fascistas que avançavam para a América do Sul. Há documentos militares da época da ocupação norte-americana no local que relatam com abundância os avistamentos.
Lendas com possível conotação ufológica são muito comuns em todo o Brasil. Envolvem relatos de luzes voando e clarões fixos no céu, feixes que perseguem e até queimam pessoas e criaturas que chupariam sangue de suas vítimas – como o chamado chupa-chupa –, entre outros. Os casos são incontáveis, como relata o folclorista Paulo de Carvalho-Neto, em sua obra O Povo do Espaço, indo desde o Arroio Chuí ao Amapá, do interior do Acre ao Rio de Janeiro. “Não há uma única localidade do país que não tenha um acervo relativamente rico de lendas folclóricas. E uma boa parte delas é originada da observação mal compreendida, por nossos antepassados, de naves e seres não terrestres”, declarou o estudioso, um dos mais renomados de sua área no Brasil. Os estados recordistas em tal modalidade de lendas – que o autor batizou de “Folclore Espacial” – são Minas Gerais, Amazonas e Pará.
Negrinho perneta — Na fronteira entre Brasil e Paraguai, por exemplo, um objeto voador esférico e com luz esbranquiçada, voando baixo próximo a picos e morros, é chamado pelos moradores como Enterro de Solano Lopes, numa alusão ao ditador paraguaio do século XVII que travou sangrenta batalha com Brasil e Argentina, a Guerra do Paraguai. Para os observadores, a luz seria o espírito dos mortos no conflito, de ambos os lados, voltando ora para atormentar os que vivem nas localidades, ora para guardar supostos tesouros enterrados pelos militares do país vizinho, que teriam saqueado as fazendas do então Mato Grosso em sua carreira Brasil adentro. Já a observação de uma luz difusa e avermelhada, exalando odor de enxofre e voando a baixa altitude, é chamado em muitas partes do Brasil – e até fora dele – de Saci Pererê. A história acabou se incumbindo de transformar a observação num negrinho perneta fumando cachimbo. Assim como na lenda da Alamoa, de Fernando de Noronha, a superstição e a ignorância popular acabaram transformando uma observação inusitada em uma caveira ou mulher de branco.
Em Minas Gerais, uma sonda não tripulada avistada próxima de pequenos riachos é chamada de Mãe d’Água – e se vista rondando paredões rochosos, passa a ser a Mãe d’Ouro. No primeiro caso, seria uma espécie de espírito indicando a existência de riquezas na água, como diamantes e outras pedras preciosas. No segundo, apontaria jazidas do minério, que, para muita gente, é indicação clara de que tal espírito é por demais bondoso. Muitos que vêem tais fenô
menos se sentem abençoados. No Pará, um ser não identificado, semelhante a um astronauta e observado perto de rios, é chamado de Boto e deu origem a milhares de histórias de inseminação de lindas mulheres residentes à beira dos mesmos. Já no interior do Estado, no Alto Xingu, os índios Caiapó chamam até hoje um misterioso visitante que chegou do espaço numa “canoa” e portava uma clave que dava choques – a “kop” – de Bep Kororoti. E tais histórias se repetem insistentemente em nosso rico folclore. Em Noronha não haveria de ser diferente.
Esses são apenas alguns dos inúmeros relatos que podem ser encontrados em todo o país. O ufólogo, folclorista e historiador Antonio Faleiro, consultor da Revista UFO, explica que diariamente fenômenos extraterrestres são erroneamente classificados como lendas do folclore brasileiro, como é o caso do Mboi-Guaçu, muito presentes na literatura do Rio Grande do Sul. Outra lenda muito popular é a do Boitatá, que, segundo Faleiro, é apenas uma nova versão para descrever o avistamento de um UFO, usada muito mais comumente na Bahia. “Algumas testemunhas desse tipo de ocorrência nos informaram terem visto sombras escuras que ficavam pairando sobre o local onde estavam. Nesse tipo de caso, acreditamos que o UFO esteja às escuras, talvez apagado, daí não ser vista luz alguma. E o fato de aparentemente aumentar de tamanho possivelmente está relacionado à lenta aproximação sobre as testemunhas. Seu tamanho também oscilará, para menor, com sua ascensão ao espaço”, afirma Faleiro. Ele é autor de UFOs no Brasil, Misteriosos e Milenares e um dos primeiros ufólogos brasileiros a reconhecer na Alamoa de Fernando de Noronha a ação de possíveis naves de origem não terrestre.
Faleiro conta que, ainda em Minas Gerais, há a lenda do Carro Fantasma, que constantemente era visto de madrugada nas estradas dos municípios do interior, principalmente por motoristas de caminhões que partiam cedo para a coleta de leite nas fazendas. Com outras denominações, o mesmo mito está presente em vários outros estados brasileiros. Os condutores eram seguidos por “faróis” luminosos nas estradas, que inexplicavelmente desapareciam – daí o fato de considerá-los como fantasmas. No entanto, as bolas de fogo ou luzes estranhas são tão comuns que a população rural já as incorporou à paisagem noturna. “Aquilo era Mãe d’Ouro que tinha a missão de mostrar tesouros enterrados em topos de serras”, relatam os moradores rurais.
Difícil compreensão dos fatos — Para Faleiro, esses objetos são UFOs muito iluminados, semelhantes a bolas de fogo. “Eles vêm voando na direção de uma serra, pousam e desligam sua iluminação. Daí fica a impressão de que se enterraram serra adentro”, explica. O estudioso diz ainda que a diversidade não prejudica a compreensão do fato, mas ao contrário, ajuda a entendê-lo. Os recentes estudos por parte de ufólogos de todo o mundo e a difusão de livros e informações referentes ao Fenômeno UFO permitem que cada vez mais pessoas conheçam a Ufologia e possam melhor analisar os fatos simploriamente classificados como lendas. Além de Fernando de Noronha, outras áreas do vastíssimo litoral brasileiro são igualmente ricas em mistérios que podem ser interpretados como integrantes do Fenômeno UFO. A conclusão não é precipitada e tem fundamento na análise cuidadosa das circunstâncias das observações consideradas folclóricas, que em detalhes precisos coincidem com relatos já identificados pela Ufologia como sendo de veículos espaciais de fabricação extraterrestre. Por esta razão, a casuística recém identificada no arquipélago passa agora por uma compilação e comparação com a do resto do país e de outras nações, apontando para fascinantes descobertas. Sim, aliens também visitam Noronha.
Um paraíso na Terra chamado Noronha
Formado por 21 ilhas e ilhotas com aproximadamente 26 km², o arquipélago de Fernando de Noronha é o topo de uma cordilheira vulcânica com 4 km de profundidade. Apesar de ser um belíssimo paraíso turístico, tem infra-estrutura limitada, justamente para garantir a preservação do meio ambiente. Diariamente, é autorizada a entrada de apenas 420 turistas, que são alojados em um pequeno hotel e nas 70 pousadas, classificadas de acordo com suas instalações e estrutura de apoio.
O convívio familiar é um dos fatores mais marcantes na região, fazendo com que o visitante se sinta verdadeiramente à vontade. O contato com a natureza intacta é único, tornando inesquecíveis os momentos passados em perfeita comunhão com o meio ambiente. São oferecidas várias opções de passeios terrestres e marítimos, inclusive atividades subaquáticas, formando um conjunto que atrai um grande número de turistas brasileiros e estrangeiros. Ao todo, são 16 praias na ilha principal, classificadas de acordo com a localização geográfica, como pertencentes ao “mar de dentro” ou ao “mar de fora”. O lado da ilha que está voltado para o continente é o “de dentro”, sendo o que se volta para o Atlântico, o “de fora”.
Para a agente de viagem Laís Caroline dos Santos, a melhor forma de conhecer as praias é através de caminhadas. “A ilha não é muito grande, em poucos dias dá para conhecer vários lugares”, afirma. Por questões de segurança, os passeios dentro do Parque Nacional Marinho, criado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), só são permitidos com a companhia de um fiscal. Esse procedimento é adotado para que não ocorram acidentes com os turistas dentro do arquipélago, que abriga animais e plantas selvagens – como o arbusto conhecido na região como Burra Leiteira, que produz um látex cáustico que provoca graves queimaduras.
Para manter a região preservada, 70% da área do arquipélago foram transformados em parque ecológico em 1988. Nessa extensão de terra monitorada está a Baía dos Golfinhos, lugar ideal para observar os golfinhos rotatores, do gênero Stella longirostris, cuja espécie só é encontrada em alto-mar. Esses animais saltam em volta do próprio corpo e chegam à 2 m acima da superfície. “Um dos melhores horários para ver os golfinhos é por volta das 06h00, quando entram na baía e dá para vê-los saltando sobre as águas, num inesquecível espetáculo de harmonia com a natureza”, relata Laís.
Os turistas que vão a Noronha podem apreciar, além das belezas naturais, monumentos arquitetônicos como a Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios. O local serviu de brigada dos holandeses em 1629 e de morada para 3 mil soldados durante a Segunda Guer
ra Mundial. A ilha também foi usada como presídio em vários momentos da história brasileira, abrigando inclusive exilados no governo de Getúlio Vargas. O arquipélago ainda preserva 10 fortalezas do século XVIII, que podem ser visitadas por trilhas sinalizadas.
A misteriosa Alamoa de Fernando de Noronha
Uma luz estranha de tom lívido iluminou a torre cônica que ficava em frente à guarita do sentinela. Com os olhos arregalados e a boca seca, o jovem soldado que, sonolento, fazia a guarda naquela noite de sexta-feira, encarava a fantástica visão. À sua frente e a curta distância, envolvida em um halo de luminosidade, uma mulher inteiramente nua iniciava um bailado erótico. A pele era clara e translúcida. A loura cabeleira lhe atingia os joelhos. Ela dançava, sacudindo os cabelos que ora envolviam, ora desvendavam bruscamente seu corpo. Os olhos, de um azul-marinho – como as águas que cercam a ilha – tinham uma mirada fixa, como a das serpentes, brilhantes de lascívia. Toda a fortaleza estava em silêncio. Era uma noite escura, de nuvens carregadas e ameaçadoras. O mar, lá embaixo, na Baía de Santo Antonio, apresentava uma fosforescência inusitada.
Quando um relâmpago clareava, o gigantesco vulto do pico surgia na paisagem, como uma sentinela vigiando a ilha. A massa de pedra vulcânica tinha um ar de mistério e de tragédia, que durante séculos envolvera o arquipélago. O sentinela tremia de medo e de desejo, atraído pelo feitiço da dança e dominado pela necessidade de mulher que avassala os homens que habitam Fernando de Noronha. Os que ali moravam, soldados, sentinelas, pescadores – que constituíam a mescla variada dessa sociedade à parte, com moral própria, derivada da solidão ou do fatalismo de uma vida difícil – conheciam a lenda.
A Alamoa, como era chamado o fantasma, há muitos anos assombrava as noites tempestuosas de sextas-feiras. Loura e nua, com a fosforescência e a maldade nos olhos, surgia ante o jovem como a encarnação do desejo sexual, do sonho desses homens sem mulheres. Na terra morena dos trópicos, a mulher branca e loura, vinda de outras plagas, trazida na lembrança dos primeiros descobridores e na repressão sexual dos marujos europeus, representava o exotismo excitante das francesas e das alemãs: sereias que propiciavam requintados prazeres.
As mães aconselhavam os rapazes que não saíssem à rua naquelas noites perigosas, pois a malvada Alamoa poderia enlouquecê-los de amor e depois, matá-los de terror. Ela os fascinava. Levava-os ao Pico, o grande palácio de pedra, com sua porta secreta. E quando a vítima fremente ia abraçá-la, a linda e sedutora mulher se transformava em um esqueleto de órbitas faiscantes, apavorando os jovens que se atiravam no oceano ou se despedaçavam nos arrecifes. A dança continuava num colear de cobra que se preparava para o bote. Atração e repulsa, amor e medo. O jovem soldado vacilou antes de se atirar na direção da irresistível sereia. Seu corpo pedia a entrega, com toda a força da sua ardente mocidade. Seu espírito relutava, tolhia o gesto, lutava contra a magnética força da loura criatura.
Pobre soldado, enredado nas teias de uma mágica figura! De repente, o apelo se torna tão forte que ele, pobre mortal, carente e ansioso vai, lentamente, caminhando na direção da fascinante figura. Ela recua. Ele avança. Sua luz o envolve. Suas mãos longas e pálidas se estendem. Num último chamamento acontece o inevitável abraço! Gelado e aterrador contato, que silencia o arroubo apaixonado e eriça-lhe os cabelos. Nesse instante, o clarão de um raio ilumina toda a fortaleza e o encanto se esvai! O soldado cai no solo, desmaia, livre, enfim, pelo milagre da luz, da teia de encantamento que quase lhe custa a vida!