Algumas edições atrás, a seção Espaço do Ombudsman comentou o “caso” Dino Kraspedon, em função de um leitor que se manifestou sobre aquele acontecimento. Como ele teve a sua merecida – embora curta – réplica, caso contrário o silêncio do ombudsman poderia significar omissão ou conivência, a partir daí criou-se uma discussão a qual não tínhamos o menor interesse em alimentar. Em função daquela resposta, outro leitor partiu em defesa do protagonista do caso, e ambos fizeram insinuações desagradáveis sobre este autor no tratamento do caso. Entretanto, como surgiu um fato novo, e é nosso dever não faltar com a verdade, até onde a história é conhecida, vamos então colocar as coisas em seus devidos lugares para esclarecer o meu ponto de vista e trazer à luz alguns elementos não inteiramente conhecidos, para pôr um ponto final neste caso. Para minha surpresa, recebi um pequeno dossiê contendo, além de uma carta explicativa, cópias xerográficas de reportagens, um livro, documentos jurídicos e outros materiais, porque o remetente deve ter acompanhado os acontecimentos daquela época, e informa ter sido amigo pessoal de Dino Kraspedon, falecido no início dos anos 90.
Junte-se a isso meu arquivo pessoal, a experiência de 30 anos de pesquisa, lembranças de longas conversas com o falecido professor Guilherme Willi Wirz, um dos expoentes da Ufologia Brasileira nas décadas de 60 e 70, pesquisador deste e de muitos outros casos. Temos aí um ponto de partida. Até onde minha memória não me trai, ainda é bastante nítida a expressão do professor Wirz quando o assunto era Dino Kraspedon, um misto de aborrecimento, insatisfação e prenúncio de uma explosão de raiva – fato raríssimo nele. Segundo ele, o absurdo das declarações do alegado contatado era tal que, se fosse verdade tudo aquilo, ele, Wirz, nunca mais sairia a campo para pesquisar coisa alguma. Havia certamente mais detalhes – que não eram do meu conhecimento – que contribuíam para aquele estado de inconformismo. A conclusão de Wirz não era isolada. Se bem me lembro, outros pesquisadores que acompanharam as investigações partilhavam da mesma opinião. O médico Max Berezovsky e o professor Rubens Junqueira Villela, além do professor Flávio Pereira, muito provavelmente viveram de perto este caso e dariam uma contribuição significativa se pudessem se manifestar a respeito.
Trinômio Confuso — Independente desses fatos – ou de complementá-los –, a figura do senhor Dino Kraspedon sempre suscitou muitas dúvidas, a começar pelo nome, que seria um pseudônimo de Aladino Félix ou ainda, de Sábado Dinotos. Um trinômio confuso que dificultava saber quem era quem. Um quarto nome envolvia o senhor Oswaldo Pedrosa, suposto autor do livro Contato com os Discos Voadores [Instituto Dino Kraspedon, ano 1992]. De acordo com os referidos documentos que me chegaram às mãos, e alguns que já eram do conhecimento da Revista Ufo, Oswaldo Pedrosa se apropriou indevidamente da autoria daquela obra, sofrendo uma ação ordinária contra perdas e danos. Esse processo tem o número 70.198.007.434-1 e circulou na 3ª Vara Cível da Comarca de Uberaba (MG), tendo sido instaurado em 22 de agosto de 2000.
Portanto, o leitor Rodrigo Perretti, que informou através de carta publicada pela edição 94 da Revista Ufo, de dezembro de 2003, ter conhecido Dino Kraspedon, fica sabendo agora que o encontro foi, na verdade, com o “falso” Dino – o Oswaldo Pedrosa – que incorporou aquele personagem e andou se apresentando em vários congressos, sempre com muito alarde por parte dos organizadores, que acreditavam estar diante de um autêntico contatado em um caso de indiscutível veracidade. Não sabiam da farsa e do imbróglio que envolvia este personagem. Em agosto de 1995, uma matéria publicada na revista Istoé reacendeu o caso, contribuindo para alimentar a crença na história rocambolesca desse falso contatado, e gerando ainda mais confusão ao informar que Dino Kraspedon – Oswaldo Pedrosa – havia sido preso pelo então Ministério da Guerra, acusado de terrorismo, nos idos dos anos 60.
Um erro jornalístico imperdoável, como veremos adiante. Falou-se muito também sobre uma condecoração que lhe teria sido dada pela Academia de Ciências da então União Soviética. Conversa fiada. O que houve foi uma carta de agradecimento pela tradução do livro, dizendo que as informações “técnicas” ali contidas seriam analisadas pela comunidade científica. Até o pesquisador inglês Gordon Creighton veio em defesa de Kraspedon, achando que ele estava sendo perseguido pelo governo por revelar a verdade sobre os discos voadores. Em resumo, esse personagem farsante caiu de pára-quedas no episódio e contribuiu de maneira significativa para fortalecer negativamente o lado messiânico da Ufologia. Fim do primeiro ato.
Destinos da Humanidade — Uma reportagem publicada pelo jornal paulista Diário da Noite, datado de 16 de junho de 1966, noticia uma intimação sofrida por Aladino Félix por parte do Serviço de Ordem Política e Social (posteriormente DOPS) a respeito de uma tradução feita por ele das Centúrias de Nostradamus, documento esse que, segundo aquele órgão, seria atentatório ao regime político da época. De acordo com a versão do depoente, a tradução estaria fiel à versão original, e traria importantes revelações sobre a queda do senhor Adhemar de Barros, a subida ao poder do senhor Laudo Natel e ainda, comentários sobre o governo do presidente Castello Branco. Nostradamus devia estar muito preocupado – 500 anos antes – com os rumos de uma nação que mal havia nascido e que poderiam mudar os destinos da humanidade.
Entretanto, Aladino Félix teve mais participação em atos anti-governo do que se supunha. O livro Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada [Editora Ática, 1987], de Jacob Gorender, revela um fato interessante: “Também em São Paulo, um bando de soldados e sargentos da Força Pública, liderados por Aladino Félix, vulgo Sábado Dinotos – mescla de guru místico e marginal – promoveu 12 explosões de bombas e um assalto a banco”.
E continua: “Preso e torturado pelo DEIC, Aladino Félix denunciou à Justiça Criminal que agiu por orienta&cc
edil;ão do general Jayme Portella, chefe da Casa Militar da Presidência da República”. Em outra obra, 1968 – A Paixão de Uma Utopia [Editora Espaço & Tempo, 1988], de Daniel Aarão Reis Filho e Pedro Moraes, a história se repete, contada de outra forma: “Em 01 de setembro, a polícia paulista prendeu um cidadão chamado Sábado Dinotos, também conhecido por Aladino Félix. O homem confessou exercer a chefia de um grupo de graduados da Força Pública que havia cometido dezenas de atentados e assaltos em São Paulo”.
E continua a obra: “Acusou o general José Paulo Trajano como mandante e envolveu nas acusações o general Freitas, do Departamento de Polícia Federal, subordinado direto da Casa Militar da Presidência da República, chefiada pelo general Jayme Portella, também secretário geral do Conselho de Segurança. Dias depois, por uma distração dos carcereiros, o presumido chefe do grupo terrorista simplesmente sumiu da cadeia…”
Atentados Políticos — Gentilmente, o colega e pesquisador Claudeir Covo, co-editor de Ufo, nos forneceu ainda cópias de outras reportagens da época, 1968, relatando atividades que incluíam atentados ao presidente Costa e Silva e ao governador Abreu Sodré, a outras autoridades civis e militares de vários estados, e a ele próprio, Aladino, como “queima de arquivo”. A falha jornalística da revista Istoé, mencionada acima, se deve ao fato da repórter, Gisele Vitória, ter envolvido erroneamente o nome de Oswaldo Pedrosa naqueles acontecimentos políticos, muito embora sejam compreensíveis as razões do seu erro. Diante disso, concluímos que Aladino Félix e Sábado Dinotos eram, de fato, a mesma pessoa. Resta saber qual a ligação entre Aladino, Sábado e o famigerado senhor Dino Kraspedon. Cai o pano do segundo ato. Com a documentação recebida, o círculo se fecha e esclarece o mistério. Primeiro, no memorial do Ministério Público, segundo processo número 116.799, datado de 21 de novembro de 1997, tendo como acusado o senhor Oswaldo Oliveira Pedrosa, por ter infringido o parágrafo 4º do artigo 184 do Código Penal. “Realizada a instrução criminal, o referido acusado, no interrogatório da folha 54, confessou descaradamente o delito, isto é, confessou que escreveu e editou o livro Contato com Discos Voadores, violando assim o direito autoral do verdadeiro proprietário da aludida obra, senhor Aladino Félix, pseudônimo Dino Kraspedon”.
Conforme consta dos autos do processo mencionado, na audiência de conciliação, página 01, a informação não deixa dúvidas: “As partes compuseram à vista de que, independentemente de qualquer outro fato do processo, o senhor Aladino Félix detém os registros da obra para fins de edição e que passaram à família pelo espólio que ora é o autor. Diante de tal, os requeridos se abstém de doravante utilizar o pseudônimo Dino Kraspedon em qualquer obra literária…” Estes são os fatos documentais sobre o personagem central da discussão. Como se pode deduzir, Aladino Félix e Sábado Dinotos eram a mesma pessoa e, por desdobramento, também Dino Kraspedon. Este e Oswaldo Pedrosa eram pessoas de reputação duvidosa, e por essa razão, qualquer situação que envolva seus nomes levanta plena e justificada desconfiança. Aceitar como autêntica a história farsesca dos alegados contatos de Dino Kraspedon é declarar-se ingênuo e de visão estreita para a realidade dos fatos. Fim da peça. Fecham-se as cortinas.
Últimas Conseqüências — Como já referi, os leitores que escreveram protestando contra a reabertura do caso sugeriram que este autor estava usando de artimanhas para “desviar a atenção do público para assuntos de maior gravidade”, ou que estaria “existindo pressões de fora para se encerrar de vez a questão”, conforme alguns e-mails recebidos. E ainda, que poderia estar a serviço de “manobras de descrédito encetadas contra este nosso estimado companheiro”. Aí estão os melhores exemplos de ingenuidade e estreiteza de visão.
O professor Wirz já alertava, em meados dos anos 70, que casos dessa natureza exigiam muito cuidado, precisavam ser explorados em todas as suas nuances, esmiuçados até as últimas conseqüências. Foi o que ele e outros pesquisadores fizeram, com competência e responsabilidade. O recado atravessou o século, pois continuam acontecendo casos de contatados recebendo supostas mensagens interestelares, e não há ninguém que se mostre preocupado em verificar a verdadeira procedência dos fatos, aceitando tudo com um assustador, perigoso e irresponsável primarismo. Essa é uma das facetas mais estúpidas que o Fenômeno UFO apresenta, manifestando-se dentro de um contexto frágil, manipulador, patético, acintoso à inteligência e ao bom senso.
Pior que isso, só a atitude intempestiva e caricata de determinados segmentos que afirmam, de forma indiscutível, que as “naves que nos visitam são definitivamente extraterrestres e seus ocupantes, alienígenas mais evoluídos tecnológica e espiritualmente”. Se tudo é assim tão simples, para que continuar pesquisando? Qual o sentido de existir Ufologia se as respostas aos mais insondáveis mistérios já foram dadas? Qual a razão da Revista Ufo existir, por exemplo? Por que perder tempo pressionando governos, autoridades, cientistas, órgãos de pesquisa, a NASA, a Aeronáutica etc, se o mistério pode ser revelado simplesmente lendo uma ou duas dessas obras?
Ao Alcance das Mãos — Está tudo aí, ao alcance das mãos, diante dos nossos olhos. Basta folhear algo como Contato com Discos Voadores, já citado, ou Eu Viajei num Disco Voador [Instituto do Paranormal de Cataguases, 1995], do também suposto contatado Chico Monteiro, ou ainda Transcomunicação via Rádio com ETs [Edição particular, 2000 ], de Denizard Souza, e tudo estará resolvido. Só não venham dizer depois que não foram avisados…
Peço licença ao escritor Ivan Ângelo para usar um trecho de uma crônica sua, fazendo alguns acréscimos – entre parênteses – para melhor ilustrar nosso pensamento: “É preciso sabedoria para ajudar os ignorantes (e compreender os inteligentes), calma para impedir os exaltados (e para não se exaltar também), disposição para enfrentar os cretinos (e cuidado para não se
tornar um deles), visão para encorajar (ou desencorajar) os visionários, paciência para aturar os gênios (e cautela para não se julgar um) e força para meter o braço”.
UFO se manifesta
A Revista Ufo vem se pautando, desde o princípio, por divulgar democraticamente todos os assuntos relacionados ao Fenômeno UFO, seja pelos seus aspectos positivos, seja pelos negativos. O preceito que norteia esta linha editorial é, mais que um direito do leitor, a necessidade que ele tem de manter-se bem informado, para que possa formar um juízo de valor consonante com suas convicções.
Entretanto, tudo o que é publicado não representa, necessariamente, a opinião do editor, co-editores, membros do Conselho Editorial ou corpo de redatores, e é por isso que erros e acertos caminham lado a lado, mais estes que os primeiros. Se acertar é um dever, errar é um direito. E, diante dos fatos apresentados pelo seu ombudsman, concernentes ao caso Dino Kraspedon, que não deixam dúvidas quanto à sua natureza fraudulenta, a Revista Ufo, por respeito ao leitor, em defesa da verdade e pela ética que a fundamenta, reconhece que, no passado, cometeu equívocos no tratamento dado ao episódio, embora algumas das particularidades reveladas pela matéria não fossem de seu conhecimento.
Fica assim demonstrada, mais uma vez, a seriedade e o compromisso da Equipe Ufo com a Sociedade brasileira, em especial a comunidade ufológica, e assim será sempre que as circunstâncias convocarem a manifestação da revista.