Já não temos mais a companhia de ufólogos que começaram suas atividades de investigação praticamente na época do surgimento do Fenômeno UFO, ainda nos anos 40 e 50, e que ajudaram a construir a pesquisa do assunto no país e a mentalidade que hoje nos faz ter a certeza de que não estamos sós.
Dias 10 e 12 de dezembro de 2010 — datas que ficarão para sempre na história da Ufologia Brasileira, por marcarem o falecimento de nossos grandes pioneiros José Victor Soares e Irene Granchi. Ele às 06h00 do dia 10, uma sexta-feira, no interior do Rio Grande do Sul. Ela pouco depois do almoço do dia 12, domingo, no Rio de Janeiro. Suas partidas abalaram como nunca antes a comunidade ufológica, que hoje se sente órfã. É difícil falar em Ufologia neste país sem falar da história de vida de Victor e de dona Irene, ele consultor e ela presidente do Conselho Editorial da Revista UFO desde o início de nossa trajetória. Inspiradores de nosso trabalho, conselheiros fiéis, amigos eternos, ambos também eram estrangeiros que adotaram o Brasil — Victor nasceu nos Açores, em 1931, e dona Irene na Alemanha, em 1913.
Victor vinha lutando obstinadamente contra o câncer, mas não resistiu e nos deixou aos 79 anos. Dona Irene, apesar da saúde agravada pelo diabetes há décadas, partiu aos 97 anos, recém completados. Suas influências sobre a Ufologia Brasileira se confundem com as que produziram sobre a Revista UFO. Tive a honra e a alegria de compartilhar a companhia e receber os ensinamentos de ambos desde minha adolescência, aprendendo muito com estes grandes mestres que ajudaram a edificar a disciplina no Brasil. Foi seguindo seus exemplos de vida e contando continuamente com sua inspiração que um dia, em 1985, lancei a revista Ufologia Nacional & Internacional, substituída em 1988 pela UFO — hoje a mais antiga publicação especializada na pesquisa dos discos voadores em todo o planeta Terra. Jamais teria conseguido sem a ajuda deles, e também de um terceiro grande personagem de nossa história, o general Alfredo Moacyr de Mendonça Uchôa, falecido em 1996. Este sempre foi o triângulo sobre o qual esta publicação foi edificada.
\”Uma instituição de pesquisas\”
José Victor Soares deu inestimáveis contribuições à Ufologia Brasileira e foi entrevistado várias vezes por esta revista, sendo a última na edição UFO 147, em um trabalho realizado pelo colaborador Daniel Conrado. Ele tinha artigos publicados também na Inglaterra, Argentina, França, Espanha e Itália. Sua maior contribuição estava na investigação de campo, modalidade que ensinou a gerações de ufólogos. \”Deve-se ir aonde os fatos ocorrem e olhar as testemunhas nos olhos\”, ensinava. Investigou exemplarmente casos de abduções e mutilações de animais, principalmente no Rio Grande do Sul. Era meticuloso e detalhista, mantendo arquivos impecavelmente organizados, apesar de suas humildes condições. \”O Victor não é um ufólogo, é uma instituição de pesquisas\”, dizia o general Uchôa. Ele jamais deixava de atender com atenção a todos que o procuravam. Passei inúmeros finais de semana em seu sítio, desfrutando de sua amizade, de sua sabedoria e também de sua enorme hospitalidade.
Irene Granchi também teve forte penetração na Ufologia Mundial, deixando um legado igualmente valioso. Ela foi a primeira ufóloga brasileira e sempre demonstrou muita dedicação e esforço, sem se importar com os riscos pelos quais passava para realizar seu trabalho, iniciado depois de avistar um UFO nos anos 40, no interior do Rio de Janeiro. \”Jamais descansarei enquanto não descobrir tudo o que puder sobre estes aparelhos\”, dizia. E nunca descansou, seguindo sua vocação para pesquisar e ensinar Ufologia a várias gerações. Ela conviveu com grandes luminares estrangeiros, como J. A. Hynek, Jim e Coral Lorenzen, com os quais levou nossos principais casos para o conhecimento de todo o planeta — por suas mãos passaram as mais impressionantes abduções, como as de Antônio Villas-Boas e de Luli Oswald, entre dezenas. Também foi entrevistada pela Revista UFO em várias ocasiões, sendo a última a edição 146, em um trabalho do ex-consultor Cláudio Suenaga.
Fui igualmente recebido inúmeras vezes por dona Irene, sendo a primeira em 1982, aos 20 anos, quando, sem nunca ter me visto antes, me hospedou durante minha participação em um evento que promovia no Rio. Em meus momentos ao seu lado, aprendi uma outra dimensão do Fenômeno UFO, que ela já conhecia bem antes de todos nós: seu aspecto imaterial. \”Não importa tanto saber como funcionam estas máquinas, mas sim quem as pilota, de que são feitos esses seres, como pensam e como nos vêem\”, dizia.
\”Eles podem ser muito diferentes\”
Já nos anos 80 dona Irene sabia de coisas sobre a presença alienígena na Terra que apenas hoje muitos ufólogos suspeitam. Victor também. Para ele estava claro, desde o princípio da Era Moderna dos Discos Voadores, que estávamos sendo visitados por inúmeras espécies cósmicas. \”E se é assim, é óbvio que eles podem ser muito diferentes entre si\”, falava. Mas o que unia estes grandes personagens da Ufologia Brasileira eram duas qualidades raras: pesquisar a fundo o fenômeno e compartilhar os resultados sem reservas. Eles me ensinaram o que pratico até hoje: Ufologia só se faz com a mente aberta, com os pés no chão e com a divisão de informações. Ninguém faz Ufologia de qualidade sozinho.
Além de toda a contribuição que José Victor Soares e Irene Granchi deram à Ufologia Brasileira e Mundial, eles também podem ser considerados os primeiros em nosso país na busca da abertura ufológica, denunciando as ações governamentais de acobertamento e a política internacional de sigilo aos UFOs. Eles são, por isso mesmo, inspiradores da Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e de sua vitoriosa campanha UFOs: Liberdade de Informação Já, que hoje rende a eles sua eterna homenagem, ao lado de todo o Conselho Editorial da revista que ajudaram a fundar e a construir, e cuja trajetória solidificaram com seus exemplos. Se estamos perto de completar quase três décadas de existência, com certeza, foi seguindo o legado desses dois pioneiros.
Que descansem em paz!
\”Pesquisei muitos casos de observações de UFOs e contatos com seus tripulantes, mas a sensação que eu tenho é que, quanto mais tento encontrar respostas para o fenômeno, mais perguntas aparecem à minha frente.\” (Irene Granchi)
\”A investigação dos discos voadores deve acontecer no local onde os fatos se dão. O ufólogo deve ir lá, conhecer o local, examinar as evidências. Mas, sobretudo, deve ‘sentir’ as testemunhas, ver como elas estão.\” (José Victor Soares)
Nota: texto publicado na seção Mensagem do Editor de UFO 174, fevereiro de 2011. Veja fotos de Dna Irene e Victor Soares, clicando aqui.