Os ufólogos brasileiros foram surpreendidos por uma espantosa decisão da Aeronáutica em agosto do ano passado, já tratada em algumas edições da Revista UFO, especialmente a de número 170 [Agora disponível na íntegra em ufo.com.br], e que voltamos a discutir nesta. Nem os membros mais otimistas da Comunidade Ufológica Brasileira — e nem mesmo os integrantes da própria Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU), que lançou a campanha UFOs: Liberdade de Informação Já através dessa publicação — esperavam ver publicada no Diário Oficial da União, no dia 10, uma resolução administrativa daquela Arma que dispunha abertamente sobre a questão ufológica.
Trata-se da Portaria 551/GC3, assinada por ninguém menos do que o comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), o tenente-brigadeiro do ar Juniti Saito, homem que teve a função de dar continuidade à abertura ufológica no Brasil após a retirada de seu antecessor, Luiz Carlos da Silva Bueno. A portaria foi assinada um dia antes de sua publicação, em 09 de agosto de 2010, e comemorada imediatamente por ufólogos de todos os matizes. Sabe-se que ela é resultado direto da persistência dos integrantes da CBU, que, ação após ação, construíram um movimento que mudou a face da Ufologia Brasileira, primeiro fazendo os militares abrirem seus arquivos — naturalmente, não todos — e, agora, reconhecendo a questão da presença alienígena na Terra de forma transparente.
O espinhoso “x” da questão
Mas embora considerem uma grande vitória e merecidamente comemorem, os ufólogos do país — pelo menos os mais antenados — ainda estão meditando sobre a referida resolução e tentando lê-la nas entrelinhas, pois é nelas que estão guardadas algumas jóias. De saída, a portaria conteve um grave problema [Veja conteúdo ao lado]. Não se sabe se por erro de digitação ou qualquer outra razão, um dos artigos do documento — indicado no quatro ao lado como Artigo X — não conteve numeração na versão publicada. Da mesma forma, também falta pelo menos outro artigo para a portaria ficar completa, não se sabendo se seria o 4º ou o 5º, mas agora passamos a ter ideia de seu conteúdo.
Isso é no mínimo bizarro e poderia ter passado despercebido, mas não passou. Desde sua publicação, os ufólogos tentam encontrar a razão para a falha, mas só passaram a considerar a falta do artigo como intencional quando o Ministério da Defesa respondeu, em setembro passado, o Requerimento de Informações da Câmara número 679/2011, expedido pelo deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ), com solicitações feitas pelo parlamentar através de ofício da mesa diretora da Câmara dos Deputados [Veja artigo nesta edição]. O ministro Celso Amorim mal assumira a pasta e estava diante desse RIC, que teve a obrigação legal de responder e o fez determinando aos seus subordinados — os comandantes das três Forças Armadas, Exército, Marinha e Aeronáutica — que prestassem a ele as informações requeridas, para que ele respondesse à demanda.
No RIC constava uma solicitação ao comandante da Aeronáutica para que fornecesse toda a papelada que tramitou naquela Arma para dar origem à Portaria 551/GC3. Sabe-se que foram cinco despachos que circularam internamente entre o Gabinete de Comando da Aeronáutica (GC3), o Estado-Maior da Aeronáutica (EMGAR) e o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), trocados entre 01 de março e 03 de julho de 2010.
Agora, com os despachos apresentados ao deputado Chico Alencar na resposta ministerial ao RIC 679/2011, como se esperava, pudemos supor qual seria o Artigo X. E a dica está no quinto dos citados documentos, em que o vice-chefe do EMGAR, major-brigadeiro-do-ar Louis Jackson Josuá Costa, propõe algo muito interessante, mas que não foi adotado pelo seu comandante Saito. Trata-se da criação de um setor do Ministério da Defesa semelhante ao que foi o Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados (Sioani), nos anos 60. Descobrir a razão de Saito não ter seguido essa excelente ideia — já que não se vê a mesma contemplada na Portaria 551/GC3 — é crucial, assim como ter a referida resolução na íntegra, com todos os seus artigos, inclusive o vetado. E isso só será possível quando — e se — o Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica (Cendoc) enviar integralmente a papelada que originou o documento ao Arquivo Nacional.
Fatos à disposição da sociedade
Mas se saber o que levou à gestação e à emissão da portaria é importante, mais ainda é discutir e avaliar alguns de seus termos. O documento é claro ao determinar a linha de ação dos militares quando houver conhecimento de um avistamento ufológico, contato ou mesmo detecção por radar — caso as testemunhas venham a realizar o registro de tais fatos à autoridade competente. E a determinação é de que todo e qualquer acontecimento do gênero, que for levado ao conhecimento de qualquer unidade da Aeronáutica, deve ser centralizado ao Comdabra, depois transferido ao Cendoc e então enviado ao Arquivo Nacional — onde estará à disposição da sociedade e, naturalmente, também dos ufólogos.
O texto não especifica que assim serão tratados apenas casos envolvendo pilotos, tripulações, controladores de voo e pessoal de aviação em geral, mas privilegia esse ponto ao mencionar “registros referentes a OVNI relatados, em formulário próprio, por usuários dos serviços de controle de tráfego aéreo”. Agora, com a liberação dos documentos referentes ao ano de 2010, fechando a década passada, a Aeronáutica e o comandante Juniti Saito cumpriram o prometido em sua portaria e de fato mandaram ao Arquivo Nacional, em 16 de setembro, sete novos casos ufológicos, dos quais quatro são de pessoal aeronáutico, relatos feitos por comandantes de aeronaves comerciais em voo.
Violação do espaço aéreo
É justamente nesse ponto que reside o maior problema da Portaria 551/GC3, já identificado por esse autor imediatamente após sua emissão. E ele agora foi confirmado com a remessa dos novos casos de avistamentos por pilotos ao Arquivo Nacional. O comandante Saito está diante de duas situações a explicar. Primeiro, como determinou em sua resolu
ção, se pretende enviar àquele órgão até mesmo casos em que UFOs de grandes proporções surjam à frente e atravessem a rota de aeronaves comerciais lotadas de passageiros, simultaneamente detectados por radares de bordo e de terra? Sua portaria prevê que sim, mas nada fala sobre um ponto crucial da questão, que é determinar a completa investigação do fato — especialmente em função da segurança de voo, talvez colocada em risco pelo incidente.
É dever da Aeronáutica zelar pelo espaço aéreo territorial brasileiro e investigar detalhadamente qualquer penetração do mesmo por veículos não autorizados — em especial se eles ameaçam a segurança de uma aeronave comercial ou militar. Se a Arma decidir enviar para o Arquivo Nacional tais casos sem qualquer providência investigativa, estará desrespeitando seriamente a função primordial de sua existência e razão de sua manutenção e constante aprimoramento, com novos equipamentos e treinamento de seu pessoal. Ao contrário, como lhe cabe, deve investigar tais casos detidamente, sob todos os seus ângulos. Agora, nesse caso, irá o comandante Saito determinar que mesmo assim um caso dessa envergadura seja enviado para o Arquivo Nacional, para conhecimento público? E o fará junto dos resultados da apuração dos fatos, que ele também deve determinar que seja realizada?
Essa é a questão. Apenas ufólogos muito inocentes acreditam que a Força Aérea do quinto maior país do mundo, uma das mais bem equipadas do globo e das mais bem comandadas irá relaxar na sua missão de patrulhar e zelar pelo espaço aéreo territorial do país, fazendo apenas o inocente registro documental de casos de sua violação por naves de procedência desconhecida e de elevada tecnologia. Ora, que a FAB vai investigá-los não resta dúvida, mas se terá atitude igualmente exemplar e honrada de informar a sociedade sobre os fatos apurados, essa é outra história — e é justamente isso o que se espera dela.
O documento histórico e polêmico da Aeronáutica
Eis a Portaria 551/GC3, de 09 de agosto de 2010, publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, regulamentando como serão tratadas as ocorrências ufológicas no Brasil. Não se sabe se por erro de digitação ou qualquer outra razão, um dos artigos do documento (Artigo X) não contém numeração na versão original publicada. Assim como falta pelo menos outro artigo para a portaria ficar completa, não se sabendo se seria o 4º ou o 5º, e nem seu conteúdo.
Dispõe sobre o registro e o trâmite de assuntos relacionados a “objetos voadores não identificados” no âmbito do comando da Aeronáutica.
O comandante da Aeronáutica, de conformidade com o previsto no inciso XIV do artigo 23 da Estrutura Regimental do Comando da Aeronáutica, aprovada pelo Decreto número 6.834, de 30 de abril de 2009, e considerando o que consta do Processo número 67000.001974/2010-61, resolve:
Artigo 1º As atividades do Comando da Aeronáutica (COMAER) relativas ao assunto “objetos voadores não identificados” (OVNI) restringem-se ao registro de ocorrências e ao seu trâmite para o Arquivo Nacional.
Artigo 2º O Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), como órgão central do Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Sisdabra), é a organização do COMAER responsável por receber e catalogar os registros referentes a OVNI relatados, em formulário próprio, por usuários dos serviços de controle de tráfego
aéreo e encaminhá-los regularmente ao CENDOC.
Artigo 3º O Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica (CENDOC) é a organização do COMAER responsável por copiar, encadernar, arquivar cópias dos registros encaminhados pelo COMDABRA e enviar, periodicamente, os originais ao Arquivo Nacional.
Artigo Xº Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Artigo 6º Revoga-se a Nota nº C-002/MIN/ADM, de 13 de abril de 1978 e o Aviso nº S-001/MIN, de 28 de fevereiro de 1989.
Juniti Saito,
Tenente-brigadeiro do ar