O personagem central da recente polêmica envolvendo a Igreja Católica, o padre José Gabriel Funes, quando tomou posse do Observatório Astronômico do Vaticano e passou a ser considerado o astrônomo oficial do papa, em agosto de 2006, deu uma interessante entrevista à Agência Zenit de Notícias. Nascido em Córdoba, Argentina, em 1963, o jesuíta é licenciado em teologia e doutor em astronomia, e aceitou sem titubear a indicação para dirigir o observatório mais antigo do mundo.
Que orientação o senhor quer dar, como novo diretor, à equipe do Observatório do Vaticano? Em primeiro lugar, agradeço a Deus e ao Santo Padre que me chamou a servir como diretor de uma instituição de tradição e prestígio reconhecidos pela comunidade astronômica internacional. É uma grande responsabilidade continuar com a excelente tarefa que o padre George Coyne desenvolveu como diretor durante 26 anos. O Observatório do Vaticano que recebo goza de uma saúde muito boa, que se manifesta na investigação científica, na organização de congressos internacionais, em escolas de doutorado para estudantes do mundo inteiro e na promoção do diálogo entre a ciência e a fé. Minha intenção é continuar estas atividades, que são um sinal da presença da Igreja no mundo das ciências. Esta missão impossível se torna possível com a ajuda insubstituível de meus irmãos jesuítas. Queremos servir o Santo Padre e à Igreja, onde sejamos mais úteis. No nosso caso, este serviço é muito específico e a nossa missão consiste em caminhar juntamente com nossos colegas astrônomos. Queremos participar da busca, do entusiasmo e da alegria que comporta o descobrimento científico. Queremos aprender cada dia um pouquinho mais sobre as maravilhas do universo que narram a glória de Deus.
Qual é a diferença entre o Observatório do Vaticano em Castelgandolfi e o que está no Arizona? O Observatório do Vaticano é um único instituto que consta da sede histórica de Castelgandolfi, onde se realizam análises de dados, as escolas e diversos congressos. É uma honra poder ser hóspedes na casa do papa. Estamos muito agradecidos ao Santo Padre por todo seu apoio e esperamos poder corresponder com o nosso trabalho a tão grande privilégio. No Arizona temos um grupo de investigação e o telescópio que utilizamos para as nossas observações. É importante para nós podermos colaborar com o Departamento de Astronomia da Universidade do Arizona, um dos centros astronômicos mais destacados do mundo. Alguns de nós lecionam naquela instituição.
O senhor especialista em galáxias discóides. De que consiste, principalmente, este estudo? Em 2000, terminei o meu doutorado em astronomia na Universidade de Pádua, com a tese Cinemática do Gás nas Regiões Centrais das Galáxias Discóides. Traduzido para uma linguagem menos técnica, a tese apresentava os resultados que obtivemos ao “pesar” os buracos negros supermaciços que se encontram no centro das galáxias discóides. Nos últimos anos, trabalhei no estudo da formação estelar de galáxias próximas, aquelas que não se encontram a uma distância maior de 50 milhões de anos-luz. A formação estelar é um tema chave para podermos entender o processo de formação e evolução das galáxias. Naquele mesmo ano, trabalhei na organização de um congresso internacional sobre a formação e evolução das galáxias discóides que o Observatório do Vaticano organizou na Universidade Gregoriana, em Roma. A nossa galáxia, a Via Láctea, é um caso desses.
O que o senhor diria aos astrônomos que consideram incompatível ser crente nos ensinamentos religiosos e cientista? Não só aos astrônomos, mas também a todos os que pensam deste modo, costumo dizer que eu não vejo qualquer contradição entre ciência e fé. Sim, creio que há tensões e que é sadio passar por elas, pois nos ajudam a crescer. Estou consciente de que houve conflitos e ainda existirão, mas não devemos ter medo do conhecimento científico. Um instituto como o nosso, que já prestou serviços a 10 papas, é um claro testemunho de que a Igreja não tem medo da boa ciência, da ciência de qualidade. Pelo contrário, ela a promove.
Quando o senhor tem tempo livre, se diverte vendo filmes como Guerra das Estrelas? Sim, eles me divertem, ainda que não seja um fanático do gênero.