Para visualizarmos o grau de condicionamento mental da população da Terra no que se refere a milagres e fenômenos inexplicáveis, vale considerar que o valor de um depende, sobretudo, da idoneidade e discernimento do agraciado. Geralmente, não existem milagres ou santos milagreiros vindos através de pessoas polêmicas ou de comportamentos anormais diante do padrão conceitual de vida contemporânea. Um mesmo fato pode ser observado por três pessoas distintas e receber de cada uma delas uma interpretação única e verdadeira, contudo, todas diferem entre si. Isso acontece devido à formação pessoal de cada testemunha e a partir desta os casos passam a ser propagados absolutamente de acordo com aquilo que a pessoa pode discernir acerca de seu contato.
Um exemplo ilustrativo de uma tríplice interpretação de um mesmo acontecimento foi constatado na cidade de Uberaba, no Estado de Minas Gerais, em dia seco do inverno de 1952, quando sincronicamente pessoas de formações distintas observaram objetos não identificados em manobras no céu, tendo a fumaça que saía desses o formato de silhuetas humanas em alguns momentos. Naquela época a vegetação apresentava os sinais da seca e toda a população iniciava seus rituais ou rezas em busca da tão abençoada chuva capaz de revigorar os pastos e as plantações locais. Unidos em torno de apenas uma súplica, os católicos promoviam procissões e romarias, carregando suas pesadas estátuas dos santos “bons de milagres”. Enquanto isso, protestantes evangélicos oravam e cantavam para Deus. Os adeptos da umbanda realizavam despachos e oferendas aos orixás.
Fenômenos inexplicáveis — Na zona rural da cidade residia uma pobre família de camponeses católicos cujo destaque era uma pequena e frágil criança, que desde os primeiros anos se acostumou a freqüentar a missa na paróquia do vilarejo local, ouvindo o sermão sobre a necessidade de temer a Deus e evitar o pecado. De boa índole, a garotinha de nome Maria Abadia enxergava Deus e os santos como um exército de espiões prontos para desencadear a fúria dos céus sobre os pecadores indefesos na Terra. Esse temor dotou-a de uma conduta sóbria e respeitosa que aos poucos a destacou entre as garotas de sua idade, que apenas se satisfaziam com brincadeiras e ocupações naturais de uma infância despreocupada.
Há quilômetros dali havia um boiadeiro forte de idade mediana. Chico Penha era famoso pela sua audácia com as mulheres e por ser amante dos vícios mundanos, mas, mesmo assim, mantinha uma conduta profissional ativa e elogiada pelo seu patrão. Penha era homem do mato, conhecia os mistérios das plantas e dos animais, fazia “garrafadas” de ervas para curar enfermidades de sua família e foi espectador de inúmeros fenômenos inexplicáveis, mas a população preferia enxergá-lo mais como um arruaceiro incorrigível, classificando seus “causos” como invenções de origens alcoólicas.
Um dia em que a seca castigava o cerrado mineiro e as reservas de água mal saciavam a sede do gado, a população desatou em rezas e rituais de forma frenética. Longe dali, na estrada que ligava as cidades mineiras de Araxá a Uberaba, um potente Chevrolet transitava carregando em seu interior o ilustre doutor Pitico, sábio médico e entusiasta dos estudos ocultos. Em determinado momento, Pitico mandou o motorista parar, pois acabava de ver um fenômeno de luzes no céu, sobre uma plantação de milho ressequida de calor. Tomado de imensa curiosidade saltou do carro, passando a observar com total atenção.
Maria Abadia foi a protagonista de um impressionante caso de aparição ocorrido em Uberaba, Minas Gerais, muito pouco difundido no meio católico
— Fábio Bettinassi
A claridade era emanada por esferas circulantes voadoras e em determinado momento insinuou uma silhueta feminina. Não tão longe uma garotinha pobre, Maria Abadia, caminhava desolada com seu vestido empoeirado por uma trilha na mata rasteira e se espantou ao vislumbrar aquelas luzes no céu. De tanto êxtase a menina teve a impressão de ouvir vozes. Calada e emocionada ela juntou as mãos e caiu ajoelhada, iniciando uma prece ardente do fundo do coração, pois de acordo com sua pouca percepção das coisas do mundo lembrou que aquilo parecia muito com as ilustrações que ela via penduradas na sala do catecismo de sua paróquia, na qual uma imagem radiante de Nossa Senhora descia do céu para abençoar um grupo de fiéis. Após as primeiras orações, a luminosidade formara um vulto com formas humanas. A jovem, tomada de grande alegria mesclada de espanto, saiu correndo, derramando lágrimas de gratidão, porque segundo ela a própria Nossa Senhora teria saído dos céus para visitá-la pessoalmente, fato que não poderia haver glória maior. Quando Abadia chegou em sua casa, contou o ocorrido aos pais que imediatamente a conduziram ao padre da vila, que a interrogou através de diferentes técnicas. No final, concluiu-se que não se tratava de uma mentira infantil.
Esferas celestes — No mesmo momento em que a pequena Abadia contemplava as luzes no céu, próximo de lá, sentado sobre a sombra de um velho carvalho estava Chico Penha, que após o almoço saboreava uma aromática cachaça de rolha. O boiadeiro estava deitado e olhava o horizonte, ora ou outra praguejava um palavrão, em repúdio ao calor escaldante. Entre um impropério e outro se assustou ao ver um grupo de esferas celestes emitindo luzes e promovendo evoluções, até que em certo momento saiu de uma delas uma espécie de vapor que se condensou em uma forma que lembrava um vulto de homem. Sem pensar muito pegou a faca e se colocou em posição de defesa, temendo ser a materialização de uma entidade infernal que vinha oferecer favores em troca de possuir sua alma.
Tomado de medo, montou seu cavalo e seguiu para o vilarejo local, onde imediatamente entrou em um bar e tomou uma cachaça dupla, sob o pretexto de espantar os maus espíritos. Enquanto isso relatou o caso aos presentes que riram e fizeram piadas, ridicularizando o velho Chico Penha que furioso iniciou uma briga de pancadaria. A polícia chegou e o deteve, deixando-o preso por dois dias. De volta a estrada, após o sumiço das luzes, o pensador doutor Pitico concluiu que poderia se tratar de inúmeras possibilidades, entre elas a presença de uma nave espacial alienígena com periféricos de investigação à sua volta, podendo ser um objeto de origem extraterrestre ou até mesmo fenômenos espirituais ou de natureza empírica. Assim, tratou de tomar notas no local e quando retornou para Araxá escreveu uma matéria relatando o ocorrido no jornal local. A reportagem foi lida por muitas pessoas, mas poucas acreditaram e a massa da população acabou considerando que o médico estava sofrendo de distúrbios acarretados por excesso de trabalho.
Ao vilarejo rural, no final daquele dia, uma demorada chuva trouxe frescor e alegrias. A esperança havia voltado. Maria Abadia, que pelo seu comportamento exemplar e sua natureza inocent
e foi considerada como uma agraciada por Deus, passou a ser visitada por doentes e necessitados que queriam tocá-la em busca de milagres. Com o passar do tempo a igreja local a conduziu para um convento distante, onde poderia desenvolver seus dons e servir de exemplo para a comunidade católica. Consta que anos depois Chico Penha morreu desacreditado e o doutor Pitico calou-se e nunca mais se manifestou sobre o ocorrido. Já Maria Abadia cresceu e viveu infeliz, trancada entre o silêncio e a escuridão do convento. No entanto, do outro lado do globo, um cardeal do Vaticano, lendo o seu caso, esboçou um meio sorriso com a certeza da missão cumprida