O UFO e as \’duas colheres\’
Apesar das críticas anteriormente apresentadas terem colocado em dúvida a autenticidade do caso, a última desconfiança da sua credibilidade ocorreu no ano passado (2010). No dia 15 de agosto, o programa televisivo Fantástico da Rede Globo localizou e entrevistou uma amiga da família de Baraúna, a publicitária Emília Bittencourt.
Ela declarou ter ouvido do próprio Baraúna, 34 anos depois do evento, a confirmação de que suas fotos eram apenas uma montagem. “Eu tive a oportunidade de visitá-lo há 18 anos, em Saquarema (RJ), e ele contou como a história foi feita. Ele estava no navio da Marinha na Ilha da Trindade e começou a olhar pra o céu e dizer, ‘olha ali um objeto, o que é aquilo, alguma coisa voando’. Quando chegou em casa, resolveu fazer a brincadeira. Pegou duas colheres de cozinha, de metal, juntou, e improvisou uma nave espacial. Usou de pano de fundo a geladeira da casa dele e iluminou com um abajur. Ele calculou precisamente o horário e de onde vinha a fonte de luz. Ele foi bem preciso, foi muito esperto. Então, a partir daí, ele conseguiu ampliar uma foto do disco voador, que tinha como fundo a Ilha da Trindade e as duas colheres que seriam a nave espacial. Foi assim que ele fez a fraude das fotos”. Segundo Emília, ele se divertia ao lembrar-se dos fatos e ria muito com o episódio.
O Fantástico também transmitiu a informação de que uma sobrinha de Baraúna teria confirmado que as fotos eram trucadas. Horas depois da veiculação do programa, a sobrinha do fotógrafo, que hoje é curadora de seu acervo fotográfico, negou que tenha confirmado a fraude.
Ela narrou que nunca ouviu de seu tio a confissão de manipulação das fotografias e, pelo contrário, lembrou que o tio ria daquelas pessoas que achavam que tudo não passava de uma farsa. Sabemos hoje que a sobrinha não era umas das três pessoas conhecedoras do segredo guardado por Baraúna. Como constatamos, nem todos da própria família tinham conhecimento preciso do mistério. A questão das colheres também é negada veementemente por Marcelo Ribeiro.
Quem teria analisado os negativos
A Marinha, na época, mandou analisar os negativos. Um grande erro dos oficiais superiores, quando ainda estavam no navio Almirante Saldanha, foi não terem confiscado os mesmos logo após terem sido revelados, ainda a bordo.
A grande falha de toda a história do caso, aparentemente, está aqui. Se o Capitão-de-Corveta Carlos Alberto Ferreira Bacellar, tivesse confiscado os negativos imediatamente e os levado para análise quando o navio voltasse da ilha, ele teria visto – conforme esta nova versão – que não havia nada fotografado nos céus.
A brincadeira teria sido descoberta neste momento e o caso hoje não teria importância maior do que muitos outros de avistamentos de UFOs. Essa foi a irreversível falha da Marinha de Guerra.
Outra grande questão contribuiu para os militares não descobrirem nada: não havia papel fotográfico a bordo. Dessa forma, não foi possível reproduzir os negativos no papel, o que mostraria nitidamente se algo havia sido captado ou não. Essa reprodução só foi feita pelo próprio Baraúna, em sua casa.
A própria Marinha reconheceu essas falhas e a externou em seu relatório. O impresso, intitulado “Relatório sobre a observação de objetos voadores não identificados registrada na Ilha da Trindade, no período compreendido entre 05 de dezembro de 1957 e 16 de janeiro de 1958” externou em três tópicos: “I – Não foram feitas cópias do filme no momento de sua revelação. II – O comandante do navio não se apossou dos negativos logo após sua revelação, a fim de obter mais tarde cópias na presença de testemunhas. III – As cópias e ampliações foram realizadas pelo fotógrafo em seu próprio laboratório.”
Como não foi dada ordem de confiscá-los, Baraúna ficou em poder dos mesmos o tempo todo. O navio Almirante Saldanha voltou da ilha e atracou primeiro em Vitória. Ele ficaria ali por dois dias, antes de partir novamente para o Rio de Janeiro. Os cinco civis do Clube de Caça Submarina de Icaraí tomaram a decisão de desembarcar e prosseguir de ônibus, com destino a Niterói.
A autorização de desembarque foi permitida apenas para civis e negada para qualquer militar. Conforme Baraúna relatara, eles resolveram desembarcar neste momento e seguir de ônibus, porque dois colegas do grupo estavam no fim do gozo das férias e iam perder dias de trabalho se continuassem em Vitória. Essa desculpa até que poderia ter sido verdadeira, mas havia algo mais em mente. Ele queria chegar em casa o mais rápido possível, levando os negativos consigo.
Ficaram em seu poder por uns oito dias ou mais, desde o momento em que bateu as fotos no navio. Este tempo foi o suficiente para que pudesse realizar a montagem em seu próprio laboratório, já em casa. Somente depois desse período a Marinha finalmente requisitou-os e mandou para análise.
Técnicos do Departamento de Hidrografia e Navegação, da própria Marinha, e técnicos do Serviço Aerofotogramétrico de uma empresa de aviação, a extinta Cruzeiro do Sul, realizaram testes nos negativos. O resultado deste exame está lavrado no relatório da Marinha:
“O técnico do Departamento de Hidrografia e Navegação da Armada, depois de analisar os negativos, afirmou que são naturais. Os técnicos do Serviço Aerofotogramétrico da Cruzeiro do Sul, após a realização de exames microscópicos para verificar a granulação, análise de sinais, verificação de luminosidade e detalhes de contornos, afirmaram que não havia sinal algum de fotomontagem nos negativos mencionados e toda evidência demonstrava que eram realmente negativos de um objeto verdadeiramente fotografado. A hipótese de uma fotomontagem tramada após o avistamento está excluída. É impossível demonstrar tanto a existência como a inexistência de uma prévia fotomontagem; de qualquer forma, para isto se requerem uma técnica de alta precisão e circunstâncias favoráveis para a sua execução.”
Como podemos depreender, aparentemente os técnicos da Marinha fizeram apenas uma avaliação preliminar, sem aprofundar em análises mais profundas. Os testes mais rigorosos ficaram a ca
rgo da Cruzeiro do Sul, que conseguiu excluir a possibilidade de uma fotomontagem posterior ao avistamento, mas não a de uma fotomontagem elaborada e criada antes de tudo ocorrer.
Este relatório da Cruzeiro do Sul ainda é secreto e a Marinha nunca publicou [A Comissão Brasileira de Ufólogos (CBU) e Revista UFO estão cobrando a citada Força Armada sobre tal documento]. Nele, devem estar detalhados todos os procedimentos efetuados nas análises dos negativos. Ainda na época, o diretor-superintendente, Hélio Meireles (também já falecido), chegou a negar que sua empresa teria realizado análises dos negativos a pedido da Marinha.
Sabemos hoje que Meireles estava alheio aos trâmites da própria companhia aérea em que trabalhava ou estava ocultando a informação, pois o relatório da Marinha continha a descrição de que tal laboratório realizou a análise.
Em uma entrevista no ano de 1983, 25 anos depois do evento, Baraúna afirmou que os negativos também teriam sido analisados por um laboratório da Kodak, em Rochester, nos Estados Unidos. Até então, em nenhuma das suas entrevistas anteriores, ele havia dito isso.
Atualmente, segundo as afirmações do entrevistado, descobrimos que não era verdade. Na realidade, essa questão já podia ter sido descoberta há muito tempo. O próprio relatório da Marinha não faz menção alguma de que a Kodak se ocupou de tais análises. Era mais uma das brincadeiras de Baraúna.
Em 1978, um grupo civil de pesquisas de discos voadores, o extinto Ground Saucer Watch (GSW), realizou uma análise nos positivos e chegou à conclusão de que as fotografias eram reais. Na verdade, o GSW analisou o que tinha disponível em mãos, apenas os positivos. Os negativos nunca foram enviados ao exterior para nenhuma análise.
Eles sempre estiveram em poder de Baraúna. Se houvesse alguma montagem bem elaborada nas fotografias, o grupo também nunca teria detectado na análise apenas dos positivos.
Outros pesquisadores fora do Brasil também analisaram os positivos. Alguns deles atestaram que as fotografias eram reais e outros colocaram em dúvida sua autenticidade ou mesmo concluíram como falsas. Apresentamos, abaixo, um quadro-resumo de algumas das instituições que analisaram as fotografias.
Instituição Analisou Negativos Analisou Positivos
Marinha Brasileira Sim Sim
*Cruzeiro do Sul Sim Sim
Kodak Não Não
Ground Saucer Watch (GSW) Não Sim
* Também conhecida como Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul
Antes testemunhas, agora vítimas
Uma das testemunhas que afirmaram ter visto o disco voador nos céus da ilha foi o civil, advogado, fundador e presidente do Clube de Caça Submarina de Icaraí, Amilar Veira Filho. Amilar foi pioneiro de caça submarina em Niterói, sendo tricampeão sul-americano dessa modalidade.
Na época do avistamento era bancário do Banco do Brasil e posteriormente trabalhou em uma empresa de comércio exterior, tendo montado seu próprio escritório mais tarde. Até 2008, aos 83 anos, era o último integrante vivo do pessoal do Clube de Caça Submarina de Icaraí que esteve na ilha, quando foi assassinado em uma tentativa de assalto no Rio de Janeiro.
Em 2003, este autor conseguiu localizá-lo e realizou uma entrevista por telefone, na qual ele confirmou seu avistamento: “Eu não tenho o menor interesse em discutir se houve fraude ou não houve. Eu estou lhe dizendo que minha observação é essa, de que eu vi o objeto e não vou fugir disso nunca!”.
Na época do avistamento, declarou ao jornal O Globo, de 28 de Fevereiro de 1958, que o que viu “foi um objeto de cor a princípio cinzenta, de forma oval, que passou por sobre a ilha e depois, adquirindo uma luz do tipo fluorescente, desapareceu, em profundidade, até que o foco luminoso se extinguiu pouco acima da linha do horizonte.”
Quando este autor lhe questionou sobre a possibilidade de Baraúna ter manipulado as fotografias, ele acolheu parcialmente essa possibilidade. “Pode até ser. Mas, que ele contou com o aparecimento do objeto no céu, isso eu estou dizendo, por que eu observei o objeto. Eu vou afirmar isso aqui de vez. Se ele fez algum truque, de que preparou o filme, não sei, ele contou com o objeto no céu. Se ele fez algum truque, foi dentro do que foi visto no céu”, declarou Amilar.
Hoje sabemos que nem seu próprio amigo, o Amilar, conhecia o segredo de Baraúna. Os críticos da época, em 1958, acusaram de que existia um complô entre os cinco integrantes do clube e que eles teriam armado toda a história, fingindo ter observado algum disco voador nos céus da ilha.
De acordo com a nova versão dos fatos, saberíamos que isso não é verdade. A realidade é que nenhum dos outros quatro integrantes do Clube de Caça Submarina sabia do segredo de Baraúna. Eles também foram enganados.
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