Em outubro de 2010 uma conferência histórica foi realizada na Sociedade Real britânica [Royal Society], em Londres, para discutir o processo de busca por formas de vida alienígena e as implicações que encontrá-las acarretaria para nosso mundo. Como a entidade é o órgão científico mais respeitado da Inglaterra, gostaria de me posicionar a respeito. Como é sabido, eu era o coordenador do UFO Desk — o chamado Projeto UFO — do Ministério de Defesa (MoD), instalado nos anos 50 para pesquisar avistamentos ufológicos. Nesta condição, sempre acompanhei as últimas descobertas científicas à vida no universo. Participei da referida conferência, ouvi apresentações fascinantes e tive a chance de ter conversas particulares com muitas pessoas importantes do meio científico mundial.
O título completo do evento foi A Detecção de Vida Extraterrestre e as Conseqüências Para a Ciência e a Sociedade. Normalmente, alguém esperaria que tal conferência fosse organizada por entidades dedicadas à pesquisa ufológica, e não pela Sociedade Real, como ocorreu, uma organização fundada em 1660 e que teve membros ilustres, como Isaac Newton, Charles Darwin, Albert Einstein e Stephen Hawking. O evento recebeu representantes da NASA, da Agência Espacial Européia (ESA) e do Departamento das Nações Unidas para o Espaço Exterior. Físicos, químicos, biólogos, astrônomos, antropólogos e até teólogos compareceram para discutir um assunto que há poucos anos seria tratado, no máximo, como algo nos limites da ciência.
Existem duas possibilidades: ou estamos sozinhos no universo ou não estamos. Ambas são igualmente aterrorizantes
Entre os conferencistas estavam personalidades como Colin Pillinger, designer da sonda Beagle 2, o astrônomo Frank Drake, a primeira pessoa a mandar uma mensagem para o espaço em uma tentativa de sinalizar nossa existência para eventuais extraterrestres, e Jill Tarter, a astrônoma em que é baseada a personagem Ellie Arroway no filme Contato [1997]. O lorde Martin Rees, o astrônomo real de Sua Majestade e presidente da Sociedade Real, presidiu várias sessões. O início dos trabalhos foi dedicado a atualizar os participantes do evento sobre os progressos científicos mais recentes. Isso foi necessário porque há poucos anos não tínhamos evidências de qualquer planeta que não fosse os do Sistema Solar, e agora descobrimos cerca de 500 planetas ao redor de outras estrelas — os chamados exoplanetas ou planetas extrassolares.
Sinalizando para os alienígenas
Hoje, radiotelescópios varrem os céus procurando sinais de civilizações extraterrestres e o fazem com força inconcebível há algumas décadas. Estamos olhando e ouvindo muito mais longe no universo do que antes, buscando por uma resposta para a derradeira questão: seria a Terra o único planeta capaz de sustentar vida? E se sim, por que somente ela? Ou, ao contrário, como muitos cientistas agora acreditam, estaria o cosmos transbordando de vida? Drake crê que haja cerca de 10 mil civilizações avançadas apenas em nossa galáxia, mas aponta que, dado ao número incerto de estrelas que ela contém, isso significaria que apenas uma em 10 milhões sustentaria mundos habitados. O cosmólogo e best seller Paul Davies se referiu à falta de um sinal extraterrestre em resposta aos nossos como “um silêncio esquisito”. Sobre isso, Drake disse que, como nossa pesquisa apenas arranhou a superfície do universo, o silêncio não é apenas esquisito, mas previsível.
A partir destas assertivas, dá para se ter uma idéia de como foi acalorada a conferência. E, então, partimos para discutir quais seriam os grandes problemas que surgiriam se encontrássemos vida extraterrestre inteligente. Eles se dividem em diversos tópicos. O primeiro é uma questão básica: seriam os ETs amigos ou inimigos? Se encontrarmos vida lá fora — e isso é bem mais do que detectar sinais ou encontrar micróbios —, os alienígenas poderiam ser amigáveis, como o ET de Steven Spielberg, ou malévolos, como os do filme Independence Day [1996], que estariam vindo aqui para nos exterminar? Os pontos de vista foram divergentes no evento. Frank Drake e outros acreditam que teríamos muito a ganhar em um contato com outras espécies cósmicas, em termos de conhecimento científico. Ele sugeriu até que tais civilizações poderiam enviar informações sobre si mesmas — como um “Facebook cósmico”. Mas ao clicarmos no site, aprenderíamos algo útil?
Outros conferencistas do evento apontaram o que aconteceu em nossa própria história como um exemplo a temer: quando uma sociedade tecnologicamente mais avançada encontrou uma mais primitiva, submeteu-a e a aniquilou. Assim, acreditam alguns, nossas tentativas de encontrar alienígenas se parecem com os indígenas americanos da Idade Média procurando e aguardando os conquistadores europeus. “Se o telefone cósmico tocar, não atenda!”, foi como sintetizou estes questionamentos o professor Simon Conway Morris. Mas é tarde demais para isso, pois temos sido uma civilização detectável há décadas, já que os sinais de nossa televisão vazam para o espaço.
Outra grande discussão do evento na Sociedade Real girou em torno de um eventual perigo biológico que correríamos em um contato com outras espécies cósmicas. No filme Guerra dos Mundos [2005], os invasores foram varridos do planeta por uma bactéria terrestre. Se recebermos vida extraterrestre em nosso mundo, mesmo que sejam apenas micróbios, teríamos o mesmo destino? Alguns imaginam que esse seja um risco real e que deveriam ser postos em prática controles restritos e específicos para se lidar com qualquer material potencialmente biológico trazido das missões espaciais. E há ainda um problema ético na questão — o de que micróbios da Terra transportados ao espaço em uma nave não esterilizada poderiam contaminar outros planetas. Que direito temos de fazer isso?
Impacto sobre as religiões
Há perigo de pânico se encontrarmos nossos vizinhos galácticos? Este é outro questionamento pertinente surgido na reunião de Londres, assim como as implicações que um contato oficial e definitivo com ETs teriam sobre as religiões do planeta. No primeiro caso, se descobrirmos formas de vida alienígena, muitos acreditam que isso levaria ao pânico generalizado e ao caos. Se estivermos falando de uma invasão alienígena, isso claramente seria verdade. Mas pesquisas de opinião já mostraram que o n&uacu
te;mero de pessoas que acreditam em vida extraterrestre é maioria entre os habitantes dos países desenvolvidos — e muita gente ainda crê que já estamos sendo visitados por ETs. Isso, em tese, diminuiria drasticamente o risco de pânico. E adicione a isso o fato de que filmes de ficção científica já enterraram fundo na nossa mente a idéia de que não teremos problemas em um eventual encontro.
Porta-voz do planeta Terra
E quanto aos possíveis problemas que as religiões enfrentarão na eventualidade de um contato formal com outras espécies cósmicas? Seguidamente se afirma que a descoberta de outras civilizações estilhaçaria as religiões mundo afora, mas não se pode ter tanta certeza disso. O professor e teólogo Ted Peters sumarizou um encontro com nossos vizinhos galácticos com enquetes que sugerem que isso pouco ou nada afetaria a crença das multidões — quaisquer que sejam elas —, e talvez até as fortalecessem, por mostrar que a criação é ainda maior e mais maravilhosa do que se presumia antes, estendida a inúmeras civilizações de seres inteligentes espalhados pelo cosmos. Mas nem todos concordam com isso. Davies acha que os cristãos, em particular, teriam sérios problemas, dada à sua principal crença de que Jesus morreu para nos salvar. Se descobrirmos outras espécies cósmicas, levantaríamos uma inconveniente pergunta: por que só nós?
Considerando que todas estas questões são passíveis de discussão, uma pergunta concreta permanece: afinal, quem seria o porta-voz do planeta Terra no caso de um contato oficial e definitivo com ETs? Quem tomaria a dianteira para lidar com este assunto, em nome de todos? Como já se questionou uma vez, por exemplo, se uma espaçonave extraterrestre atracasse na Estação Espacial Internacional, chamaríamos o Departamento de Defesa inglês, o Departamento de Estado norte-americano, algum órgão francês ou o Vaticano? Enfim, quem lidaria com a questão? A proposta mais razoável é de que a matéria deva ser de responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU). Já existe um precedente: a nave Voyager 1, enviada pelos Estados Unidos ao espaço em 1977 e atualmente a caminho das estrelas, contém uma mensagem da Secretaria Geral da ONU em que se lê: “Enviamos saudações em nome das pessoas de nosso planeta. Saímos de nosso Sistema Solar para o universo buscando apenas paz e amizade”.
Mas o ingrediente mais picante desta fabulosa e complexa receita são, naturalmente, os UFOs. Apesar de a conferência não ter o objetivo de tratar deles, isso ocorreu. Claro que falar de Ufologia pegou mal nas palestras formais, mas o tema foi discutido abertamente nos intervalos do evento, nos bastidores. E os inclinados a uma resposta ufológica para estas questões foram enfáticos: por que procurar por vida lá fora, com caros radiotelescópios, se ela já está aqui dentro de nossa atmosfera? A ironia de se falar nisso em um evento como o da Sociedade Real — quando avistamentos de UFOs estão em níveis recordes em todo o mundo — não passou despercebida.
Em uma das discussões do evento, alguém denunciou como anticientífica a atitude do Ministério da Defesa em cortar seu Projeto UFO, quando há tantos casos com boas evidências de que algo estranho tenha sido visto — tais como avistamentos por pilotos e rastreamentos por radar. “Afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias”, rebateu lorde Rees, parecendo um pouco desconfortável com o tema e dando seguimento à discussão. E o que dizer das teorias conspiracionistas, que apontam a existência de uma ação premeditada para se esconder a verdade, um acobertamento ufológico? O evento contrariou esta sensação, especialmente quando se descobriu que a Sociedade Real é capaz de realizar um evento deste porte. “Então não existe qualquer acobertamento”, dizem alguns.
Um objetivo obscuro
Mas este estado de espírito logo muda para a suspeita de que o evento, na verdade, tinha o objetivo obscuro de tratar do assunto sob outro formato. Enfim, teorias conspiracionistas começaram imediatamente no início do evento, e foram muito discutidas em vários sites, blogs e fóruns. Haveria alguma manobra em andamento, grande o suficiente para mobilizar a Sociedade Real em torno do tema? Este é o questionamento que faziam. O sentimento na comunidade ufológica é de que o evento prova que os poderes constituídos saberiam que estamos sendo visitados. Enfim, há uma idéia generalizada de que um encontro com outras espécies cósmicas está sendo preparado.
Como se vê, não é fácil lidar com a questão. E, a título de conclusão, cito a obra de ficção científica do notável Arthur C. Clarke. Ele disse uma vez que “existem duas possibilidades: ou estamos sozinhos no universo ou não estamos. Ambas são igualmente aterrorizantes”. Eu concordo. A pergunta sobre a existência ou não de outras formas de vida no cosmos é provavelmente a maior e mais profunda que podemos fazer. Talvez logo tenhamos a resposta. Mas em um campo onde há tantas dúvidas, pelo menos uma coisa é certa: o dia em que fizermos contato com “eles”, isso irá mudar nosso mundo para sempre.